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— Lá o meu senhor foi para o Campo Grande. Eu estive para ir jantar fora com.. — Suspendeu-se, sorriu, e voltada para Luísa, mais baixo, com um tom alegre, muito sincero: — Mas olha, a falar a verdade, nem sabia onde, nem tinha dinheiro... Que ele coitado com a sua mesada mal lhe chega. Disse comigo: nada, vou ver a Luísa. Também os homens sempre, sempre, secam!. .

— Que tens tu para jantar? Não fizeste cerimónia, hem?

E com uma ideia súbita:

Tens tu bacalhau?

Devia haver, talvez. Que extravagância! Por quê?

Ai! — exclamou. — Manda-me assar um bocadinho de bacalhau! O

meu marido detesta bacalhau! Aquele animal! Eu é a minha paixão. Com azeite e alho! — Mas calou-se, contrariada — Diabo!

O quê?

É que hoje não posso comer alho...

E entrou para a sala a rir. Foi tirar uma rosa do ramo de Sebastião, pô-la casa do corpete. Desejava ter uma sala assim — pensava, olhando em redor.

Queria-a de repes azul, com dois grandes espelhos, um lustre de gás, e o seu retrato a óleo de corpo inteiro, decotada, ao pé de um rico vaso de flores...

Sentou-se ao piano, bateu rijamente o teclado, tocou motivos do Barba-Azul.

E vendo Luísa entrar:

Mandaste arranjar o bacalhau?

Mandei.

Assado?

Sim.

E atirou, com a sua voz mordente, a sua canção querida da Grã-duquesa:

Ouvi dizer que o meu avô de vinho, Era um tal amador. .

Mas Luísa achava aquela música "espalhafatona"; queria alguma coisa triste, doce. . O fado! Que tocasse o fado!. .

Leopoldina exclamou logo:

Ai, o fado novo! Tu não ouviste? É lindo! Os versos são divinos!

Preludiou, cantando com um balouçar lânguido da cabeça, o olhar erguido e turvo:

O rapaz que eu ontem vi Era moreno e bem feito. .

Tu não sabes isto, Luísa? Oh, filha! É o último! É de chorar!

Recomeçou, com o tom muito quebrado. Era a história rimada de um amor infeliz. Falava-se nas "raivas do ciúme, nas rochas de Cascais, nas noites de luar, nos suspiros da saudade", todo o palavreado mórbido do sentimentalismo lisboeta. Leopoldina dava tons dolentes à voz, revirava um olhar expirante; uma quadra sobretudo enternecia-a; repetiu-a com paixão:

— Vejo-o nas nuvens do céu Nas ondas do mar sem fim, E por mais longe que esteia Sinto-o sempre ao pé de mim.

Lindo! — suspirava Luísa.

E Leopoldina terminava com ais! em que a sua voz se arrastava numa extensão desafinada.

Luísa, de pé junto do piano, sentia o cheiro do feno que ela usava; o fado, os versos entristeciam-na um pouco; e com o olhar saudoso seguia sobre o teclado os dedos ágeis e magros de Leopoldina, onde reluziam as pedras dos anéis que lhe tinha dado o Gama.

Mas Juliana entrou, vestida de passeio, com a sua cuia nova. Estava o jantar na mesa!

Leopoldina declarou que vinha a cair de fome! E a sala de jantar com as vidraças abertas, as verduras dos terrenos vagos em frente, um azul de horizonte onde se algodoavam nuvenzinhas muito brancas — alegrou-a; a sala de jantar dela tirava-lhe até o apetite; era uma tristeza; deitava para o saguão!

Pôs-se a depenicar bagos de uvas, a trincar bocadinhos de conserva — e reparando no retrato do pai de Jorge, desdobrando o guardanapo:

Havia de ser divertido teu sogro! Tem cara de pândego!

Are sens