—
É que sou muito prudente — berrou o hercúleo. — É que me lembro tenho mulher e filhos! Se não bebia-lhe o sangue!
E saindo, a sua voz roncante perdeu-se no rumor da rua.
O criado muito pálido, tremia dentro do balcão; e o sujeito calvo, que erguera a cabeça, teve um sorriso de tédio, e retomou tristemente o jornal.
Sebastião, então, disse refletindo:
—
Não te parece que seria bom avisá-la?
Julião encolheu os ombros, soltou uma baforada de fumo.
—
Diz alguma coisa! — implorou Sebastião. — Tu não ias falar-lhe, hem?
—
Eu? — exclamou Julião com um aspeto que repelia a ideia. — Eu!
Estás doido!
—
Mas que te parece, enfim?
E a voz de Sebastião tinha quase uma aflição. Julião hesitou:
—
Vai, se queres. Diz-lhe que se tem reparado.. Enfim, eu não sei, meu amigo! E pôs-se a chupar o seu cigarro.
Aquele mutismo afetou Sebastião. Disse com desconsolação:
—
Homem, vim-te pedir um conselho...
—
Mas que diabo queres tu? — E a voz de Julião irritava-se. — A culpa é dela. É dela! — insistiu, vendo o olhar de Sebastião. — É uma mulher de vinte e cinco anos, casada há quatro, deve saber que se não recebe todos os dias um peralvilho, numa rua pequena, com a vizinhança a postos! Se o faz, é porque lhe agrada.
—
Ó Julião! — disse muito severamente Sebastião. E dominando-se, com a voz comovida:
—
Não tens razão, não tens razão! Calou-se muito magoado. Julião levantou-se.
—
Amigo Sebastião, eu digo o que penso; tu fazes o que entendes.
Chamou o criado.
—
Deixa — disse Sebastião precipitadamente, pagando.
Iam sair. Mas então o sujeito calvo, atirando o jornal, arremessou-se para a porta, abriu-a, curvou-se, e estendeu a Sebastião um papel enxovalhado.
Sebastião, surpreendido, leu alto, maquinalmente: "O abaixo-assinado, antigo empregado da nação, reduzido a miséria. ."
—
Fui íntimo amigo do nobre Duque de Saldanha! — gemeu chorosamente, com uma rouquidão, o sujeito calvo.
Sebastião corou, cumprimentou, meteu-lhe na mão duas placas de cinco tostões, discretamente.
O sujeito dobrou profundamente o espinhaço e declamou com uma voz cava:
—
Mil agradecimentos a Vossa Excelência, senhor conde!