Bebeu, pousou o cálice — e encolhendo os ombros:
—
Oh! Começamos cedo? Começam todas! Aos treze anos já a gente vai na sua quarta paixão. Todas são mulheres, todas sentem o mesmo! — E
batendo o compasso com o pé, cantou, no tom do fado:
— O amor é uma doença Que costuma andar no ar; Só d'ir à janela às vezes s'apanha a febre d'amar!
—
Estou hoje com uma telha! — E espreguiçando-se muito languidamente: — No fim de contas é o que há de melhor neste mundo; o resto é uma sensaboria! Não é verdade? Diz, tu! Não é verdade?
Luísa murmurou:
—
Se é! — E acrescentou logo: — Creio eu!
Leopoldina ergueu-se, e escarnecendo-a:
—
Crê ela! Pobre inocentinha! Vejam o anjinho!
Foi-se encostar à janela; ficou a olhar pelos vidros o descer do crepúsculo; de repente pôs-se a dizer devagar:
—
Realmente vale bem a pena estar uma pobre de Cristo a privar-se, a passar uma vida de coruja, a mortificar-se, para vir um dia uma febre, um ar, uma soalheira e boas noites, vai-se para o alto de São João! Tó rola!
A sala agora estava um pouco escura.
—
Pois não te parece? — perguntou ela.
Aquela conversa embaraçava Luísa; sentia-se corar, mas o crepúsculo, as palavras de Leopoldina davam-lhe como o enfraquecimento de uma tentação.
Declarou todavia imoral semelhante ideia.
—
Imoral, por quê?
Luísa falou vagamente nos deveres, na religião. Mas os deveres irritavam Lepoldina. Se havia uma coisa que a fizesse sair de si — dizia — era ouvir falar em deveres!...
—
Deveres? Para com quem? Para um maroto como meu marido?
Calou-se, e passeando pela sala excitada:
—
E em quanto à religião, histórias! A mim me dizia o Pe, Estêvão, o de luneta, que tem os dentes bonitos, que me dava todas as absolvições, se eu fosse com ele a Carriche!
—
Ah, os padres. . — murmurou Luísa.
—
Os padres quê? São a religião! Nunca vi outra. Deus, esse, minha rica, está longe, não se ocupa do que fazem as mulheres.
Luísa achava horrível aquele modo de pensar. A felicidade, a verdadeira, segundo ela, era ser honesta. .
—
E a bisca em família! — resmungou Leopoldina, com ódio.
Luísa disse, animada:
—
Pois olha que com as tuas paixões, umas atrás das outras. .
Leopoldina estacou:
—
O quê?
—
Não te podem fazer feliz!
—
Está claro que não! — exclamou a outra. — Mas... — procurou a palavra; não a quis empregar decerto; disse apenas com um tom seco: —
Divertem-me!
Calaram-se. Luísa pediu o café.
Juliana entrou com a bandeja, trouxe luz; daí a pouco foram para a sala.
—