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appellou logo para elle, para o Craft tambem, ácerca do nefando dominó de Carlos. Não estava aquelle mocetão, com os seus ares de homem d'armas, talhado para um soberbo Francisco I, em toda a gloria de Marignan?

O velho deu um olhar enternecido á belleza do neto.

- Eu te digo, John, talvez tenhas razão; mas Francisco I, rei de França, não se póde apear de uma tipoia e entrar n'uma sala, só. Precisa côrte, arautos, cavalleiros, damas, bobos, poetas... Tudo isso é difficil.

Ega curvou-se. Sim senhor, d'accordo! Alli estava uma maneira intelligente de comprehender o baile dos Cohens!

- E tu, de que vaes? perguntou-lhe Affonso.

Era um segredo. Tinha a theoria de que, n'aquellas festas, um dos encantos consistia na surpreza: dois sujeitos por exemplo que tendo jantado juntos, de jaquetão, no Bragança, se encontram á noite, um na purpura imperial de Carlos V, outro com a escopeta de bandido da Calabria...

- Eu cá não faço segredo, disse ruidosamente Damaso. Eu cá vou de selvagem.

- Nú?

- Não. De Nelusko na Africana. Oh sr. Affonso da Maia, que lhe parece? Acha chic?

- Chic não exprime bem, disse Affonso sorrindo. Mas grandioso, é, decerto.

Quizeram então saber como ía Craft. Craft não ía de cousa nenhuma; Craft ficava nos Olivaes, de robe de chambre.

Ega encolheu os hombros com tedio, quasi com colera. Aquellas indiferenças pelo baile dos Cohens feriam-n'o como injurias pessoaes. Elle estava dando a essa festa o seu tempo, estudos na bibliotheca, um trabalho fumegante de imaginação; e pouco a pouco ella tomava aos seus olhos a importancia de uma celebração d'arte, provando o genio de uma cidade. Os

«dominós», as abstenções, pareciam-lhe evidencias de inferioridade de espirito. Citou então o exemplo do Gouvarinho: alli estava um homem de occupações, de posição politica, nas vesperas de ser ministro, que não só ía ao baile, mas estudara o seu costume: estudara, e ía muito bem, ía de marquez de Pombal!

- Reclame para ser ministro, disse Carlos.

- Não o precisa, exclamou Ega. Tem todas as condições para ser ministro: tem voz sonora, leu Mauricio Block, está encalacrado, e é um asno!...

E no meio das risadas dos outros, elle, arrependido de demolir assim um cavalheiro que se interessava pelo baile dos Cohens, acudiu logo:

- Mas é muito bom rapaz, e não se dá ares nenhuns! É um anjo!

Affonso reprehendia-o, risonho e paternal:

- Ora tu, John, que não respeitas nada...

O desacato é a condição do progresso, sr. Affonso da Maia. Quem respeita decahe.

Começa-se por admirar o Gouvarinho, vae-se a gente esquecendo, chega a reverenciar o monarcha, e quando mal se precata tem descido a venerar o Todo-Poderoso!... É necessario cautela!

- Vae-te embora, John, vae-te embora! Tu és o proprio Anti-Christo...

Ega ía responder, exhuberante e em veia - mas dentro o tinir argentino do relogio Luiz XV, com o seu gentil minuete, emmudeceu-o.

- O que? quatro horas!

Ficou aterrado, verificou no seu proprio relogio, deu em redor rapidos, silenciosos apertos de mão, desappareceu como um sopro.

Todos de resto estavam pasmados de ser tão tarde! E assim passara a hora de ir ao Lumiar vêr as colxas antigas das senhoras Medeiros...

- Quer você então meia hora de florete, Craft? perguntou Carlos.

- Seja: e é necessario dar a lição ao Damaso...

- É verdade, a lição... - murmurou Damaso sem enthusiasmo, com um sorriso murcho.

A sala de esgrima era uma casa terrea, debaixo dos quartos de Carlos, com janellas gradeadas para o jardim, por onde resvalava, atravez das arvores, uma luz esverdinhada.

Em dias enevoados era neccessario accender os quatro bicos de gaz. Damaso seguiu, atraz dos dois, com uma lentidão de rez desconfiada.

Aquellas lições, que elle sollicitara por amor do chic, íam-se-lhe tornando odiosas. E

n'essa tarde como sempre, apenas se enchumaçou com o plastrão d'anta, se cobriu com a caraça de arame, começou a transpirar, a fazer-se branco. Diante d'elle Craft de florete na mão, parecia-lhe cruel e bestial, com aquelles seus hombros de Hercules sereno, o olhar claro e frio. Os dois ferros rasparam. Damaso estremeceu todo.

- Firme, gritou-lhe Carlos.

O desgraçado equilibrava-se sobre a perna roliça; o florete de Craft vibrou, rebrilhou, voou sobre elle; Damaso recuou, suffocado, cambaleando e com o braço frouxo...

- Firme! berrava-lhe Carlos.

Damaso, exhausto, abaixou a arma.

- Então que querem vocês, é nervoso! É por ser a brincar... Se fosse a valer, vocês veriam.

Assim acabava sempre a lição; e ficava depois abatido sobre uma banqueta de marroquim, arejando-se com o lenço, pallido como a cal dos muros.

- Vou-me até casa, disse elle d'ahi a pouco, fatigado de tanto crusar de ferro. Queres alguma cousa, Carlinhos?

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