- Bravo!... viva o raciocínio!
- Mais ainda. Todo o mundo sabe que não há quem nasça perfeito. Suponhamos que eu estou na agradável companhia de três jovens; todas são lindas; mas a primeira vence a segunda na delicadeza do talhe, esta supera aquela na ternura do olhar e na graça dos sorrisos, e a terceira, enfim, ganha as duas na sublime harmonia de umas bastas madeixas negras, coroando um rosto romanticamente pálido; ora, bem se vê que seria cometer a mais detestável injustiça se eu, por amar a delicadeza do talhe da primeira, me esquecesse das ternuras dos olhares e da graça dos sorrisos da segunda, assim como das bastas madeixas negras e do rosto romanticamente pálido da última.
- Muito bem, Augusto, exclamou Filipe. Estou achando um não sei quê tão aproveitável no teu sistema, que me vejo em termos de segui-lo.
- Eis aqui, pois, por que sou inconstante, minhas senhoras; é o respeito que tributo ao merecimento de todas, é talvez o excesso a que levo as considerações que julgo devidas ao sexo amável, que me faz ser volúvel. Agora eu entro na segunda parte da minha explicação.
- Atenção!... ele vai provar que é constante!...
- Antes que ninguém, minhas senhoras, eu repreendi o meu coração pela sua volubilidade; mas vendo que era vão trabalho querer extinguir por tal meio uma disposição que a natureza nele plantara, pretendi primeiro achar na mesma natureza um corretivo que o fizesse; procurei uma jovem bem encantadora para me lançar em cativeiro eterno, mas debalde o fiz, porque eu sou tão sensível ao poder da formosura, que sempre me sucedia esquecer a bela de ontem pela que via hoje, a qual, pela mesma razão, era esquecida depois. Quantas vezes, minhas senhoras, nos meus passeios da tarde, eu olvidei o amor da manhã desse mesmo dia por outro amor, que se extinguiu no baile dessa mesma noite!...
- É exageração! disse uma senhora.
- É exatamente assim, acudiu Fabrício.
- Que folha d’alho!... exclamou D. Quinquina.
- Então, minhas senhoras, prosseguiu Augusto, eu entendi que devia recorrer a mim próprio para tornar-me constante. Consegui-o. Sou firme amante de um objeto... mas de um só objeto que não tem existência real, que não vive.
- Como é isto!... então a quem ama?
- A sua sombra, como Narciso?...
- A boneca que se vê na vidraça do Desmarais?...
- Ao cupido de Praxiteles, como Aquídias de Rodes?
- Alguma estátua da Academia das Belas-Artes?...
- Nada disso.
- Então a quem?
- A todas as senhoras, resumidas num só ente ideal. À custa dos belos olhos de uma, das lindas madeixas de outra, do colo de alabastro desta, do talhe elegante daquela, eu formei o meu belo ideal, a quem tributo o amor mais constante. Reúno o que de melhor está repartido e faço mais ainda: aperfeiçôo a minha obra todos os dias. Por exemplo, retirando-me desta ilha, eu creio que vestirei o meu belo ideal de novas formas!
- Viva o cumprimento!...
- Foi assim, minhas senhoras, que eu me pude tornar constante e, graças a meu proveitoso sistema, posso amar a todas as senhoras a um tempo sem ser infiel a nenhuma. Disse.
- Muito bem!... muito bem!...
- Augusto desempenhou-se.
O champagne estourava naquele momento. Leopoldo tomou a palavra pela ordem.
- Eu vou, exclamou, propor um belo meio de terminar esta discussão, convidando a todos os senhores para um brinde, no qual Augusto, por castigo de sua inconstância, nos não poderá acompanhar.
Não é novo que mancebos bebam, no meio dos prazeres de um festim, um copo de vinho depois de pronunciar o nome daquela que é dama de seus pensamentos: aqui não estamos só mancebos e, pois, não faremos tanto; pronunciaremos, contudo, a inicial do primeiro nome.
- Sim! sim! disse Filipe, Augusto não beberá conosco...
- Não, maninho, acudiu a interessante Moreninha, ele há de beber também.
- Ah, minha senhora! no beber um copo de champagne não está a dúvida; a dificuldade toda é poder, entre tantos nomes, escolher o mais amado. Acode-me tal número dos que têm tocado o superlativo do amor...
- M... disse Leopoldo, esvaziando seu copo.
- C... pronunciou Filipe, olhando para D. Clementina.
- J... balbuciou Fabrício, exasperado com um acesso de tosse que atacara Augusto.
Os outros mancebos pronunciaram suas letras; só o inconstante faltava.
- Eis! ânimo, Sr. Augusto, disse D. Carolina.
- Mas que letra, minha senhora?... se eles me dessem licença, eu faria o enorme sacrifício de reduzir as que me lembram ao diminuto número de vinte e três.
- Nada! nada! nesta saúde não entra o número plural.
- Pois bem, Sr. Augusto, continuou a menina, uma coleção não deixa de ser singular; beba o seu copo de champagne ao alfabeto inteiro!
- Sim, minha senhora, ao alfabeto inteiro!
Meia hora depois levantaram-se da mesa. Leopoldo aproximou-se de Augusto.
- Então que dizes, Augusto?...
- Que passaremos a mais agradável noite.
- E quem ganhará a aposta?
- Eu.
- De quais destas meninas estás mais apaixonado,...
- Estou na minha regra, mas hoje tenho-me apaixonado só de três, principalmente.
- E o que pensas da irmã de Filipe?
- A melhor resposta que te posso dar, é... não sei... porque, ao meio-dia, a julgava travessa, importuna e feia, mas era-me completamente indiferente...
- À uma hora?...
- Eu a supus estouvada e desagradável.
- Às duas horas?...
- Má, e desejava vê-la longe de mim.