De repente, a menina olhou para mim e disse:
- E quando minha mãe perguntar pela esmeralda?...
Eu cuidei que lhe respondia, e fiz-lhe igual pergunta:
- E quando meu pai perguntar pelo meu camafeu?
Ficamos olhando um para o outro; passados alguns instantes, minha linda mulher, que me parecera estar pensando, disse sorrindo-se:
- Eu vou pregar uma mentira.
- E qual?...
- Eu direi à minha mãe que perdi a minha esmeralda na praia.
- E eu responderei a meu pai que perdi o meu camafeu nas pedras.
- Eles mandarão procurar, sem dúvida...
- E não o achando, esquecer-se-ão disso.
- E os breves?...
- Nós os guardaremos?...
- O velho disse que sim.
- Para que será isto?...
- Diz que é para nos casarmos quando formos grandes.
- Pois então nós os guardaremos.
- Oh! eu o prometo.
- Eu o juro.
- Neste momento soou ave-maria.
- Tão tarde! exclamou a menina... minha mãe ralhará comigo!
E, dizendo isto, correu, esquecendo-se até de despedir-se de mim. Esse fatal descuido acabava de entristecer-me, quando ela, já de longe, voltou-se para onde eu estava e, mostrando-me o breve branco, gritou:
- Eu o guardarei!
Pela minha parte entendi dever dar-lhe igual resposta, e, pois, mostrei-lhe o meu breve verde e gritei-lhe também:
• Eu o guardarei!...
Aqui parou Augusto para respirar, tão cansado estava com a longa narração; porém, ergueu-se logo, ouvindo ruído à entrada da gruta.
- Alguém nos escuta! disse ele.
- Foi talvez uma ilusão! respondeu a digna hóspeda.
- Não, minha senhora; eu ouvi distintamente a bulha que faz uma pessoa que corre, tornou Augusto, dirigindo-se à entrada da gruta e observando em derredor dela.
- Então?... perguntou a Sra. D. Ana.
- Enganei-me, na verdade.
- Mas vê alguma pessoa?...
- Apenas lá vejo sua bela neta, a Sra. D. Carolina, pensativa e recostada à efígie da Esperança.
8
Augusto Prosseguindo
A avó de Filipe quis tomar, por sua vez, a palavra; porém, o estudante lhe fez ver que ainda muito faltava para o fim de suas histórias, e voltando de novo ao seu lugar, continuou:
- O acontecimento que acabo de relatar, minha senhora, produziu vivíssima impressão no meu espírito; ajudado por minha memória de menino de treze anos, apenas entrei em casa escrevi, palavra por palavra, quanto me havia acontecido. Isto me tirou o trabalho de mentir, porque, adormecendo sobre o papel que acabava de escrever, meu pai o leu à sua vontade e soube o destino do camafeu, sem precisar que eu lho dissesse. Ele ainda estava junto de mim quando despertei, exclamando: - o meu breve!... o velho!... minha mulher!...
- Anda, doidinho, disse-me meu pai com bondade; eu te perdôo tuas novas loucuras, em louvor da ação que praticaste, socorrendo um velho enfermo; agora, guarda, eu to peço, e mesmo to mando; guarda melhor esse breve do que guardaste o camafeu.
E isto dizendo, deixou-me.
Não se falou mais nesse acontecimento; soube que o velho morrera no dia seguinte e que no momento da agonia abençoara de novo a minha camarada e a mim.
Meu pai fez todas as despesas do enterro do velho e socorreu sua desgraçada família.
Eu nunca mais vi, nem soube notícia alguma de minha interessante camarada, mas nem por isso a esqueci, minha senhora... porque, ou seja que meu coração a tivesse amado deveras, ou que esse breve tivesse em si alguma coisa de encantador, o certo é que eu ainda hoje me lembro com saudade dessa criança tão travessa, porém tão bela. Sem saber seu nome, pois nem lho perguntei, nem ela mo disse, quando quero falar a seu respeito, digo: - minha mulher! Riem-se? não me importa: eu não posso dizer de outro modo.
Sempre com sua imagem na minh’alma, com seu engraçado sorriso diante de meus olhos, com suas sonoras palavras soando a meus ouvidos, passei cinco anos pensando nela de dia, e com ela sonhando de noite; era uma loucura, mas que havia eu de fazer?...Cheguei assim aos meus dezoito anos.
Eu já era, pois, mancebo. Meus pais nada poupavam para me educar convenientemente: aprendia quanto me vinha à cabeça: diziam que minha voz era sonora, e por tal convidavam-me para cantar em elegantes sociedades; julgavam que eu dançava com graça e lá ia eu para os bailes; finalmente, como cheguei a fazer algumas quadras, pediam-me para recitar sonetos em dias de anos, e assim introduziram-me em mil reuniões, onde as belezas formigavam e os amores eram dardejados por brilhantes olhos de todas as cores. Além disto freqüentava as casas de meus companheiros de estudos e os ouvia contar proezas de paixões, triunfos e derrotas amorosas. Meu amor-próprio se despertou; tive vontade de amar e ser amado.
Julguei esta minha determinação ainda mais justa, pois tendo ido passear certas férias na roça, e lá falando mil vezes no meu breve e em minha mulher, ouvi a minha mãe dizer uma vez, em que me julgava longe:
- Temo que esse breve tire o juízo àquele menino: talvez que nos seja preciso casá-lo cedo.
Portanto, para não ouvir somente, mas também para contar alguma vitória de amor, para não endoidecer por causa do breve e, finalmente, para não ser necessário à minha mãe casar-me cedo, determinei-me a amar.
- Esqueceu-se, por conseqüência, de sua mulher e do seu breve?! perguntou a Sra. D. Ana, interrompendo Augusto.
- Ao contrário, minha senhora, tornou este; foi essa minha resolução que me tornou mais firme e mais amante de minha mulher.
- Não sei, continuou Augusto, que teve o amor comigo, para entender que todas as moças deviam rir-se de mim e zombar de meus afetos! Pensa que brinco, minha senhora?... pois foi isso mesmo o que me sucedeu no decurso de minhas paixões. Eu resumo algumas.