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Add to favorite "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

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Mas, se aparecer

Algum toleirão,

Sem mais reflexão,

É logo casar.

- Então o negócio é assim, minha senhora? exclamei eu, ao vê-la levantar-se do piano.

- Certamente, me respondeu ela; é este, pouco mais ou menos, o breviário por onde reza a totalidade das moças.

- Fico-lhe extremamente agradecido pelo desengano.

- Estimo que lhe sirva de muito.

- Já serve, minha senhora; já tirei grande proveito dele.

- E como?...

- Escute: abatido e desesperado com os meus infortúnios, eu tinha jurado não amar a mais nenhuma moça que fosse morena, corada ou pálida; estavam, pois, esgotados os belos tipos... eu deveria morre celibatário.

- E agora?...

- Agora?... graças ao seu lundu, juro que de hoje avante amarei a todas elas... morenas, coradas, pálidas, magras e gordas, cortesãs ou roceiras, feias ou bonitas... tudo serve. E, com efeito, minha senhora, continuou Augusto, dirigindo-se à Sra. D. Ana, fiz-me absolutamente um ser novo, graças ao lundu; guardando e beijando com desvelo o meu querido breve, que sempre comigo trago, eu conservo a lembrança mais terna e constante de minha mulher: ela é o amor de meu coração, enquanto todas as outras são o divertimento dos meus olhos e o passatempo de minha vida. Eis, finalmente, a história de meus amores!... Tais foram as razões que me tornaram borboleta de amor.

Terminando assim, Augusto ia respirar um instante, quando pela segunda vez lhe pareceu ouvir ruído na porta da gruta.

- Alguém nos escuta, disse ele, como da outra vez.

- É talvez uma nova ilusão... respondeu a digna hóspeda.

- Não, minha senhora; eu ouvi distintamente a bulha de uma pessoa que corre, tornou Augusto, dirigindo-se à entrada da gruta e observando ao derredor dela.

- Então?... perguntou a Sra. D. Ana.

- Enganei-me, na verdade.

- Mas vê alguém?...

- Apenas lá vejo a sua bela neta, a Sra. D. Carolina, que se precipita com a maior graça do mundo sobre uma borboleta que lhe foge e que ela procura prender.

- Uma borboleta...

9

A Sra. D. Ana com suas Histórias

Finalmente, o bom do estudante que, quando lhe dava para falar, era mais difuso que alguns de nossos deputados novos na discussão do art. 1.º dos orçamentos, julgou dever fazer pausa de suspensão; mas a Sra. D. Ana, que já tinha-o por vezes interrompido fora de tempo e debalde, não quis tomar a palavra para responder, sem segurar-se, dirigindo-lhe estas palavras pela ordem:

- Então concluiu, Sr. Augusto?...

- Sim, minha senhora; e peço-lhe perdão por me haver tornado incômodo, pois fui, sem dúvida, tão minucioso em minha narração que eu mesmo tanto me fatiguei, que vou beber uma gota d’água.

E isto dizendo, foi ao fundo da gruta, e enchendo o copo de prata na bacia de pedra, o esgotou até ao fim; quando voltou os olhos, viu que a boa hóspeda estava rindo-se maliciosamente.

- Sabe de que estou rindo?... disse ela.

- Certamente que não o adivinho.

- Pois estava neste momento lembrando-me de uma tradição muito antiga, seguramente fabulosa, mas bem apropositada dessa fonte, e que tem muita relação com a história de seus amores e com o copo d’água que acaba de beber.

- V. S. põe em tributo a minha curiosidade...

- Eu o satisfaço com todo o prazer.

A Sra. D. Ana principiou.

As Lágrimas de Amor

- Eu lhe vou contar a história das lágrimas de amor, tal qual a ouvi a minha avó, que em pequena a aprendeu de um velho gentio que nesta ilha habitava.

Era no tempo em que ainda os portugueses não haviam sido por uma tempestade empurrados para a terra de Santa Cruz. Esta pequena ilha abundava de belas aves e em derredor pescava-se excelente peixe. Uma jovem tamoia, cujo rosto moreno parecia tostado pelo fogo em que ardia-lhe o coração, uma jovem tamoia linda e sensível, tinha por habitação esta rude gruta, onde ainda então não se via a fonte que hoje vemos. Ora, ela, que até aos quinze anos era inocente como a flor, e por isso alegre e folgazona como uma cabritinha nova, começou a fazer-se tímida e depois triste, como o gemido da rola; a causa estava no agradável parecer de um mancebo da sua tribo, que diariamente vinha caçar ou pescar na ilha, e vinte vezes já o havia feito, sem que uma só desse fé dos olhares ardentes que lhe dardejava a moça. O nome dele era Aoitin; o nome dela era Aí. A pobre Aí, que sempre o seguia, ora lhe apanhava as aves que ele matava, ora lhe buscava as flechas disparadas, e nunca um só sinal de reconhecimento obtinha; quando no fim de seus trabalhos, Aoitin ia adormecer na gruta, ela entrava de manso e com um ramo de palmeira procurava, movendo o ar, refrescar a fronte do guerreiro adormecido.

Mas tantos extremos era tão mal pagos, que Aí, de cansada, procurou fugir do insensível moço e fazer por esquecê-lo: porém, como era de esperar, nem fugiu-lhe, e nem o esqueceu.

Desde então tomou outro partido: chorou. Ou porque sua dor era tão grande que lhe podia espremer o amor em lágrimas desde o coração até aos olhos, ou porque, selvagem mesma, ela já tinha compreendido que a grande arma da mulher está no pranto, Aí chorou.

E porque também nas lágrimas de amor há, como na saudade, uma doce amargura, que é veneno que não mata, por vir sempre temperado com o reativo da esperança, a moça julgou dever separar da dor, que a fazia chorar amargores, a esperança que no pranto lhe adicionava a doçura, e, tendo de exprimir a doçura, Aí cantou.

Seu canto era triste e selvagem, mas terno canto. Dizem que um velho frade português, ouvindo-o por tradição depois de muitos anos, o traduziu para a nossa língua e fez dele uma balada, a qual minha neta canta.

Todos os dias, ao romper da aurora, a pobre Aí subia ao rochedo, que serve de teto a esta gruta, e esperava a piroga de Aoitin. Mal a avistava ao longe, chorava e cantava horas inteiras, sem descanso, até que se partia o bárbaro que nunca dela dava fé, nem mesmo quando, dormindo na gruta, o canto soava sobre a sua cabeça.

Mas Aí era tão formosa e sua voz tão sonora e terna, que o mesmo não pôde vencer do insensível moço, pôde do bruto rochedo; com efeito, seu canto havia amolecido a rocha e suas lágrimas a traspassaram.

E o mancebo vinha sempre, e sempre ela cantava e chorava, e nunca ele a atendia.

Uma vez, e já então o rochedo estava todo traspassado pelas lágrimas da virgem selvagem, uma vez veio Aoitin e, como das outras, não olhou para Aí, nem lhe escutou as sentidas cantigas; entregou-se a seus prazeres e, quando se sentiu fatigado, entrou na gruta e adormeceu num leito de verde relva; mas, ao tempo que em mais sossego dormia, duas gotas das lágrimas de amor, que tinham passado através do rochedo, caíram-lhe sobre as pálpebras, que lhe cerravam os olhos. Aoitin despertou; e tomando suas flechas, correu para o mar, mas, saltando dentro de sua piroga e afastando-se da ilha, ele viu sobre o rochedo a jovem Aí e disse bem alto:

• Linda moça!

- No outro dia ele voltou e já, então, olhou para a virgem selvagem, mas não ouviu ainda o canto dela; depois de caçar veio, como sempre, adormecer na gruta; e, dessa vez, a gota de lágrima lhe veio cair no ouvido; na volta não só admirou a beleza da jovem, como, ouvindo a terna cantiga, disse bem alto:

- Voz sonora!

Terceiro dia amanheceu e Aoitin viu e ouviu Aí; caçou e cansou, veio repousar na gruta, e dessa vez a gota de lágrima lhe caiu no lugar do coração e, quando voltava, disse bem alto:

- Sinto amar-te!

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