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E corremos para a pequena casa.

Entramos. Era um quadro de dor e luto que tínhamos ido ver. Uma pobre velha e três meninos

mal vestidos e magros cercavam o leito em que jazia moribundo um ancião de cinqüenta anos, pouco mais ou menos. Pelo que agora posso concluir, uma síncope havia causado todo o movimento, pranto e desolação que observamos. Quando chegamos ao pé de seu leito, ele tornava a si.

- Ainda não morri, balbuciou, olhando com ternura para seus filhos, e deixando cair dos olhos grossas lágrimas. Depois, deparando conosco, continuou:

- Quem são estes dois meninos?...

Ninguém lhe respondeu, porque todos choravam, sem excetuar a minha bela camarada e eu.

- Não chorem ao pé de mim, exclamou o velho, sufocado em pranto, e escondendo o rosto entre as mãos, enquanto seus três filhos e o quarto, que tínhamos há pouco visto fora, se atiravam sobre ele, no excesso da maior, da mais nobre e da mais sublime das dores.

A minha camarada dirigiu-se então à velha.

- O que tem então ele?... perguntou com viva demonstração de interesse.

- Ó, meus meninos, respondeu a aflita velha, ele sofre uma enfermidade cruel, mas que poderia não ser mortal... porém é pobre!... e morre mais depressa pelo pesar de deixar seus filhos expostos à fome!... morre de miséria!... morre de fome!...

- Fome! exclamamos com espanto; fome! pois também morre-se de fome?...

E instintivamente a minha interessante companheira tirou do bolso do seu avental uma moeda de ouro e, dando-a à velha, disse:

- Foi meu padrinho que ma deu hoje de manhã... eu não preciso dela... não tenho fome.

E eu tirei de meu bolso uma nota, não me lembro de que valor e por minha vez a entreguei, dizendo:

- Foi minha mãe que ma deu e ela me dá também um abraço, sempre que faço esmola aos pobres.

Não é possível descrever o que se passou então naquela miserável choupana. Minha linda mulher e eu tivemos de ser abraçados mil vezes, de ver de joelhos a nossos pés a velha e os meninos... O ancião forcejava por falar há muito tempo... Dava com as mãos, chamando-nos... Finalmente nós nos aproximamos dele, que nos apertou com entusiasmo contra o coração.

- Quem sois? pôde, enfim, dizer; quem sois?

- Duas crianças, foi a menina que respondeu.

- Dois anjos, tornou o velho. E quem é este menino?...

- É o meu camarada, disse ainda ela.

- Vosso irmão?...

- Não senhor, meu... marido.

- Marido?

- Sim, eu quero que ele seja meu marido.

- Deus realize vossos desejos!..

Acabando de pronunciar estas palavras, o ancião guardou silêncio por alguns instantes... bebeu com sofreguidão um púcaro cheio d’água e, olhando de novo para nós, e tendo no rosto um ar de inspiração e em suas palavras um acento profético, exclamou:

- Seja dado ao homem agonizante lançar seus últimos pensamentos do leito da morte, além dos anos, que já não serão para ele, e penetrar com seus olhares através do véu do futuro!... Meus filhos!

amai-vos, e amai-vos muito! A virtude se deve ajuntar, assim como o vício se procura; sim, amai-vos.

Eu não vos iludo... vejo lá... bem longe... a promessa realizada! São dois anjos que se unem... vede!...

os meninos que entraram na casa do miserável, que enxugaram o pranto e mataram a fome da indigência, são abençoados por Deus e unidos em nome d’Ele!... Meus filhos, eu vos vejo casados lá no futuro!...

- Oh!... eis aí outra vez o delírio!... disse a velha vendo a exaltação e o semblante afogueado do enfermo.

- Não, minha mãe, continuou ele, não! não é delírio... Pois o quê!... não pode o Eterno abençoar a virtude pela minha boca?... Ó meus meninos! Deus paga sempre a esmola que se dá ao pobre!... ainda uma vez... lá no futuro... vós o sentireis.

Nós estávamos espantados; o rosto do ancião se havia tornado rubro, seus olhos flamejantes...

Seus lábios tremiam convulsivamente, sua mão rugosa tinha três vezes nos abençoado.

Escutando suas palavras, eu acreditei que estávamos ouvindo uma profecia infalivelmente realizável, pronunciada por um inspirado do Senhor.

Não parou aí a nossa admiração. O doente, cujas forças pareciam haver reaparecido subitamente, apoiando-se sobre um dos cotovelos, abriu a gaveta de uma mesa, que estava junto de seu leito, e tirando de uma pequena e antiga caixa dois breves, os deu à velha, dizendo:

- Minha mãe, descosa esses dois breves.

A velha, obedecendo pontualmente, os descoseu com prontidão. Os breves eram dois: um verde e outro branco.

Depois o ancião, voltando-se para mim, disse:

- Menino! que trazeis convosco que possais oferecer a esta menina?...

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