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— Peri quer ser cristão! exclamou ele.

D. Antônio lançou-lhe um olhar úmido de reconhecimento.

— A nossa religião permite, disse o fidalgo, que na hora extrema todo o homem possa dar o batismo. Nós estamos com o pé sobre o túmulo. Ajoelha, Peri!

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O índio caiu aos pés do velho cavalheiro, que impôs-lhe as mãos sobre a cabeça.

— Sê cristão! Dou-te o meu nome.

Peri beijou a cruz da espada que o fidalgo lhe apresentou, e ergueu-se altivo e sobranceiro, pronto a afrontar todos os perigos para salvar sua senhora.

— Escuso exigir de ti a promessa de respeitares e defenderes minha filha.

Conheço a tua alma nobre, conheço o teu heroísmo e a tua sublime dedicação por Cecília, Mas quero que me faças um outro juramento.

— Qual? Peri está pronto para tudo.

— Juras que, se não puderes salvar minha filha, ela não cairá nas mãos do inimigo?

— Peri te jura que ele levará a senhora à tua irmã; e que se o Senhor do céu não deixar que Peri cumpra a sua promessa, nenhum inimigo tocará em tua filha; ainda que para isso seja preciso queimar uma floresta inteira.

— Bem; estou tranqüilo. Ponho minha Cecília, sob tua guarda; e morro satisfeito.

Podes partir.

— Manda fechar todas as portas.

Os aventureiros obedeceram a ordem do fidalgo; todas as portas se fecharam; o índio empregava este meio para ganhar tempo.

Os gritos e bramidos dos selvagens, que continuavam com algumas interrupções, foram se aproximando da casa; conhecia-se que escalavam o rochedo nesse momento.

Alguns minutos se passaram numa ansiedade cruel. D. Antônio de Mariz depositou um último beijo na fronte de sua filha; D. Lauriana apertou ao seio a cabeça adormecida da menina e envolveu-a numa manta de seda.

Peri, com o ouvido atento, o olhar fito na porta, esperava. Ligeiramente apoiado sobre o espaldar da cadeira, as vezes estremecia de impaciência e batia com o pé sobre o pavimento da sala.

De repente, um grande clamor soou em torno da casa; as chamas lamberam com as suas línguas de fogo as frestas das portas e janelas; o edifício tremeu desde os alicerces com o embate da tromba de selvagens que se lançava furiosa no meio do incêndio.

Peri, apenas ouviu o primeiro grito, reclinou sobre a cadeira e tomou Cecília nos braços; quando o estrondo soou na porta larga do salão, o índio já tinha desaparecido.

Apesar da escuridão profunda que reinava em todo o interior da casa, Peri não hesitou um momento; caminhou direito ao quarto onde habitara sua senhora e subiu à janela.

Uma das palmeiras da cabana estendia-se por cima do precipício e apoiava -se a trinta palmos de distancia sobre um dos galhos da árvore que os Aimorés tinham abatido durante o dia para tirarem aos habitantes da casa a menor esperança de fuga.

Peri, apertando Cecília nos braços, firmou o pé sobre essa ponte frágil, cuja face convexa tinha quando muito algumas polegadas de largura.

Quem lançasse os olhos nesse momento para aquela banda da esplanada veria ao pálido clarão do incêndio deslizar-se lentamente por cima do precipício um vulto hirto, como um dos fantasmas que, segundo a crença popular, atravessavam à meia-noite as velhas ameias de algum castelo em ruínas.

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A palmeira oscilava, e Peri, embalando se sobre o abismo, adiantava-se vagarosamente para a encosta oposta. Os gritos dos selvagens repercutiam nos ares de envolta com o estrépito dos tacapes que abalavam as portas da sala e as paredes do edifício.

Sem se inquietar com a cena tumultuosa que deixava após si, o índio ganhou a encosta oposta, e segurando com uma mão nos galhos da árvore, conseguiu tocar a terra sem o menor acidente.

Então, fazendo uma volta para não aproximar-se do campo dos Aimorés, dirigiu-se à margem do rio; ai estava escondida entre as folhas a pequena canoa que servia outrora para os habitantes da casa atravessarem o Paquequer.

Durante a ausência de uma hora que Peri tinha feito, quando deixara Cecília adormecida, ele havia tudo preparado para essa empresa arriscada que devia salvar sua senhora.

Graças à sua atividade espantosa, armou com o auxilio da corda a ponte pênsil sobre o precipício, correu ao rio, amarrou a canoa no lugar que lhe pareceu mais propicio, e em duas viagens levou a esse barquinho, que ia servir de morada a Cecília durante alguns dias, tudo quanto a menina podia carecer.

Eram roupas, uma colcha de damasco com que se poderia arranjar um leito, alguns alimentos que restavam na casa; lembrou-se até que D. Antônio devia ter necessidade de dinheiro logo que chegasse ao Rio de Janeiro, porque Peri contava que o fidalgo não duvidaria salvar sua filha.

Chegando à beira do rio, o índio deitou sua senhora no fundo da canoa, como uma menina no seu berço, envolveu-a na manta de seda para abrigá-la do orvalho da noite, e tomando o remo, fez a canoa saltar como um peixe sobre as águas.

A algumas braças de distancia, por entre uma aberta da floresta, Peri viu sobre o rochedo a casa iluminada pelas chamas do incêndio, que começava a lavrar com alguma intensidade.

De repente uma cena fantástica, terrível passou diante de seus olhos, como uma dessas visões rápidas que brilham e se apagam de repente no delírio da imaginação.

A frente da casa estava às escuras; o fogo ganhara as outras faces do edifício e o vento o lançava para o fundo. Peri do primeiro olhar tinha visto os vultos dos Aimorés a se moverem nas sombras e a figura horrível e medonha de Loredano, erguendo-se como um espectro no meio das chamas que o devoravam.

De repente a fachada do edifício tombou sobre a esplanada, esmagando na sua queda um grande número de selvagens.

Foi então que o quadro fantástico se desenhou aos olhos de Peri.

A sala era um mar de fogo; os vultos que se moviam nessa esfera luminosa pareciam nadar em vagas de chamas.

No fundo destacava o vulto majestoso de D. Antônio de Mariz de pé no meio do gabinete, elevando com a mão esquerda uma imagem do Cristo e com a direita abaixando a pistola para a cava escura onde dormia o vulcão.

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