Aí foram recebidos por um tiroteio de perguntas, de risadas e ditos chistosos, em que tomaram parte; depois, uns, curiosos de novidades, outros, ávidos de contar o que viram, começaram a falar ao mesmo tempo, de modo que ninguém se entendia.
Nesse instante, as duas moças apareceram na porta: Isabel parou trêmula e confusa; Cecília descendo ligeiramente os degraus, correu para sua mãe.
Enquanto ela atravessava o espaço que a separava de D. Lauriana, Álvaro tendo obtido a permissão do fidalgo adiantou-se e com o chapéu na mão foi inclinar-se corando diante da moça.
— Eis-vos de volta, Sr. Álvaro! disse Cecília com um certo repente, para disfarçar o enleio que também sentia; depressa tornastes!
— Menos do que desejava, respondeu o moço balbuciando; quando o pensamento fica, o corpo tem pressa de voltar-se.
Cecília corou e fugiu para junto de sua mãe.
Durante que esta breve cena se passava no meio da esplanada, três olhares bem diferentes a acompanhavam, e partindo de pontos diversos cruzavam-se sobre essas duas cabeças que brilhavam de beleza e mocidade.
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D. Antônio de Mariz, sentado a alguma distancia, considerava aquele lindo par, e um sorriso intimo de felicidade expandia o seu rosto venerável.
Ao longe, Loredano, um pouco retirado dos grupos dos seus companheiros, cravava nos moços um olhar ardente, duro, incisivo; enquanto as narinas dilatadas aspiravam o ar com a delícia da fera que fareja a vítima.
Isabel, a pobre menina, fitava sobre Álvaro os seus grandes olhos negros, cheios de amargura e de tristeza; sua alma parecia coar-se naquele raio luminoso e ir curvar-se aos pés do moço.
Nenhuma das testemunhas mudas desta cena percebeu o que se passava além do ponto para onde convergiam os seus olhares; à exceção do italiano que viu o sorriso de D. Antônio de Mariz e o compreendeu.
Enquanto isto sucedia, D. Diogo, que se havia retirado, voltou a saudar Álvaro, e seus companheiros recém-chegados; o moço tinha ainda no rosto a expressão de tristeza que lhe haviam deixado as palavras severas de seu pai.
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VII A PRECE
A tarde ia morrendo.
O sol declinava no horizonte e deitava-se sobre as grandes florestas, que iluminava com os seus últimos raios.
A luz frouxa e suave do ocaso, deslizando pela verde alcatifa, enrolava-se como ondas de ouro e de púrpura sobre a folhagem das árvores.
Os espinheiros silvestres desatavam as flores alvas e delicadas; e o ouricuri abria as suas palmas mais novas, para receber no seu cálice o orvalho da noite. Os animais retardados procuravam a pousada; enquanto a juriti, chamando a companheira, soltava os arrulhos doces e saudosos com que se despede do dia.
Um concerto de notas graves saudava o pôr-do-sol, e confundia-se com o rumor da cascata, que parecia quebrar a aspereza de sua queda, e ceder à doce influência da tarde.
Era a Ave-Maria.
Como é solene e grave no meio das nossas matas a hora misteriosa do crepúsculo, em que a natureza se ajoelha aos pés do Criador para murmurar a prece da noite!
Essas grandes sombras das árvores que se estendem pela planície; essas gradações infinitas da luz pelas quebradas da montanha; esses raios perdidos, que, esvazando- se pelo rendado da folhagem, vão brincar um momento sobre a areia; tudo respira uma poesia imensa que enche a alma.
O urutau no fundo da mata solta as suas notas graves e sonoras, que, reboando pelas longas crastas de verdura, vão ecoar ao longe como o toque lento e pausado do ângelus.
A brisa, rogando as grimpas da floresta, traz um débil sussurro, que parece o último eco dos rumores do dia, ou o derradeiro suspiro da tarde que morre.
Todas as pessoas reunidas na esplanada sentiam mais ou menos a impressão poderosa desta hora solene, e cediam involuntariamente a esse sentimento vago, que não é bem tristeza, mas respeito misturado de um certo temor.
De repente, os sons melancólicos de um clarim prolongaram-se pelo ar quebrando o concerto da tarde; era um dos aventureiros que tocava a Ave-Maria.
Todos se descobriram.
D. Antônio de Mariz, adiantando-se até à beira da esplanada para o lado do ocaso, tirou o chapéu e ajoelhou.
Ao redor dele vieram grupar-se sua mulher, as duas moças, Álvaro e D. Diogo; os aventureiros, formando um grande arco de círculo, ajoelharam-se a alguns passos de distancia.
O sol com seu último reflexo esclarecia a barba e os cabelos brancos do velho fidalgo, e realçava a beleza daquele basto de antigo cavalheiro.
Era uma cena ao mesmo tempo simples e majestosa a que apresentava essa prece meio cristã, meio selvagem; em todos aqueles rostos, iluminados pelos raios do ocaso, respirava um santo respeito.
Loredano foi o único que conservou o seu sorriso desdenhoso, e seguia com o mesmo olhar torvo os menores movimentos de Álvaro, ajoelhado perto de Cecília e embebido em contemplá-la, como se ela fosse a divindade a quem dirigia a sua prece.
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Durante o momento em que o rei da luz, suspenso no horizonte, lançava ainda um olhar sobre a terra, todos se concentravam em um fundo recolhimento, e diziam uma oração muda, que apenas agitava imperceptivelmente os lábios.
Por fim o sol escondeu-se; Aires Gomes estendeu o mosquete sobre o precipício, e um tiro saudou o ocaso.
Era noite.
Todos se ergueram; os aventureiros cortejaram e foram-se retirando a pouco e pouco.
Cecília ofereceu a fronte ao beijo de seu pai e de sua mãe, e fez uma graciosa mesura a seu irmão e a Álvaro.
Isabel tocou com os lábios a mão de seu tio, e curvou-se em face de D. Lauriana para receber uma bênção lançada com a dignidade e altivez de um abade.