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— Peri a Álvaro, disse o índio.
— É uma carta ao Sr. Álvaro? perguntou a menina corando.
— Sim; é para ele.
— Que vais tu dizer-lhe?
— Escreve.
A menina traçou a primeira linha, e depois por pedido de Peri, o nome de Loredano e dos seus dois cúmplices.
— Agora, disse o índio, fecha. Cecília selou a carta.
— Entrega à tarde; antes não.
— Mas que quer isto dizer? perguntou Cecília sem compreender.
— Ele te dirá.
— Não, que eu...
A menina balbuciou, corando, estas palavras; ia dizer que não falaria ao cavalheiro e arrependeu-se; não queria revelar a Peri o que se tinha passado.
Sabia que se o índio suspeitasse a cena da véspera, odiaria Isabel e Álvaro, só por lhe terem causado um pesar involuntário.
Enquanto Cecília confusa procurava disfarçar o enleio, Peri fitava nela o seu olhar brilhante; mal pensava a menina que aquele olhar era o adeus extremo que o índio lhe dizia.
Mas para isto fora preciso que adivinhasse o plano desesperado que ele havia concebido de exterminar naquele dia todos os inimigos da casa.
D. Diogo entrou nesse momento no quarto de sua irmã: vinha despedir-se dela.
Quanto a Peri, deixando Cecília, dirigiu-se à escada e achou os mesmos vigias, que depois embargaram a passagem de Rui Soeiro.
— Não se passa, disseram os aventureiros cruzando as espadas.
O índio levantou os ombros desdenhosamente; e antes que as sentinelas voltassem a si da surpresa, tinha mergulhado sob as espadas e descido a escada. Então ganhou a mata, examinou de novo as suas armas e esperou; já estava cansado quando viu passar a pequena cavalgata.
Peri não compreendeu o que sucedia; mas conheceu que o seu plano tinha abortado. Foi ter com Álvaro.
O cavalheiro explicou-lhe como se aproveitara da ida de D. Diogo ao Rio de Janeiro para expulsar o italiano sem rumor e sem escândalo. Então o índio por sua vez contou ao moço o que tinha ouvido na touça de cardos; o projeto que formara de matar os três aventureiros naquela manhã; e finalmente a carta que lhe escrevera por intermédio de Cecília, para, no caso de sucumbir ele, saber o cavalheiro quem eram os inimigos.
Álvaro duvidava ainda acreditar em tanta perfídia do italiano.
— Agora, concluiu Peri, é preciso que os dois também saiam; se ficarem, o outro pode voltar.
— Não se animará! disse o cavalheiro.
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— Peri não se engana! Manda sair os dois.
— Fica descansado. Falarei com D. Antônio de Mariz.
O resto do dia passou tranqüilamente; mas a tristeza tinha entrado nessa casa ainda na véspera tão alegre e feliz; a partida de D. Diogo, o temor vago que produz o perigo quando se aproxima, e o receio de um ataque dos selvagens, preocupavam os moradores do Paquequer.
Os aventureiros dirigidos por D. Antônio, executavam trabalhos de defesa tornando ainda mais inacessível o rochedo em que estava situada a casa.
Uns construíam paliçadas em roda da esplanada: outros arrastavam para a frente da casa uma colubrina que o fidalgo por excesso de cautela mandara vir de São Sebastião havia dois anos. Toda a casa enfim apresentava um aspecto marcial, que indicava as vésperas de um combate; D. Antônio preparava-se para receber dignamente o inimigo.
Apenas em toda esta casa uma pessoa se conservava alheia ao que passava: era Isabel, que só pensava no seu amor.
Depois de sua confissão, arrancada violentamente ao seu coração por uma força irresistível, por um impulso que ela não sabia explicar, a pobre menina quando se vira só, no seu quarto, à noite, quase morreu de vergonha.
Lembrava-se de suas palavras, e perguntava a si mesma como tivera a coragem de dizer aquilo, que antes nem mesmo os seus olhos se animavam a exprimir silenciosamente. Parecia-lhe que era impossível tornar a ver Álvaro sem que cada um dos olhares do moço queimasse as suas faces e a obrigasse a esconder o rosto de pejo.
Entretanto nem por isso seu amor era menos ardente; ao contrário agora é que a paixão, por muito tempo reprimida, se exacerbava com as lutas e contrariedades.
As poucas palavras doces que o moço lhe dirigia, a pressão das mãos, e o aperto rápido sobre o coração de Álvaro num momento de alucinação, passavam e repassavam na sua memória a todo o momento.
Seu espírito, como uma borboleta em torno da flor, esvoaçava constantemente em torno das reminiscências ainda vivas, como para libar todo o mel que encerravam aquelas sensações, as primeiras de seu infeliz amor.
Nesse mesmo dia de segunda-feira, à tarde, Álvaro encontrou-se um momento com Isabel na esplanada. Ambos ficaram mudos, e coraram. Álvaro ia retirar-se.
— Sr. Álvaro... balbuciou a moça trêmula.
— Que quereis de mim, D. Isabel? perguntou o moço perturbado.