— Aonde?
— Nos quatro cantos.
— Quantos sobram?
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— Dois apenas.
— Seremos nós.
— Precisais de mim?
— Sim.
Houve uma pequena pausa, em que um dos aventureiros parecia refletir profundamente enquanto o outro esperava; por fim o primeiro ergueu a cabeça:
— Rui, vós me sois dedicado?
— Dei-vos a prova.
— Preciso de um amigo fiel.
— Contai comigo.
— Obrigado.
O desconhecido apertou a mão de seu companheiro.
— Sabeis que amo uma mulher?
— Vós mo dissestes.
— Sabeis que é mais por essa mulher do que por este tesouro fabuloso que concebi esse plano horrível?
— Não; não o sabia.
— Pois é a verdade; pouco me importa a riqueza; sede meu amigo; servi-me lealmente, e tereis a maior parte do meu tesouro.
— Falei; que quereis que eu faça?
— Um juramento; mas um juramento sagrado, terrível.
— Qual? Dizei!
— Hoje essa mulher me pertencerá; entretanto se por qualquer acaso eu vier a morrer, quero que
O desconhecido hesitou.
— Quero que nenhum homem possa amá-la, que nenhum homem possa gozar a felicidade suprema que ela pode dar.
— Mas como?
— Matando-a!
Rui sentiu um calafrio.
— Matando-a, para que a mesma cova receba nossos dois corpos; não sei por quê, mas parece-me que ainda cadáver, o contato dessa mulher deve ser para mim um gozo imenso.
— Loredano!... exclamou seu companheiro horrorizado.
— Sois meu amigo e sereis meu herdeiro! disse o italiano agarrando-lhe convulsivamente no braço. É a minha condição; se recusais, outro aceitará o tesouro que rejeitais!
O aventureiro estava em lata com dois sentimentos opostos; mas a ambição violenta, cega, esvairada, abafou o grito fraco da consciência.
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— Jurais? perguntou Loredano.
— Juro!... respondeu Rui com a voz estrangulada.
— Avante então!
Loredano abriu a porta do seu cubículo, e voltou algum tempo depois trazendo uma tábua longa e estreita que colocou sobre o despenhadeiro como uma espécie de ponte suspensa.
— Ides segurar esta tábua, Rui. Entrego em vossas mãos a minha vida, e nisto dou-vos a maior prova de confiança. Basta que deixeis esta prancha mover-se para que eu me precipite sobre os rochedos.
O italiano achava-se então no mesmo lugar que na noite da chegada, algumas braças distante da janela de Cecília, onde não podia chegar por causa do ângulo que formavam o rochedo e o edifício.