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O coração batia-lhe violentamente; e por um momento o seu braço tremeu só com a idéia de que a sua flecha tinha de passar perto de Cecília.

Quando porém a mão do italiano se adiantou e ia tocar o corpo da menina, não pensou, não viu mais nada senão esses dedos prestes a mancharem com o seu contato o corpo de sua senhora, não se lembrou senão dessa horrível profanação.

A flecha partiu rápida, pronta e veloz como o seu pensamento; a mão do italiano estava pregada ao muro.

Foi só então que Peri refletiu que teria sido mais acertado ferir essa mão na fonte da vida que a animava; fulminar o corpo a que pertencia esse braço; a segunda seta partiu sobre a primeira, e o italiano teria deixado de existir se a dor não o obrigara a curvar-se.

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VI REVOLTA

Quando Peri acabou de refletir sobre o que passara, ergueu-se, abriu de novo a porta, fechou-a por dentro e seguiu pelo corredor que ia do quarto de Cecília ao interior da casa.

Estava tranqüilo sobre o futuro; sabia que Bento Simões e Rui Soeiro não o incomodariam mais, que o italiano não lhe podia escapar, e que àquela hora todos os aventureiros deviam estar acordados; mas julgou prudente prevenir D.

Antônio de Mariz do que ocorria.

A esse tempo Loredano já tinha chegado à alpendrada, onde o esperava uma nova e terrível surpresa, uma última decepção.

Lançando-se do quarto de Cecília, sua intenção era ganhar o fundo da casa, pronunciar a senha convencionada, e senhor do campo voltar com seus cúmplices, raptar a menina, e vingar-se de Peri.

Mal sabia porém que o índio tinha destruído toda a sua maquinação; chegando ao pátio viu o alpendre iluminado por fachos, e todos os aventureiros de pé cercando um objeto que não pôde distinguir.

Aproximou-se e descobriu o corpo de seu cúmplice Bento Simões, que jazia no chão alagado do pavimento: o aventureiro tinha os olhos saltados das órbitas, a língua saída da boca, o pescoço cheio de contusões; todos os sinais enfim de uma estrangulação violenta.

De lívido que estava o italiano tornou-se verde; procurou com os olhos a Rui Soeiro e não o viu; decididamente o castigo da Providência caia sobre as suas cabeças; conheceu que estava irremediavelmente perdido, e que só a audácia e o desespero o podiam salvar.

A extremidade em que se achava inspirou-lhe uma idéia digna dele: ia tirar partido para seus fins daquele mesmo fato que parecia destruí-los; ia fazer do castigo uma arma de vingança.

Os aventureiros espantados sem compreenderem o que viam, olhavam-se e murmuravam em voz baixa fazendo suposições sobre a morte do seu companheiro. Uns, despertados de sobressalto pela água que corria das talhas, outros que não dormiam, apenas admirados, se haviam erguido, e no meio de um coro de imprecações e blasfêmias acenderam fachos para ver a causa daquela inundação.

Foi então que descobriram o corpo de Bento Simões e ficaram ainda mais surpreendidos: os cúmplices, temendo que aquilo não fosse um começo de punição, os outros indignados pelo assassinato de seu companheiro.

Loredano percebeu o que passava no espírito dos aventureiros:

— Não sabeis o que significa isto? disse ele.

— Oh! não! explicai-nos! exclamaram os aventureiros.

— Isto significa, continuou o italiano, que há nesta casa uma víbora, uma serpente que nós alimentamos no nosso seio, e que nos morderá a todos com o seu dente envenenado.

— Como?... Que quereis dizer?... Falai!...

— Olhai, disse o frade apontando para o cadáver e mostrando a sua mão ferida; eis a primeira vítima, e a segunda que escapou por um milagre; a terceira... Quem sabe o que é feito de Rui Soeiro?

— É verdade!... onde está Rui? disse Martim Vaz.

— Talvez morto também?

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— Depois dele virá outro e outro até que sejamos exterminados um por um; até que todos os cristãos tenham sido sacrificados.

— Mas por quem?... Dizei o nome do vil assassino. É preciso um exemplo! O

nome!...

— E não adivinhais? respondeu o italiano. Não adivinhais? quem nesta casa pode desejar a morte dos brancos, e a destruição da nossa religião? Quem senão o herege, o gentio, o selvagem traidor e infame?

— Peri?... exclamaram os aventureiros.

— Sim, esse índio que conta assassinar-nos a todos para saciar a sua vingança!

— Não há de ser assim como dizeis, eu vos juro, Loredano! exclamou Vasco Afonso.

— Bofé! gritou outro, deixai isto por minha conta. Não vos dê cuidado!

— E não passa desta noite. O corpo de Bento Simões pede justiça.

— E justiça será feita.

— Neste mesmo instante.

— Sim, agora mesmo. Eia! Segui-me.

Loredano ouvia estas exclamações rápidas que denunciavam como a exacerbação ia lavrando com intensidade; quando porém os aventureiros quiseram lançar-se em procura do índio, ele os conteve com um gesto.

Não lhe convinha isto; a morte de Peri era coisa acidental para ele; o seu fim principal era outro, e esperava consegui-lo facilmente.

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