— conselhos, informações sobre a situação em que se encontram no Além, sobre o que pensam a nosso respeito, assim como revelações que lhes sejam permitidas nos fazer.
• “Os Espíritos são atraídos na razão da simpatia deles pela natureza moral do meio que os evoca. Os Espíritos superiores se alegram com as reuniões sérias onde predominam o amor ao bem e o desejo sincero de se instruir e se melhorar. A presença deles afasta os Espíritos inferiores que, ao contrário, encontram livre acesso e podem agir com toda a liberdade entre as pessoas frívolas ou guiadas somente pela curiosidade, e onde quer que se encontrem maus instintos. Longe de se obter bons conselhos ou informações úteis, deles só se deve esperar futilidades, mentiras, brincadeiras de mau gosto ou mistificações, pois muitas vezes eles tomam nomes venerados para melhor induzirem ao erro.
• “A distinção dos bons e dos maus Espíritos é extremamente fácil; a linguagem dos Espíritos superiores é constantemente digna, nobre, repleta da mais alta moralidade, livre de qualquer paixão grosseira; seus conselhos exaltam a mais pura sabedoria e sempre tem por objetivo o nosso melhoramento e o bem da humanidade. A linguagem dos Espíritos inferiores, ao contrário, é inconsequente, às vezes vulgar e até grosseira; se às vezes eles dizem alguma coisa boa e verdadeira, muito mais vezes dizem falsidades e absurdos, por malícia ou ignorância; eles zombam da credulidade dos homens e se divertem às custas dos que os interrogam, lisonjeando sua vaidade, alimentando seus desejos com falsas esperanças.
Em resumo, as comunicações sérias, em toda a acepção da palavra, só são dadas nos centros sérios, naqueles onde os membros estão reunidos por uma íntima comunhão de pensamentos em favor do bem.
• “A moral dos Espíritos superiores se resume como aquela do Cristo nesta máxima evangélica: fazer aos outros aquilo que gostaríamos que os outros
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nos fizessem, isto é, fazer o bem e nunca fazer o mal. Neste princípio o homem encontra a regra universal de conduta até para as suas menores ações.
• “Eles nos ensinam que o egoísmo, o orgulho e a sensualidade são paixões que nos aproximam da natureza animal, prendendo-nos à matéria; que já neste mundo, o homem que se desliga da matéria pelo desprezo das futilidades mundanas e pelo amor ao próximo, se aproxima da natureza espiritual; que cada um deve tornar-se útil de acordo com as faculdades e os meios que Deus lhe pôs nas mãos para experimentá-lo; que o Forte e o Poderoso devem amparo e proteção ao Fraco, pois aquele que abusa da força e do seu poder para oprimir seu semelhante viola a lei de Deus.
Finalmente, eles ensinam que no mundo dos Espíritos — nada podendo ser escondido — o hipócrita será desmascarado e todas as suas perversidades são reveladas; que a presença inevitável e constante daqueles contra quem procedemos mal é um dos castigos que estão para nós reservados; que ao estado de inferioridade e superioridade dos Espíritos estão ligados os sofrimentos e as satisfações que desconhecemos na Terra.
• “Mas eles também nos ensinam que não há faltas imperdoáveis que não possam ser apagadas pela expiação. O homem encontra o meio nas diferentes existências que lhe permite avançar, conforme seu desejo e seus esforços, na via do progresso à perfeição, que é o seu objetivo final.”
Este é o resumo da doutrina espírita, assim como ela resulta do ensinamento dado pelos Espíritos superiores. Vejamos agora as oposições que lhe fazem.
VII
Para muita gente, a oposição das sociedades eruditas é, se não uma prova, pelo menos uma forte opinião contrária. Não somos daqueles que se
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revoltam contra os sábios, pois não queremos que digam que nós os afrontamos; ao contrário, nós os temos em grande estima e ficaríamos muito honrados em nos contar entre eles; não obstante, a opinião deles não pode, em todas as circunstâncias, representar um julgamento irrevogável.
Desde que a ciência saia da observação material dos fatos e que deixe de analisar e explicar esses fatos, o campo fica aberto para as suposições; cada uma traz seu pequeno sistema que quer fazer prevalecer, sustentando-o de maneira implacável. Não vemos diariamente as opiniões mais divergentes alternadamente aceitas e rejeitadas, ora rebatidas como erros absurdos e depois proclamadas como verdades incontestáveis? Fatos, eis o verdadeiro critério de nosso julgamento, o argumento sem contestação; na ausência de fatos, a dúvida é a opinião do homem sábio.
Para as coisas evidentes, a opinião dos sábios é fidedigna e com toda a razão, pois eles sabem mais e melhor do que o homem comum; mas na questão de princípios novos, de coisas desconhecidas, sua maneira de ver não é mais do que hipotética, porque eles não estão mais isentos de preconceitos do que os outros; direi até mesmo que o sábio talvez tenha mais preconceitos que qualquer outro, dado que uma inclinação natural o leva a subordinar tudo sob o ponto de vista que ele tenha aprofundado: o matemático não vê a prova senão em uma demonstração algébrica, o químico relaciona tudo à ação dos elementos, etc. Todo homem que tem uma especialidade prende a ela todas as suas ideias; tire-o de sua especialidade e geralmente ele se perde, por querer submeter tudo ao seu modo de ver as coisas: esta é uma consequência da fraqueza humana. Assim pois, de boa vontade e com toda confiança, consultarei um químico sobre uma questão de composição de uma substância, um físico sobre a potência elétrica, um mecânico sobre uma força motora; porém eles deverão me permitir — sem que isto afete a admiração que o seu saber especial merece — que eu não leve muito em conta sua opinião negativa acerca do espiritismo, não mais do que o parecer de um arquiteto sobre uma questão de música.
As ciências comuns se fundamentam nas propriedades da matéria que se pode experimentar e manipular ao seu gosto; os fenômenos espíritas se repousam sobre a ação de inteligências que têm sua vontade própria e nos
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provam a cada instante que elas não estão subordinadas ao nosso capricho.
Portanto, as observações não podem ser feitas da mesma forma; elas requerem condições especiais e outro ponto de partida; querer submetê-las aos processos comuns de investigação é estabelecer analogias que não existem. A ciência propriamente dita, como ciência, é então incompetente para se pronunciar na questão do espiritismo: ela não tem que se ocupar com isso, e qualquer que seja o seu julgamento — favorável ou não — não poderá ter nenhum peso. O espiritismo é o resultado de uma convicção pessoal que os sábios podem ter como indivíduos, independentemente de sua qualidade de sábios; mas querer deferir a questão à ciência equivaleria a condicionar a existência da alma pela decisão de uma assembleia de físicos ou de astrônomos; efetivamente, o espiritismo fundamenta-se inteiramente na existência da alma e no seu estado após a morte; ora, é absolutamente ilógico pensar que um homem deva ser grande psicólogo por ser um ilustre matemático ou um notável anatomista. Dissecando o corpo humano, o anatomista procura a alma, e como não a encontra pelo seu bisturi, encontrando ali um nervo, ou porque não a vê se evolar como um gás, ele conclui que ela não existe, porque ele se coloca sob um ponto de vista exclusivamente material; segue-se que ele tenha razão contra a opinião universal? Não! Vejam, portanto, que o espiritismo não é da alçada da ciência.
Quando as crenças espíritas tiverem se popularizado, quando forem aceitas pelos povos — e a julgar pela rapidez com que elas se propagam, esse tempo não está longe — com elas se dará o que tem acontecido com todas as ideias novas que encontraram oposição e os sábios se renderão à evidência; eles aí chegarão individualmente pela força das coisas; até então será inoportuno desviá-los de seus trabalhos especiais para obrigá-los a se ocuparem com um assunto estranho que não está nem nas suas atribuições, nem no seu programa. Enquanto isso, aqueles que, sem estudo prévio e aprofundado da matéria, se pronunciarem pela negação e zombarem de quem não lhes é a favor, esquecem que aconteceu o mesmo com a maior parte das grandes descobertas que honram a humanidade; eles se expõem a ver seus nomes aumentando a lista dos ilustres contestadores das ideias novas, e inscritos ao lado dos membros da assembleia culta que em 1752 recebeu com estrondosa
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gargalhada o relatório de Franklin7 sobre os para-raios, julgando-o indigno de figurar entre as comunicações que lhe foram dirigidas; e daquele outro que fez a França perder as vantagens da iniciativa da marinha a vapor, declarando que a teoria de Fulton8 era um sonho impossível; e, entretanto, essas eram questões da alçada daquelas reuniões. Ora, se tais assembleias — que contavam no seu seio com a elite dos sábios do mundo — só tiveram a zombaria e o sarcasmo para com ideias que elas não compenetraram, ideias que alguns anos mais tarde revolucionaram a ciência, os costumes e a indústria, como esperar que uma questão estranha aos seus trabalhos obtenha mais favor?
Esses erros de alguns — deploráveis para a memória deles — não tiraram os seus méritos quanto a outros assuntos, pelos quais conquistaram nossa estima; mas será preciso ter um diploma oficial para se ter bom senso?
Será que fora das cátedras acadêmicas não haverá mais do que tolos e imbecis? Lancemos bem um olhar sobre os adeptos da doutrina espírita e veremos se só encontramos neles ignorantes, e se o número imenso de homens de mérito que a abraçaram nos permite relegar à categoria das crendices populares. O caráter e o saber desses homens fazem valer a pena que se diga: já que tais homens afirmam, é preciso pelo menos reconhecer que haja aí alguma coisa.
Repetimos ainda que se os eventos a que nos referimos estivessem contidos no movimento mecânico dos corpos, a pesquisa da causa física desse fenômeno estaria no domínio da ciência; mas desde que se trate de uma manifestação fora das leis da humanidade, ela sai da competência da ciência material, pois não pode ser explicada nem por algarismos nem por uma força mecânica. Quando surge um fato novo que não tem relação com nenhuma ciência conhecida, para estudá-lo o sábio deve fazer abstração da sua ciência e dizer a si mesmo que é para ele um novo estudo, que não pode ser feito com 7 Referência ao polímata americano Benjamin Franklin (1706-1790) de notáveis contribuições à ciência, inclusive com pesquisas no campo da eletricidade, de que a princípio muitos riram, tal como Kardec aqui destaca. – N. T.
8 Robert Fulton (1765-1815), engenheiro e inventor americano que desenvolveu o motor a vapor e deu grande impulso à marinha britânica. – N. T.
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ideias preconcebidas.
O homem que considera sua razão infalível está bem perto do erro; mesmo aqueles cujas ideias são as mais falsas se apoiam na própria razão e é por isso que rejeitam tudo o que lhes parece impossível. Aqueles que outrora rejeitaram as admiráveis descobertas de que a humanidade agora se orgulha faziam todo apelo a essa razão para rejeitá-las; o que se chama razão muitas vezes não passa de orgulho disfarçado, e quem quer que se considere infalível apresenta-se como igual a Deus. Então, nós nos endereçamos àqueles que são sábios o bastante para duvidar do que não viram, mas que, julgando o futuro pelo passado, não acreditam que o homem tenha chegado ao auge, nem que a natureza lhes tenha mostrado a última página do seu livro.
VIII
Acrescentemos que o estudo de uma doutrina tal como o Espiritismo, que de repente nos lança numa ordem de coisas tão novas e tão grandiosas, só pode ser feito proveitosamente por homens sérios, perseverantes, livres de prevenções e animados de uma firme e sincera vontade de chegar a um resultado. Não podemos dar essa qualificação àqueles que julgam antecipadamente, levianamente, sem ter visto tudo; àqueles que não trazem em seus estudos nem a continuamente, nem a regularidade e nem o recolhimento indispensáveis; muito menos nós damos essa qualificação a certas pessoas que, para não perder a sua reputação de homens de espírito, se esforçam para achar um lado ridículo nas coisas mais verdadeiras, ou tidas como tais por pessoas cujo conhecimento, caráter e convicções têm a consideração de quem se orgulha de boas maneiras. Que se abstenham então aqueles que acham que os fatos não são dignos deles e de sua atenção;
ninguém deseja violentar sua crença, mas queiram também respeitar a dos outros.
O que caracteriza um estudo sério é a continuidade que se dá a ele.
Devemos nos admirar de muitas vezes não conseguirmos nenhuma resposta sensata a questões, sérias em si mesmas, quando são feitas ao acaso e à
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queima-roupa no meio de um monte de outras perguntas absurdas? Ademais, muitas vezes uma questão é complexa e, para ser esclarecida, requer questões preliminares ou complementares. Quem quer aprender uma ciência deve fazer um estudo metódico, começando pelo princípio e acompanhando a sequência e o desenvolvimento das ideias. Terá mais proveito aquele que por acaso dirige a um sábio uma pergunta sobre uma ciência da qual ele não conhece nem a primeira palavra? Poderá o próprio sábio, com a maior boa vontade, lhe dar uma resposta satisfatória? Essa resposta isolada ficará necessariamente incompleta e, por isso mesmo, com frequência incompreensível, ou poderá parecer absurda e contraditória. É exatamente o mesmo que ocorre nas relações que estabelecemos com os Espíritos. Se quisermos nos instruir pela escola deles, precisamos fazer um curso com eles;
mas, como entre nós, é preciso escolher seus professores e trabalhar com assiduidade.
Temos dito que os Espíritos superiores só comparecem às reuniões sérias, sobretudo àquelas onde reina uma perfeita comunhão de pensamentos e de sentimentos pelo bem. A leviandade e as questões inúteis os afastam, como, entre os homens, afastam as pessoas criteriosas; então, o campo fica livre para a turba dos Espíritos mentirosos e frívolos, sempre à espreita das ocasiões para zombarem e se divertirem às nossas custas. Numa reunião dessas, o que acontece com uma questão séria? Ela será respondida; mas por quem? É como se no meio de um bando de gaiatos vocês indagassem: O que é a alma? O que é a morte? E outras coisas assim divertidas. Se quiserem respostas sérias, sejam sérios vocês mesmos em toda a acepção do termo, e se mantenham em todas as condições requeridas: somente assim vocês obterão grandes coisas; sejam laboriosos e perseverantes nos estudos, sem o que os Espíritos superiores lhes abandonarão, como faz um professor com os alunos negligentes.