Nos combates, ocorre o mesmo que em todos os casos de morte violenta: no primeiro momento, o Espírito é surpreendido e fica atordoado, e não crê que esteja morto; parece-lhe que ainda toma parte na ação; só pouco a pouco é que a realidade lhe aparece.
547. Os Espíritos que se combatiam enquanto estavam vivos, uma vez mortos, reconhecem-se como inimigos e ainda continuam hostis uns contra os outros?
“O Espírito nesses momentos jamais está de sangue-frio. No primeiro instante ele ainda pode ter ressentimentos contra seu inimigo, e até mesmo persegui-lo. Mas quando suas ideias se restabelecem, ele vê que sua animosidade não tem sentido. Não obstante, ele ainda pode conservar resquícios mais ou menos fortes, conforme o seu caráter.”
547-a. — Ele ainda percebe o barulho das armas?
“Sim, perfeitamente.”
548. Quanto ao Espírito que assiste de sangue-frio a um combate, como espectador, ele testemunha a separação entre a alma e o corpo? Como esse fenômeno se apresenta a ele?
“Há poucas mortes completamente instantâneas. Na maioria dos casos, o Espírito cujo corpo vem a ser mortalmente ferido não tem consciência disso no momento; quando ele começa a se reconhecer, é então que se pode distinguir o Espírito que se mexe ao lado do cadáver. Isso parece tão natural que a imagem do corpo morto não produz nenhum efeito desagradável. Toda
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a vida sendo transportada para o Espírito, somente ele atrai a atenção; é com ele que se conversa ou a ele que se dá ordens.”
Pactos
549. Há algo de verdade nos pactos com os maus Espíritos?
“Não, não há pactos, mas uma natureza maligna simpatizando com os maus Espíritos. Por exemplo: quer atormentar o teu vizinho e não sabe como fazer isso, então chama por Espíritos inferiores que, igual a ti, só querem o mal e que, para te ajudarem, exigem que também sirvas a eles em seus maus propósitos. Mas, não se segue que o teu vizinho não possa se livrar deles por meio de uma conjuração contrária e pela sua vontade. Aquele que procura cometer uma má ação, por isso mesmo, chama os maus Espíritos para lhe ajudar; ele fica então obrigado a servi-los, como eles também o fizeram por ele, pois igualmente precisam dele para o mal que queiram fazer. É somente nisso que consiste o pacto.”
A dependência em que às vezes o homem se encontra de Espíritos inferiores vem de sua entrega aos maus pensamentos que estes lhe sugerem, e não de estipulações quaisquer entre eles e o homem. O pacto, no sentido vulgar referente a essa palavra, é uma alegoria que representa uma má natureza simpatizando com Espíritos malfazejos.
550. Qual é o sentido das lendas fantásticas segundo as quais alguns indivíduos teriam vendido suas almas a Satanás para obterem certos favores?
“Todas as fábulas contêm um ensinamento e um sentido moral; vosso erro é tomá-las ao pé da letra. No caso desta, é uma alegoria que podemos explicar desta maneira: aquele que chama os Espíritos em seu auxílio para obter os dons da riqueza ou qualquer outro favor rebela-se contra a Providência; renuncia à missão que recebeu e às provas que deve suportar neste mundo, e sofrerá as consequências disso na vida futura. Isto não quer dizer que sua alma fique para sempre condenada à desgraça, mas desde que em lugar de se desprender da matéria, mais e mais se ele afunda nela, então
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aquilo que tenha tido de prazer na Terra, não terá no mundo dos Espíritos, até que o tenha redimido através de novas provações — talvez maiores e mais penosas. Por seu amor aos gozos materiais, ele se coloca na dependência dos Espíritos impuros; há entre os Espíritos e ele um pacto oculto que o leva à sua ruína, mas que sempre lhe será fácil rompê-lo mediante a assistência dos bons Espíritos, se ele tiver uma vontade firme de assim o fazer.”
Poder oculto. Talismãs. Feiticeiros
551. Um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito que lhe seja devotado, pode fazer mal ao seu próximo?
“Não, Deus não o permitiria.”
552. O que se deve pensar da crença no poder que certas pessoas teriam de lançar feitiços?
“Determinadas pessoas têm um poder magnético muito grande, do qual elas podem fazer mau uso se o próprio Espírito delas for malvado, e nesse caso elas podem ser ajudadas por outros Espíritos maus. Porém, não acreditem num pretenso poder mágico, que só existe na imaginação de pessoas supersticiosas, ignorantes das verdadeiras leis da natureza. Os fatos que se costuma citar são fatos naturais mal observados e sobretudo mal compreendidos.”
553. Qual pode ser o efeito das fórmulas e práticas com as quais algumas pessoas pretendem dispor da vontade dos Espíritos?
“Esse efeito é o de torná-las ridículas, se forem de boa-fé; no caso contrário, são patifes que merecem um castigo. Todas as fórmulas são charlatanices; não há nenhuma palavra sacramental, nenhum sinal cabalístico, nem talismã que tenha qualquer ação sobre os Espíritos, pois estes só são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas materiais.”
553-a. — Mas alguns Espíritos, eles próprios, não ditaram algumas vezes fórmulas cabalísticas?
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“Sim, vocês têm Espíritos que vos indicam sinais, palavras bizarras, ou prescrevem certos atos por meio dos quais vocês fazem o que chamam de conjurações. Mas, fiquem bem certos de que são Espíritos que brincam com vocês e abusam da vossa credulidade.”
554. Aquele que, com ou sem razão, tem confiança no que ele chama de a virtude de um talismã, por causa dessa confiança, poderia atrair um Espírito, já que é o pensamento que age? O talismã não seria apenas um sinal que o ajuda a direcionar o pensamento?
“É verdade, mas a natureza do Espírito atraído dependa da pureza da intenção e da elevação dos sentimentos. Ora, é raro que aquele que seja bastante bobo para acreditar na virtude de um talismã não tenha um objetivo mais material do que moral; nesse caso, isso demonstra uma pequenez e uma fraqueza de ideias que dão ensejo aos Espíritos imperfeitos e brincalhões.”
555. Que significado deve ser atribuído à qualificação de feiticeiro?
“Aqueles a quem chamam de feiticeiros são pessoas, quando de boa-fé, que são dotadas de certas faculdades, como a força magnética ou a segunda vista, e como elas fazem coisas que vocês não compreendem, então vocês as julgam dotadas de uma força sobrenatural. Vossos sábios não passaram muitas vezes por feiticeiros aos olhos dos ignorantes?”
O espiritismo e o magnetismo nos dão a chave de uma imensidade de fenômenos sobre os quais a ignorância teceu uma infinidade de fábulas, em que os fatos são exagerados pela imaginação. O conhecimento lúcido dessas duas ciências
— que por assim dizer formam uma única — mostrando a realidade das coisas e a sua verdadeira causa, constitui o melhor preservativo contra as ideias supersticiosas, porque revela o que é possível e o que é impossível, o que está nas leis da natureza e o que não passa de uma crendice ridícula.
556. Algumas pessoas realmente têm o dom de curar pelo simples toque?
“A força magnética pode chegar até aí quando é apoiada à pureza dos sentimentos e um ardente desejo de fazer o bem, porque então os bons Espíritos vêm em sua ajuda. Porém, é preciso desconfiar da maneira pela qual
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as coisas são contadas pelas pessoas muito crédulas ou muito entusiastas, sempre dispostas a ver o maravilhoso nas coisas mais simples e mais naturais.
Precisamos desconfiar também das narrativas interesseiras da parte das pessoas que exploram a credulidade para o seu proveito próprio.”
Bênçãos e maldições
557. A bênção e a maldição podem atrair o bem e o mal sobre aquele a quem são lançadas?