O casamento — em harmonia com os propósitos de Deus — deve estar fundado na afeição dos seres que se unem. Com a poligamia, não há afeto real: há apenas sensualidade.”
Se a poligamia estivesse em conformidade com a lei da natureza, ela deveria ser universal — o que seria materialmente impossível, visto a igualdade numérica dos sexos.
A poligamia deve ser considerada como uma prática ou uma legislação particular apropriada a certos costumes e que o aperfeiçoamento social pouco a pouco faz desaparecer.
328 – Allan Kardec
CAPÍTULO V
LEI DE CONSERVAÇÃO
Instinto de conservação – Meios de conservação
– Gozo dos bens terrestres – O necessário e o supérfluo –
Privações voluntárias. Mortificações
Instinto de conservação
702. O instinto de conservação é uma lei da natureza?
“Sem dúvida. Ele é dado a todos os seres vivos, qualquer que seja o grau de sua inteligência. Em alguns, é puramente mecânico; noutros, é racional.”
703. Com qual finalidade Deus deu a todos os seres vivos o instinto de conservação?
“Porque todos devem contribuir com os desígnios da Providência. Por isso foi que Deus lhes deu a necessidade de viver. Ademais, a vida é necessária ao aperfeiçoamento dos seres. Eles o sentem instintivamente, sem se darem conta disso.”
Meios de conservação
704. Tendo dado ao homem a necessidade de viver, Deus sempre lhe forneceu os meios para isso?
“Sim, e se o homem não os encontra é que não os compreende. Deus não poderia dar ao homem a necessidade de viver sem lhe fornecer os meios para isso, e é por essa razão que ele faz a terra produzir o suficiente para prover o
329 – O Livro dos Espíritos
necessário a todos os seus habitantes, pois só o necessário é útil; nunca o supérfluo.”
705. Por que a terra nem sempre produz o suficiente para fornecer o necessário ao homem?
“É porque o homem a despreza, ingrato! No entanto, ela é uma excelente mãe. Com frequência, também, ele acusa a natureza por aquilo que é o fruto de sua imperícia ou desleixo. A terra produziria sempre o necessário se o homem soubesse se contentar com isso. Se ela não satisfaz a todas as carências, é que o homem emprega no supérfluo o que poderia ser utilizado no necessário. Vejam o árabe no deserto: ele sempre encontra como sobreviver, pois não cria necessidades fictícias. Porém, quando a metade da produção é desperdiçada para satisfazer fantasias, o homem deve se surpreender ao não encontrar nada no dia seguinte? E terá razão de se queixar por estar desprovido quando vem a época da escassez? Na verdade, eu vos digo que não é a natureza que é imprevidente, mas é o homem que não sabe se regrar.”
706. Devemos entender como bens da Terra somente os produtos do solo?
“O solo é a fonte primordial de onde emanam todos os outros recursos, pois, em definitivo, esses recursos não são mais do que simples transformações dos produtos do solo. Eis por que é preciso entender como bens da Terra tudo aquilo de que o homem pode desfrutar neste mundo.”
707. Os meios de subsistência muitas vezes fazem falta para certos indivíduos, mesmo ao redor de abundância que os rodeia. A que devemos atribuir isso?
“Ao egoísmo dos homens, que nem sempre fazem o que deveriam fazer, e depois, com muito mais frequência, a si mesmos. Busquem e encontrarão: estas palavras não querem dizer que basta olhar para a terra para encontrar o que se deseje, mas que é preciso procurá-lo com ardor e perseverança, e não com moleza, sem se deixar desanimar diante dos obstáculos, que muitas vezes não são senão meios para pôr à prova a vossa constância, a vossa paciência e a vossa firmeza.” (Ver a questão 534.)
330 – Allan Kardec
Se a civilização multiplica as necessidades, ela também multiplica as fontes de trabalho e os meios de sobreviver. Mas é preciso convir que sob esse aspecto ainda resta muito a fazer. Quando ela tiver cumprido sua obra, ninguém poderá se queixar de que lhe falta o necessário, a não ser por sua própria culpa. O infortúnio, para muitos, decorre de eles se lançarem por um caminho que não é aquele que a natureza lhes traçou. É então que lhes falta a inteligência para terem êxito. Há lugar ao sol para todos, porém com a condição de cada um tomar o seu lugar, e não o dos outros. A natureza não poderia ser responsável pelos vícios de organização social e nem pelas consequências da ambição e do amor-próprio.
Entretanto, seria preciso ser cego para não reconhecer o progresso que se realizou sob esse aspecto entre os povos mais avançados. Graças aos louváveis esforços que a filantropia e a ciência juntas não cessam de fazer pelo melhoramento da condição material dos homens, e apesar do aumento incessante das populações, a insuficiência da produção é atenuada, pelo menos em grande parte, e os anos mais calamitosos nada têm de comparável àqueles de outrora; a higiene pública — esse elemento tão essencial para a força e a saúde, desconhecida de nossos pais — agora é objeto de solicitude esclarecida; o infortúnio e o sofrimento encontram lugares de refúgio; em toda parte a ciência é posta em contribuição para aumentar o bem-estar. Isso quer dizer que já alcançamos a perfeição? Oh, é certo que não! Mas o que já foi feito dá a medida do que podemos fazer com perseverança, se o homem for bastante sábio para procurar sua felicidade nas coisas positivas e sérias, e não nas utopias que o fazem recuar em vez de progredir.
708. Não há situações em que os meios de subsistência não dependam absolutamente da vontade do homem e em que a privação da mais urgente necessidade seja uma consequência da força das coisas?
“Isso é uma prova — muitas vezes cruel — que o indivíduo deve sofrer e à qual ele sabia que estaria exposto. Seu mérito consiste na submissão à vontade de Deus, se a sua inteligência não lhe fornece nenhum meio de sair dessa dificuldade. Caso a morte deva alcançá-lo, cabe a ele recebê-la sem murmurar, compreendendo que a hora da verdadeira libertação chegou e que
o desespero no derradeiro momento pode lhe fazer perder o fruto da sua
resignação.”
331 – O Livro dos Espíritos
709. Aqueles que em certas situações críticas se viram forçados a sacrificar seus semelhantes, para se alimentarem deles, cometeram um crime? Se houver aí um crime, ele será atenuado pela necessidade de viver que o instinto de conservação lhes dá?
“Já respondi quando disse que há mais mérito em sofrer todas as provações da vida com coragem e abnegação. Em tal caso, há um homicídio e crime de lesa-natureza, falta que deve ser duplamente punida.”
710. Nos mundos onde a organização é mais apurada, os seres vivos têm necessidade de alimentação?
“Têm, mas seus alimentos estão de acordo com a sua natureza. Esses alimentos não seriam bastante substanciosos para os estômagos grosseiros de vocês; assim como eles não poderiam digerir vossos alimentos.”
Gozo dos bens terrestres
711. O uso dos bens da Terra é um direito para todos os homens?
“Esse direito é a consequência da necessidade de viver. Deus não poderia impor um dever sem dar o meio de realizá-lo.”