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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas eu pensava que tinham sido as minhas namoradas. – “Seo Vupes, eu também folgo. Senhor também estar bom? Folgo...”

– que eu respondi, civilizadamente. Ele pitava era charutos. Mais me disse: – “Sei senhor homem valente, muito valente... Eu precisar de homem valente assim, viajar meu, quinze dias, sertão agora aqui muito atrapalhado, gente braba, tudo...” Destampei, ri que ri, de ouvir.

Mas o mais garboso fiquei, prezei a minha profissão. Ah, o bom costume de jagunço. Assim que é vida assoprada, vivida por cima. Um jagunceando, nem vê, nem repara na pobreza de todos, cisco. O senhor sabe: tanta pobreza geral, gente no duro ou no desânimo. Pobre tem de ter um triste amor à honestidade.

São árvores que pegam poeira. A gente às vezes ia por aí, os cem, duzentos companheiros a cavalo, tinindo e musicando de tão armados-e, vai, um sujeito magro, amarelado, saía da algum canto, e vinha, espremendo seu medo, farraposo: com um vintém azinhavrado no conco da mão, o homem queria comprar um punhado de mantimento; aquele era casado, pai de família faminta. Coisas sem continuação... Tanto pensei, perguntei: –

“Para que banda o senhor tora?” E o Vupes respondeu: – “Eu, direto, cidade São Francisco, vou forte.” Para falar, nem com uma pontinha de dedo ele não bulia gesticulado. Então, era

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas mesmo meu rumo – aceitei – o destinar! Daí, falei com o Sesfredo, que quis também; o Sesfredo não presumia nada, ele naquilo não tinha próprio destaque.

Mas os caminhos não acabam. Tal por essas demarcas de Grão-Mogol, Brejo das Almas e Brasília, sem confrontos de perturbação, trouxemos o seu Vupes. Com as graças, dele aprendi, muito. O Vupes vivia o regulado miúdo, e para tudo tinha sangue-frio. O senhor imagine: parecia que não se mealhava nada, mas ele pegava uma coisa aqui, outra coisinha ali, outra acolá – uma moranga, uns ovos, grelos de bambu, umas ervas – e, depois, quando se topava com uma casa mais melhorzinha, ele encomendava pago um jantar ou almoço, pratos diversos, farto real, ele mesmo ensinava o guisar, tudo virava iguarias! Assim no sertão, e ele formava conforto, o que queria. Saiba-se! Deixamos o homem no final, e eu cuidei bem dele, que tinha demonstrado a confiança minha...

Demos no Rio, passamos. E, aí, a saudade de Diadorim voltou em mim, depois de tanto tempo, me custando seiscentos já andava, acoroçoado, de afogo de chegar, chegar, e perto estar.

Cavalo que ama o dono, até respira do mesmo jeito. Bela é a lua, lualã, que torna a se sair das nuvens, mais redondada recortada.

Viemos pelo Urucuia. Meu rio de amor é o Urucuia. O

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas chapadão – onde tanto boi berra. Daí, os gerais, com o capim verdeado. Ali é que vaqueiro brama, com suas boiadas espatifadas. Ar que dá açoite de movimento, o tempo-das-águas de chegada, trovoada trovoando. Vaqueiros todos vaquejando.

O gado esbravaçava. A mal que as notícias referiam demais a cambada dos Judas, aumentável, a corja! – “A tantos quantos?”

– eu pondo meu perguntar. – “Os muitos! Uma monarquia deles...” – os vaqueiros respondendo.

Mas Medeiro Vaz não se achava, os nossos, deles ninguém não sabia bem. Tocamos, fim que o mundo tivesse. Só deerrávamos. Assim como o senhor, que quer tirar é instantâneo das coisas, aproximar a natureza. Estou entendido. Esbarramos num varjeado, esconso lugar, por entre o daGarapa e o da-Jibóia, ali tem três lagoas numa, com quatro cores: se diz que a água é venenosa. E isso de que me serve? Águas, águas. O senhor verá um ribeirão, que verte no Canabrava – o que verte no Taboca, que verte no Rio Preto, o primeiro Preto do Rio Paracatu – pois a daquele é sal só, vige salgada grossa, azula muito: quem conhece fala que é a do mar, descritamente; nem boi não gosta, não traga, eh não. E tanta explicação dou, porque muito ribeirão e vereda, nos contornados por aí, redobra nome. Quando um ainda não aprendeu, se atrapalha, faz raiva. Só Preto, já molhei

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas mão nuns dez. Verde, uns dez. Do Pacari, uns cinco. Da Ponte, muitos. Do Boi, ou da Vaca, também. E uns sete por nome de Formoso. São Pedro, Tamboril, Santa Catarina, uma porção. O

sertão é do tamanho do mundo.

Agora, por aqui, o senhor já viu: Rio é só o São Francisco, o Rio do Chico. O resto pequeno é vereda. E algum ribeirão. E

agora me lembro: no Ribeirão Entre-Ribeiros, o senhor vá ver a fazenda velha, onde tinha um cômodo quase do tamanho da casa, por debaixo dela, socavado no antro do chão – lá judiaram com escravos e pessoas, até aos pouquinhos matar... Mas, para não mentir, lhe digo: eu nisso não acredito. Reconditório de se ocultar ouro, tesouro e armas, munição, ou dinheiro falso moedado, isto sim. O senhor deve de ficar prevenido: esse povo diverte por demais com a baboseira, dum traque de jumento formam tufão de ventania. Por gosto de rebuliço. Querem-porque-querem inventar maravilhas glorionhas, depois eles mesmos acabam crendo e temendo. Parece que todo o mundo carece disso. Eu acho, que.

Assim, olhe: tem um marimbu – um brejo matador, no Riacho Cizlá se afundou uma boiada quase inteira, que apodreceu; em noites, depois, deu para se ver, deitado a fora, se deslambendo em vento, do cafofo, e perseguindo tudo, um

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas milhão de lavareda azul, de jãdelãfo, fogo-fá. Gente que não sabia, avistaram, e endoideceram de correr fuga. Pois essa estória foi espalhada por toda a parte, viajou mais, se duvidar, do que eu ou o senhor, falavam que era sinal de castigo, que o mundo ia se acabar naquele ponto, causa de, em épocas, terem castrado um padre, ali perto umas vinte léguas, por via do padre não ter consentido de casar um filho com sua própria mãe. A que, até, cantigas rimaram: do Fogo-Azul-do-Fim-do-Mundo. Hê, hê?...

Agora, a forca, eu vi – forca moderna, esquadriada, arvorada bem erguida no elevado, em madeira de boa lei, parda: sucupira. Ela foi num morrote, depois do São Simão do Bá, perto da banda da mão-direita do Pripitinga. A estúrdia forca de enforcar, construída, aprovada ali particularmente, porque não tinham recurso de cadeia, e pajear criminoso por viagens era dificultoso, tirava as pessoas de seus serviços. Aí, então, usavam.

Às vezes, da redondeza, vinham até trazendo o condenado, a cavalo, para a forca, pública. Só que um pobre veio morar próximo, quase debaixo dela, cobrava sua esmola, em cada útil caso, dando seguida cavava a cova e enterrava o corpo, com cruz.

No mais nada.

Semelhante não foi, quando um homem, Rudugério de Freitas, dos Freitas ruivos da Água-Alimpada, mandou obrigado

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas um filho dele ir matar outro, buscar para matarem, esse outro, que roubou sacrário de ouro da igreja da Abadia. Aí, então, em vez de cumprir o estrito, o irmão combinou com o irmão, os dois vieram e mataram mesmo foi o velho pai deles, distribuído de foiçadas. Mas primeiro enfeitaram as foices, urdindo com cordões de embira e várias flores. E enqueriram o cadáver paterno em riba da casa – casinha boa, de telhas, a melhor naquele trecho. Daí, reuniram o gado, que iam levando para distante vender. Mas foram logo pegos. A pegar, a gente ajudou.

Assim, prisioneiros nossos. Demos julgamento. Ao que, fosse Medeiro Vaz, enviava imediato os dois para tão razoável forca.

Mas porém, o chefe nosso, naquele tempo, já era – o senhor saiba Zé Bebelo!

Com Zé Bebelo, oi, o rumo das coisas nascia inconstante diferente, conforme cada vez. A papo: – “Co-ah! Por que foi que vocês enfeitaram premeditado as foices?” – ele interrogou. Os dois irmãos responderam que tinham executado aquilo em padroeiragem à Virgem, para a Nossa Senhora em adiantado remitir o pecado que iam obrar, e obraram dito e feito. Tudo que Zé Bebelo se entesou sério, em pufo, empolo, mas sem rugas em testa, eu prestes vi que ele estava se rindo por de dentro. Tal, tal, disse: – “Santíssima Virgem...” E o pessoal todo tirou os

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas chapéus, em alto respeito. – “Pois, se ela perdoa ou não, eu não sei. Mas eu perdôo, em nome dela – a Puríssima, Nossa Mãe!” –

Zé Bebelo decretou. – “O pai não queria matar? Pois então, morreu – dá na mesma. Absolvo! Tenho a honra de resumir circunstância desta decisão, sem admitir apelo nem revogo, legal e lealdado, conformemente!...” Aí mais Zé Bebelo disse, como apreciava: – “Perdoar é sempre o justo e certo...” – pirlimpim, pimpão. Mas, como os dois irmãos careciam de algum castigo, ele requisitou para o nosso bando aquela gorda boiada, a qual pronto revendemos, embolsamos. E desse caso derivaram também uma boa cantiga violeira. Mas deponho que Zé Bebelo somente determinou assim naquela ocasião, pelo exemplo pela decência. Normal, quando a gente encontrava alguma boiada tangida, ele cobrava só imposto de uma ou umas duas reses, para o nosso sustento nos dias. Autorizava que era preciso se respeitar o trabalho dos outros, e entusiasmar o afinco e a ordem, no meio do triste sertão.

Zé Bebelo – ah. Se o senhor não conheceu esse homem, deixou de certificar que qualidade de cabeça de gente a natureza dá, raro de vez em quando. Aquele queria saber tudo, dispor de tudo, poder tudo, tudo alterar. Não esbarrava quieto. Seguro já nasceu assim, zureta, arvoado, criatura de confusão. Trepava de

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas ser o mais honesto de todos, ou o mais danado, no tremeluz, conforme as quantas. Soava no que falava, artes que falava, diferente na autoridade, mas com uma autoridade muito veloz.

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