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“Por teu pai vou, amigo, mano-oh-mano. Vingar Joca Ramiro...”

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas A fraqueza minha, adulatória. Mas ele respondeu: – “Viagem boa, Riobaldo. E boa-sorte...” Despedir dá febre.

Galopando junto com Sesfredo, larguei aquele lugar do Buriti das Três Fileiras. Pesares que me desenrolavam. E então eu decifrei meu arranque de ter querido vir com o Sesfredo. Que ele, se sabia, tinha deixado, fazia muitos anos, em terras do Jequitinhonha, uma moça que apaixonava, e achava que não tinha nascido para aquilo, de ser sempre jagunço não gostava.

Como é, então, que um se repinta e se sarrafa? Tudo sobrevém.

Acho, acho, é do influimento comum, e do tempo de todos.

Tanto um prazo de travessia marcada, sazão, como os meses de seca e os de chuva. Será? Medida de muitos outros igualasse com a minha, esses também não sentindo e não pensando. Se não, por que era que eram aqueles aprontados versos – que a gente cantava, tanto toda-a-vida, indo em bando por estradas jornadas, à alegria fingida no coração?: Olererê, baiana...

eu ia e não vou mais: eu faço

que vou

lá dentro, oh baiana!

e volto do meio pra trás... – ?

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas João Goanhá, por valentão e verdadeiro, nem carecia de estadear orgulho. Pessoa muito leal e briosa. Ele me disse: –

“Agora, da gente não sei o que vai ser... Para guerra grande, eu acho que só Joca Ramiro é que era capaz...” Ah, mas João Goanhá também tinha suas cartas altas. Homem de grito grosso.

E, mesmo ignorante analfabeto, de repente ele tirava, sei não de onde, terríveis mindinhas idéias, mortes diversas. Assim a gente experimentava, cá e cá, falseando fuga. Os campos-gerais ali também tem. Tombadores. Arre, os tremedais, já viu algum? O

chão deles consiste duro enxuto, normal que engana; quem não sabe o resto, vem, pisa, vai avançando, tropa com cavalos, cavalama. Seja sem espera, quando já estão meio no meio, aquilo sucrepa: pega a se abalar, ronca, treme escapulindo, feito gema de ovo na frigideira. Ei! Porque, debaixo da crosta seca, rebole ocultado um semifundo, de brejão engolidor... Pois, em roda dali, João Goanhá dispôs que a gente se amoitasse – três golpes de homens – tocaiando. Ao de manhã, primeiro passaram os do sargento Leandro, esses eram os menos, e um guia pagavam, por conhecer o caminho firme. Mas fomos lá, às pressas espalhamos de lugar os ramos verdes de árvore, que eles tinham botado para a certa informação. No depois, vinham os do tenente. Tenente, tenente, tu quer! Seguidos por ali entraram, ah. Dos nossos, uns, acolá, deram tiros, por disfarçação. Iscas! Cavalaria dos praças se

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas avexou. Ave, e pronto, de repente foi: a casca de terra sacudia, se rachou em cruzes, estalando, em muitos metros – balofou. Os cavalos entornados – era como despejar prateleiras cheias – e os soldados aiando gritos, se abraçavam com os animais caintes, ou com o ar, uns a esmo desfechavam mosquetão. Mas encalcados se afundando, pra não mais. A gente, se queria, mirava, ainda acertava neles. Coisas que vi, vi, vi – oi... Eu não atirei. Não tive braçagem. Talvez tive pena.

Tanto por tanto, daí se encachorraram mais em nós, por beber vinganças. De campos e matas, vargens e grotas, em cada ponto para trás, dos lados e adiante da gente, ei eram só soldados, montão, se gerando. Furadodo-Meio. Serra do Deus-Me-Livre. Passagem da Limeira. Chapada do Covão. Solón Nélson morreu. Arduininho morreu. Morreram o Figueiró, BatataRoxa, Dávila Manhoso, o Campelo, o Clange, Deovídio, Pescoço-Preto, Toquim, o Sucivre, Elisiano, Pedro Bernardo – acho que foram esses, todos. Chapada do Sumidouro. Córrego do Poldro.

Mortos mais uns seis. Corrijo: com outros, que pegos presos – se disse que foram acabados! Doideamos. A Bahia estava cercada nas portas. Achavam de tomar regalia de desforra na gente, até qualquer molambo de sujeito, paisano morador. Ah, às vezes, perdiam ligeiro essa graça... Gerais da Pedra. Lá, o Eleutério se

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas apartou da gente, umas cem braças, e foi, a pé, bateu em porta duma cafua, por esclarecer. O capiau surgiu, ensinou alguma coisa, errada. Eleutério agradeceu, deu as costas, veio andando uns passos. O capiau então chamou. Eleutério virou para trás, para ouvir o que havia, e levou na cara e nos peitos o cheio duma carga de chumbo fino. Cegou, rodou, entrupicado, arreganhava os braços, todo se sarapintando das manchas vermelhas, que cresciam. O cabelo dele aumentou em pé. E a soldadesca atirava, de emboscados no mato do córrego, e na beira do cerrado, da outra banda. O capiau se encobriu detrás do forno de assar biscoito – de lá fazia pontaria com a espingarda – e balas nossas levantavam terra ao redor dali, feito um ciscado de cachorro grande. Dentro da cafua também restavam outros soldados; que deram contas a Deus. Ataliba, com o facão, pregou o capiau na taipa da cafua, ele morreu mansinho, parecia um santo. Ficou lá, espetado. Nós – eh – bom. Conseguimos aragem. Até em um ponto de a salvo conversarmos.

Serra Escura. Nem munição nem de-comer não sobravam.

De forma que a gente carecia de se separar, cada um por seu risco, como pudesse caçar escape. Se esparramavam os goanhás.

De si por si, quem vivesse viesse para cá do Rio, para reunião: na juntura da Vereda Saco dos Bois com o Ribeirão Santa Fé. Ou ir

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas de direto para onde estivesse Medeiro Vaz. Ou, caso o inimigo rondasse perto demais, então no Buriti-da-Vida, São Simão do Bá, ou mais em riba, ali onde o Ribeirão Gado Bravo é vadeável.

Ao que João Goanhá mandou. A pressa era pressa. O ar todo do campo cheirava a pólvora e a soldados. Diante de mim, nunca terminava de atar as correias do gibão um Cunha Branco, sarado, cabra velho guerreiro: ele boiava língua em boca aberta. E medo, meu, medi muito maior. Se despedimos. Escorregando sem rumo, eu fui, vim, o Sesfredo comigo também, viemos. Com a graça de Deus, saímos fora da roda do perigo. Chegamos no Córrego Cansanção, não longe do Araçuaí. Por durante um tempo, carecíamos de ter algum serviço reconhecido, no viver tudo cabe. Nossas armas, com parte das roupas, campeamos um seguro lugar, deixamos escondidas. Aí, a gente se ajustou no meio do pessoal daquele doutor, que estava na mineração, que eu já disse e o senhor sabe.

Por que não ficamos lá? Sei e não sei. Sesfredo esperava de mim toda decisão. Algum remorso, de não se cumprir de ir, de desertados? Não vê que não, desafasto. Gente sendo dois, garante mais para se engambelar, etcétera de traição não sopra escrúpulos, como nem de crime nenhum, não agasta: igual lobisomem verte a pele. Só se, companheiros sobrantes, a gente

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas amiúda no ajuizar o desonroso assunto, isto sim, rança o descrédito de se ser tornadiço covarde. Mas eu podia rever proveito, caçar de voltar dali para a casa-grande de Selorico Mendes, exigir meu estado devido, na Fazenda São Gregório.

Temeriam! Assim e silva, como em outro tempo, adiante, podia flauteado comparecer no Buritis Altos, por conta de Otacília –

continuação de amor. Quis não. Suasse saudade de Diadorim? A ponto no dizer, menos. Ou nem não tinha. Só como o céu e as nuvens lá atrás de uma andorinha que passou. Talvez, eu acho, também, que foi juvenescendo em mim uma inclinação de abelhudice: assaz eu queria me estar misturado lá, com os medeiro-vazes, ver o fim de tudo. Em mês de agosto, buriti vinhoso... Araçuaí não eram os meus campos... Viver é um descuido prosseguido. Aí, as noites cambando para o entrar das chuvas, os dias mal. Desengoli. – “Tempo de ir. Vamos?” – eu disse para Sesfredo. – “Vamos, demais!” – o Sesfredo me respondeu.

Ah, eh e não, alto-lá comigo, que assim falseio, o mesmo é.

Pois ia me esquecendo: o Vupes! Não digo o que digo, se o do Vupes não orço – que teve, tãomente. Esse um era estranja, alemão, o senhor sabe: clareado, constituído forte, com os olhos azuis, esporte de alto, leandrado, rosalgar – indivíduo, mesmo.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Pessoa boa. Homem sistemático, salutar na alegria séria. Hê, hê, com toda a confusão de política e brigas, por aí, e ele não somava com nenhuma coisa: viajava sensato, e ia desempenhando seu negócio dele no sertão – que era o de trazer e vender de tudo para os fazendeiros: arados, enxadas, debulhadora, facão de aço, ferramentas rógers e roscofes, latas de formicida, arsênico e creolinas; e até papa-vento, desses moinhos-de-vento de sungar água, com torre, ele tomava empreitada de armar. Conservava em si um estatuto tão diverso de proceder, que todos a ele respeitavam. Diz-se que vive até hoje, mas abastado, na capital – e que é dono de venda grande, loja, conforme prosperou. Ah, o senhor conheceu ele? Õ

titiquinha de mundo! E como é mesmo que o senhor fraseia?

Wusp? É. Seo Emílio Wuspes... Wupsis... Vupses. Pois esse Vupes apareceu lá, logo vai me reconheceu, como me conhecia, do Curralinho. Me reconheceu devagar, exatão. Sujeito escovado! Me olhou, me disse: – “Folgo. Senhor estar bom?

Folgo...” E eu gostei daquela saudação. Sempre gosto de tornar a encontrar em paz qualquer velha conhecença – consoante a pessoa se ri, a gente se acha de voltar aos passados, mas parece que escolhidas só as peripécias avaliáveis, as que agradáveis foram. Alemão Vupes ali, e eu recordei lembrança daquelas mocinhas – a Miosótis e a Rosa’uarda – as que, no Curralinho,

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