lá na vereda de lá
casinha da banda esquerda,
olhos de onda do mar...
Mas os olhos verdes sendo os de Diadorim. Meu amor de prata e meu amor de ouro. De doer, minhas vistas bestavam, se embaçavam de renuvem, e não achei acabar para olhar para o céu. Tive pena do pescoço do meu cavalo – pedação, tábua
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas suante, padecente. Voltar para trás, para as boas serras! Eu via, queria ver, antes de dar à casca, um pássaro voando sem movimento, o chão fresco remexido pela fossura duma anta, o cabecear das árvores, o riso do ar e o fogo feito duma arara. O
senhor sabe o que é o frege dum vento, sem uma moita, um pé de parede pra ele se retrasar? Diadorim não se apartou do meu lado. Caso que arredondava a testa, pensando. Adivinhou que eu roçava longe dele em meus pensamentos. – “Riobaldo, não se matou a Ana Duzuza... Nada de reprovável não se fez...” –
falou. E eu não respondendo. Agora, o que era que aquilo me importava – de malfeitos e castigos? Eu ambicionava o suíxo manso dum córrego nas lajes – o bom sumiço dum riacho mato a fundo. E adverti memória dos derradeiros pássaros do Bambual do Boi. Aqueles pássaros faziam arejo. Gritavam contra a gente, cada um asia sua sombra num palmo vivo d’água. O melhor de tudo é a água. No escaldado... “Saio daqui com vida, deserteio de jaguncismo, vou e me caso com Otacília!” – eu jurei, do proposto de meus todos sofrimentos.
Mas mesmo depois, naquela hora, eu não gostava mais de ninguém: só gostava de mim, de mim! Novo que eu estava no velho do inferno. Dia da gente desexistir é um certo decreto –
por isso que ainda hoje o senhor aqui me vê. Ah, e os poços não se achavam... Alguém já tinha declarado de morto. O Miquim,
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas um rapaz sério sincero, que muito valia em guerreio, esbarrou e se riu: – “Será que não é sorte?” Depois, se sofreu o grito de um, adiante: – “Estou cego!...” Mais aquele, o do pior – caiu total, virado torto; embaraçando os passos das montadas. De repente, um rosnou, reclamou baixo. Outro também. Os cavalos bobejavam. Vi uma roda de caras de homens. Suas as caras.
Credo como algum – até as orelhas dele estavam cinzentas. E
outro: todo empretecido, e sangrava das capelas e papos-dos-olhos. Medeiro Vaz a nada não atendia? Ouvi minhas veias. Aí, a rumo, eu pude pegar a rédea do animal de Diadorim – aquelas peças doeram na minha mão – tive que fiquei um instante no inclinado. – “Daqui, deste mesmo de lugar, mais não vou! Só desarrastado vencido...” – mas falei. Diadorim pareceu em pedra, cão que olha. Contanto me mirou a firme, com aquela beleza que nada mudava. – “Pois vamos retornar, Riobaldo...
Que vejo que nada campou viável...” – “Tal tempo!” – truquei, mais forte, rouco como um guariba. Foi aí que o cavalo de Diadorim afundou aberto, espalhado no chão, e se agoniou. Eu apeei do meu. Medeiro Vaz estava ali, num aspeito repartido.
Pessoal companheiro, em redor, se engasgavam, pelo o resultado. – “Nós temos de voltar, chefe?” – Diadorim solicitou.
Acabou de falar, e parou um gesto, para nós, a gente sofreasse.
Tom bom; mas se via que Medeiro Vaz não podia outro querer,
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas a não ser o que Diadorim perguntava. Medeiro Vaz, então – por primeira vez – abriu dos lados as mãos, de nada não poder fazer; e ele esteve de ombros rebaixados. Mais não vi, e entendi.
Peguei minha cabaça, bebi gole, amargo de felém. Mas era mesmo o final de se voltar, Deus me disse. E – o senhor mais saiba – de supeto já eu estava remoçado, são, disposto! Todos influídos assim. Pra trás, sempre dá o prazer. Diadorim apalpou meu braço. Vi: os olhos dele marejados. Mor que depois eu soube – que, a idéia de se atravessar o Liso do Suçuarão, ele Diadorim era que a Medeiro Vaz tinha aconselhado.
Mas, para que contar ao senhor, no tinte, o mais que se mereceu? Basta o vulto ligeiro de tudo. Como Deus foi servido, de lá, do estralal do sol, pudemos sair, sem maiores estragos. Isto é, uns homens mortos, e mais muitos dos cavalos. Mesmo o mais grave sido que restamos sem os burros, fugidos por infelizes, e a carga quase toda, toda, com os mantimentos, a gente perdemos.
Só não acabamos sumidos dextraviados, por meio do regular das estrelas. E foi. Saímos dali, num pintar de aurora. E em lugares deerrados. Mais não se podia. Céu alto e o adiado da lua. Com outros nossos padecimentos, os homens tramavam zuretados de fome – caça não achávamos – até que tombaram à bala um macaco vultoso, destrincharam, quartearam e estavam comendo.
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Provei. Diadorim não chegou a provar. Por quanto – juro ao senhor – enquanto estavam ainda mais assando, e manducando, se soube, o corpudo não era bugio não, não achavam o rabo. Era homem humano, morador, um chamado José dos Alves! Mãe dele veio de aviso, chorando e explicando: era criaturo de Deus, que nu por falta de roupa... Isto é, tanto não, pois ela mesma ainda estava vestida com uns trapos; mas o filho também escapulia assim pelos matos, por da cabeça prejudicado. Foi assombro. A mulher, fincada de joelhos, invocava. Algum disse:
– “Agora, que está bem falecido, se come o que alma não é, modo de não morrermos todos...” Não se achou graça. Não, mais não comeram, não puderam. Para acompanhar, nem farinha não tinham. E eu lancei. Outros também vomitavam. A mulher rogava. Medeiro Vaz se prostrou, com febre, diversos perrengavam. – “Aí, então, é a fome?” – uns xingavam. Mas outros conseguiram da mulher informação: que tinha, obra de quarto-delégua de lá, um mandioca) sobrado. – “Arre que não!”
– ouvi gritarem: que, de certo, por vingança, a mulher ensinasse aquilo, de ser mandiocabrava! Esses olhavam com terrível raiva.
Nesse tempo, o Jacaré pegou de uma terra, qualidade que dizem que é de bom aproveitar, e gostosa. Me deu, comi, sem achar sabor, só o pepego esquisito, e enganava o estômago. Melhor engolir capins e folhas. Mas uns já enchiam até capanga, com tor-
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas rão daquela terra. Diadorim comeu. A mulher também aceitou, a coitada. Depois Medeiro Vaz passou mal, outros tinham dores, pensaram que carne de gente envenenava. Muitos estavam doentes, sangrando nas gengivas, e com manchas vermelhas no corpo, e danado doer nas pernas, inchadas. Eu cumpria uma disenteria, garrava a ter nojo de mim no meio dos outros. Mas pudemos chegar até na beira do dos-Bois, e na Lagoa Suçuarana, ali se pescou. Nós trouxemos aquela mulher, o tempo todo, ela temia de que faltasse outro de-comer, e ela servisse. – “Quem quiser bulir com ela, que me venha!” – Diadorim garantiu. –
“Que só venha!” – eu secundei, do lado dele. Matou-se capivara gorda, por fim. Dum geralista roto, ganhamos farinha-de-buriti, sempre ajudava. E seguimos o corgo que tira da Lagoa Suçuarana, e que recebe o do Jenipapo e a Vereda – do-Vitorino, e que verte no Rio Pandeiros – esse tem cachoeiras que cantam, e é d’água tão tinto, que papagaio voa por cima e gritam, sem acordo: – É verde! É azul! É verde! É verde!... E longe pedra velha remeleja, vi. Santas águas, de vizinhas. E era bonito, no correr do baixo campo, as flores do capitão-da-sala-todas vermelhas e alaranjadas, rebrilhando estremecidas, de reflexo. – “É o cavalheiro-da-sala...” – Diadorim falou, entusiasmado. Mas o Alaripe, perto de nós, sacudiu a cabeça. – “Em minha terra, o nome dessa” – ele disse“é dona-joana... Mas o leite dela é venenoso...”
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Esbandalhados nós estávamos, escatimados naquela esfrega. Esmorecidos é que não. Nenhum se lastimava, filhos do dia, acho mesmo que ninguém se dizia de dar por assim. Jagunço é isso. Jagunço não se escabreia com perda nem derrota – quase que tudo para ele é o igual. Nunca vi. Pra ele a vida já está assentada: comer, beber, apreciar mulher, brigar, e o fim final. E
todo o mundo não presume assim? Fazendeiro, também?
Querem é trovão em outubro e a tulha cheia de arroz. Tudo que eu mesmo, do que mal houve, me esquecia. Tornava a ter fé na clareza de Medeiro Vaz, não desfazia mais nele, digo. Confiança
– o senhor sabe – não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa. E despaireci meu espírito de ir procurar Otacília, pedir em casamento, mandado de virtude. Fui fogo, depois de ser cinza. Ah, algum, isto é que é, a gente tem devassalar. Olhe: Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte lambendo o prato... Mas eu gostava de Diadorim para poder saber que estes gerais são formosos.
Talmente, também, se carecia de tomar repouso e aguardo.
Por meios e modos, sortimos arranjados animais de montada, arranchamos dias numa fazenda hospitaleira na Vereda do Alegre, e viemos vindo atravessando o Pardo e o Acari, em toda a parte a gente era recebida a bem. Tardou foi para se ter sinal
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas dos bandos dos Judas. Mas a vantagem nossa era que todos os moradores pertenciam do nosso lado. Medeiro Vaz não maltratava ninguém sem necessidade justa, não tomava nada à força, nem consentia em desatinos de seus homens.