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Gritei firme, repeti.

Os outros companheiros aceitavam aquilo, diziam também, até João Curiol: – loca Ramiro quer este homem vivo!”

– “É ordem de Joca Ramiro!” De lá não atiravam mais. Só bala ou outra, só. – “Arre, à unha, chefe?” – o Sangue-de-Outro perguntou. João Curiol respondeu que não. Eles deviam de estar

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas reservando balas para um final. – “Ordem de loca Ramiro: é pegar o homem vivo...” – ainda eu disse. Ali Zé Bebelo eu sal-vasse. Todos aprovaram. Eu sei, eu sei? O senhor agora vai não me entendes, O como são as coisas. Todos me aprovaram – e, aí, extraordinariamente, eu dei um salto de espírito. O que? Mas, então, eu não tinha pensado tudo, o real?! O que era que eu estava fazendo, que era que eu estava querendo – que pegassem vivo Zé Bebelo, em carnes e ossos, para depois judiarem com ele, matarem de outro pior jeito, a fácil?! Minha raiva deu em mim. Me mordi, me abri, me-amargo. Tanto tudo ia sendo sempre’ por minha culpa! E daí pedi tudo ao rifle é às cartucheiras. Eu atirava, atirava: queria, por toda a lei, alcançar um tiro em Zé Bebelo, para acabar com ele de uma vez, sem martírio de sofrimentos. – “Tu está louco, Riobaldo?” –

Diadorim gritou, rastejando para perto de mim, travando em meu braço. – “Joca Ramiroquer o homem vivo! Joca Ramiro quer, deu ordem!” – todos agora me gritavam. Assim contra mim, assim todos. O que eu havia de desmentir? E não vi direito, o fato. O que vi foi Zé Bebelo aparecendo, de repente, garnisé. O que ele tinha numa mão, era o punhal; na outra uma garrucha grande, fogo-central. Mas descarregou a garrucha, atirando no chão, perto dos pés dele, mesmo. Arrancou poeira.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Por trás daquela poeira ele reapareceu, dava pensamento assim –

aprumado, teso; de briga. Lampejou com o punhal, e esperou.

Ele mesmo estava querendo morrer à brava, depressamente.

Olhei, olhei. De atirar nele, de todo jeito não tive coragem. Ah, não tinha! E um dos nossos, não sei quem, jogou o laço. Zé Bebelo mal ainda bateu com um pé, por se firmar, e caiu, arrastado, voz que gritou: – “Canalha! Canalha!” Mas todos foram nele, desarmaram do punhal. Eu parei quieto, vago, se me estranho. Não queria, ah não queria que ele me reconhecesse.

Sobrevinha o tropel grande de cavaleiros. Aos quais: era Joca Ramiro; com sua gente total. Subiu pó e pó, por ouros, poeira de entupir o narii e os olhos. Agarrei de mim, sentado lá, no mesmo meu lugar, atrás do pedação de pedra. O que eu estava era envergonhado. O fuzuê se fez um enorme. Sendo que chegavam também os outros grupos nossos, escutei os brados de Só Candelário. A roda de cavaleiros tantos, no raso, sempre maior. Algum soprou o buzo do corno de boi. Tocavam para o acampamento. Mas Diadorim estava me caçando, e mais João Curiol, pelos mortos e feridos que também tínhamos, e também ali ele devia de ter perdido algum trem seu, objeto. –

“Homem danado...” – ouvi o que um dizia. Meus olhos firmavam no chão, agora eu via que tremia. – “Ipa! Zé Bebelo,

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas oxém, ganhou patente. É estragador!” Eu falei: – “É?” – e neste entretanto. Ao menos Diadorim raiava, o todo alegre, às quase danças: – “Vencemos, Riobaldo! Acabou-se a guerra. A mais, Joca Ramiro apreciou bem que a gente tivesse pegado o homem vivo...” Aquilo me rendia pouco sossego. E depois? – “Para que, Diadorim? Agora matam? Vão matar?” Mal perguntei. Mas o João Curiol virou e disse: – “Matar não. Vão dar julga; mento...”

– “Julgamento?” – não ri, não entendi.

– “Aposto que sei. Aí foi ele mesmo quem quis. O

homem estúrdio! Foi defrontar com Joca Ramiro, e, assim agarrado preso, do jeito como desgraçado estava, brabo gritou:

– Assaca! Ou me matam logo, aqui, ou então eu exijo julgamento correto legal!... e foi. Aí Joca Ramiroconsentiu, apraz-me, prometeu julgamento já...” – isto o que falou João Curiol, para me dar a explicação.

Agradeci mesmo isso, a cisma não era para pôr peso em meus peitos. Saímos ainda com João Concliz, a ir em longe arredor, prevenir os que faltavam. A vinda geral. A gente de Titão Passos e do Hermógenes mandava aviso de estarem em caminho. Os do Ricardão já aos tantos chegavam. Saí, com esses de João Concliz. Fui. Fiz questão. Eu não queria retornar logo,

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas com os outros, não enxergar Zé Bebelo eu achava melhor.

Montamos e sumimos por aqueles campos, essa estrada, esses pequizeiros. – “Homem engraçado, homem doido!” – Diadorim ainda achava. – “Sabe o que ele falou, como foi?” E me deu notícia.

Tinha sido aquilo: Joca Ramirochegando, real, em seu alto cavalo branco, e defrontando Zé Bebelo a pé, rasgado e sujo, sem chapéu nenhum, com as mãos amarradas atrás, e seguro por dois homens. Mas, mesmo assim, Zé Bebelo empinou o queixo, inteirou de olhar aquele, cima a baixo. Daí disse:

– “Dê respeito, chefe. O senhor está diante de mim, o grande cavaleiro, mas eu sou seu igual. Dê respeito!”

– “O senhor se acalme. O senhor está preso...” – Joca Ramiro respondeu, sem levantar a voz.

Mas, com surpresa de todos, Zé Bebelo também mudou de toada, para debicar, com um engraçado atrevimento:

– “Preso? Ah, preso... Estou, pois sei que estou. Mas, então, o que o senhor vê não é o que o senhor vê, compadre: é o que o senhor vai ver...”

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas

– “Vejo um homem valente, preso...” – aí o que disse Joca Ramiro, disse com consideração.

– “Isso. Certo. Se estou preso... é outra coisa...” – “O que, mano velho?”

“... É, é o mundo à revelia!...” – isso foi o fecho do que Zé Bebelo falou. E todos que ouviram deram risadas.

Assim isso. Toleimas todas? Não por não. Também o que eu não entendia possível era Zé Bebelo preso. Ele não era criatura que se prende, pessoa coisa de se haver às mãos.

Azougue vapor...

E ia ter o julgamento.

Tanto que voltamos, manhã cedinho estávamos lá, no acampo, debaixo de forma. Arte, o julgamento? O que isso tinha de ser, achei logo que ninguém ao certo não sabia. O

Hermógenes me’ ouviu, e gostou: – “É e é. Vamos ver, vamos ver, o que não sendo dos usos...” – foi o que ele citou. – “Ei, agora é julgamento!” – os muitos caçoavam, em festa fona.

Cacei de escutar os outros. – “Está certo, está direito. Joca Ramirosabe o que faz-..” – foi o que disse Titão Passos. –

“Melhor, mesmo. Carece de se terminar o mais definitivo com

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas essa cambada!” – falou Ricardão. E só Candelário, que agora não se apeava, vinha exclamando: – “Julgamento É isto! Têm de saber quem é que manda, quem é que pode!” Ao espraia as margens.

Agora estavam todos mais todos reunidos, estávamos no acampamento do É-Já, onde ali mal tanto povo cabia, e lotes e pontas de burros, a cavalhada pastando, jagunços de toda raça e qualidade, que iam e vinham, co, miam, bebiam, bafafavam. Só Candelário tinha remetido dois homens, longe, no São José Preto, só para comprarem foguetes, que no fim teriarA de pipocar. E onde estava Zé Bebelo? Apartado, recolhido de toda vista, numa tenda de lona – essa única que se tinha, porque Joca Ramiro mesmo se desacostumava de dormir em barraca, por o abafo do calor. Não se podia ver o prisioneiro, que ficava lá dentro, feito guardado. Contaram que ele aceitava comida e água, e estivesse deitado num couro de vaca, pitando e pensando.

Gostei. O de que eu carecia era de que ele não botasse olhos em mim. Eu apreciava tanto aquele homem, e agora ele não havia de ser meu pesadelo. – “Aonde é que vamos? Onde é que esse julgamento vai ser?” – perguntei a Diadorim, quando surpreendi os suspensos de se ter saída. – “Homem, não sei...” –; Diadorim disso não sabia. Só depois se espalhou voz. Ao que se ia para a

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Fazenda Sempre-Verde, depois da Fazenda Brejinho-do-Brejo, aquela a do doutor Mirabô de Melo.

Mas, por que causa iam dar com aquele homem tamanha passeata? Carecia algum? Diadorim não me respondeu. Mas, pelo que não disse e disso, tirei por tino. Assim que Joca Ramiro fazia questã de navegar três léguas a longe com acompanhamento de todos os jagunços e capatazes e chefes, e g prisioneiro levado em riba dum cavalo preto, e todas as tropas, com munição, coisas tomadas, e mantimentos de comida, rumo do Norte – tudo por glória. O julgamento, também. Estava certo? Saímos, de trabuz.

No naquele, a gente podia ver resenho de toda geração de montadas. Zé Bebelo lá ia, rodeado por cavaleiros de guarda, pessoal de Titão Passos, logo na cabeça do cortejo. Ia com as mãos amarradas, como de uso? Amarrar as mãos não adiantava.

Eu não quis ver. Me dava travo, me ensombrecia. Fui ficando para trás. Zé Bebelo, lá preso demais, em conduzido. Aquilo com aquilo – aí a minha idéia diminuía. Tanto o antes, que fiz a viagem toda na rabeira, ladeando o bando bonzinho de jegues orelhudos, que fechavam a marcha. A pobreza primeira deles me consolava – os jumentinhos, feito meninos. Mas ainda pensei: –

ele bom ou ele ruim, podiam acabar com Zé Bebelo? Quem tinha capacidade de pôr Zé Bebelo em julgamento?! Então, ressenti um

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