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– “Meu compadre, que é que se acha?”

Sô Candelário fungou, e logo abriu naqueles sestros que tinha, movimental. Sendo por ele querer se desengonçar e não podendo: como era alto e magro duro aquele homem! Sarre os onhos olhos amarelos de gavião, dele, hem. Não achou as palavras para dizer, disse:

– “Ao que a ver! Ao que estou, compadre chefe meu...”

A lesto que Joca Ramiro assentiu, com cabeça, conforme se Só Candelário tivesse afirmado coisas de sincera importância.

Zé Bebelo abriu muito a boca, tirando um ronco, como que de propósito. Alguns, mais riram dele. Em menos Joca Ramiro esperou um instante:

– “A gente pode principiar a acusação.”

Aprovaram, os todos, todos. Até Zé Bebelo mesmo.

Assim Joca Ramiro refalou, normal, seguro de sua estança, por mais se impor, uma fala que ele drede avagarava. Dito disse que ali, sumetido diante, só estava um inimigo vencido em combates, e que agora ia receber continuação de seu destino.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Julgamento, já. Ele mesmo, Joca Ramiro, como de lei, deixava para dar opinião no fim, baixar sentença. Agora, quem quisesse, podia referir acusação, dos crimes que houvesse, de todas as ações de Zé Bebelo, seus motivos; e propor condena.

Rés o que começasse, quem? O Hermógenes limpou a goela. De primeira entrada eu vinha sabendo – esse Hermógenes precisava de muitas vinganças.

Ele era sujeito vindo saindo de brejos, pedras e cachoeiras, homem toda cruzado. De uns assim, tudo o que escapa vai em retinge de medo ou de ódio. Observei, digo ao senhor. Carece de não se perder sempre o vezo da cara do outro; os olhos.

Advertido que pensei: e se eu puxasse meu revól-. ver, berrasse fogo nele? Se acabava um Hermógenes – estava ali, são no vão, e num átimo se via era papas de sangue – ele voltava para o inferno! Que era que me acontecia? Eu tomava castigo mortal, de mão de todos? Deixasse que tomasse. Medo não tive. Só que a idéia boa passou muito fraca por mim, entrada por saída.

Fiquei foi querendo ouvir e ver, o que vinha mais. Demarcava que iam acontecendo grandes fatos. Desde, Diadorim, conseguindo caminho por entre o povo, aí chegou, se encostou em mim; tão junto, mesmo sem conversar, mas respirava, como

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas era com a boca tão cheirosa. Há-de haja! – o Hermógenes tinha levantado, para falar:

– “Acusação, que a gente acha, é que se devia de amarrar este cujo, feito porco. O sangrante... Ou então botar atravessado no chão, a gente todos passava a cavalo por riba dele – a ver se vida sobrava, para não sobrar!”

– “Quá?!” – Zé Bebelo debicou, esticando o pescoço e batendo com a cabeça para diante, diversas vezes, feito pica-pau em seu oficio em árvore, Mas o Hermógenes com aquilo não somou; foi pondo:

– “Cachorro que é, bom para a forca. O tanto que ninguém não provocou, não era inimigo nosso, não se buliu com ele. Assaz que veio, por si, para matar, para arrasar, com sobejidão de cacundeiros. Dele é este Norte? Veio a pago do Governo. Mais cachorro que os soldados mesmos... Merece ter vida não. Acuso é isto, acusação de morte. O diacho, cão!”

– “Ih! Arre!” – foi o que Zé Bebelo ponteou. Assim contracenando, todo o tempo – medo do Hermógenes remedou, de feias caretas.

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– “É o que eu acho! É o que eu acho!” – O Hermógenes então quase gritou, por terminar: – “Sujeito que é um tralha!”

– “Posso dar uma resposta, Chefe?” – Zé Bebelo perguntou, sério, a joca Ramiro. Joca Ramiro concedeu.

- “Mas, para falar, careço que não me deixem com as mãos amarradas...”

Nisso não havendo razão ou dúvida. E Joca Ramiro deu ordem. João Frio, que de perto dele não se apartava, veio de lá, cortou e desatou a manupeia nas juntas dos pulsos. Que era que Zé Bebelo ia poder fazer? Isto:

– “P’r’ aqui mais p’r’ aqui, por este mais este cotovelo!...”

– disse, batendo mão e mão, com o acionado de desplante. E riu chiou feito um sõim, o caretejo. Parecia mesmo querer fazer raiva no outro, em vez de tomar cautela? Vi que tudo era enfinta; mas podia dar em mal. O Hermógenes pulou passo, fez menção de reluzir faca. Se teve mão em si, foi por forte costume. E Joca Ramiro também tinha atalhado, com uma aspação: – “Tento e paz, compadre mano-velho. Não vê que ele ainda está é azuretado...”

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– “Ei! Com seu respeito, discordo, Chefe, maximé!” – Zé Bebelo falou. – “Retenho que estou frio em juízo legal, raciocínios. Reajo é com protesto. Rompo embargos! Porque acusação tem de ser em sensatas palavras – não é com afrontas de ofensa de insulto...” – Encarou o Hermógenes: – “Homem: não abusa homem! Não alarga a voz!...”

Mas o Hermógenes, arriçado, crível que estivesse todo no poder bravo de uma coceira, falou para Joca Ramiro – e para todos que estávamos lá – falou, numa voz rachada em duas, voz torta entortada:

– “Tibes trapo, o desgraçado desse canalha, que me agravou! Me agravou, mesmo estando assim vencido nosso e preso... Meu direito é acabar com ele, Chefe!”

Vi a mão do perigo. Muitos homens resmungaram em aprovo, ali rodeando, os tantos, dez ou vinte círculos, anéis de gente. Rentes os do bando do Hermógenes chegaram a dar altas palavras, de calca pá. Questionou-se a respeito disso? Tinham barulhos na voz. Mesmo os chefes entre si cochicharam. Mas Joca Ramiro sabia represar os excessos, Joca Ramiro era mesmo o tutumumbuca, grande maioral. Temperou somente:

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– “Mas ele não falou o nome-da-mãe, amigo...”

E era verdade. Todo o mundo concordou, pelo que vi de todos. Só para o nome-da-mãe ou de “ladrão” era que não havia remédio, por ser a ofensa grave. Com Joca Ramiro explicar assim, não havia jagunço que não aceitasse o razoável da ponderação, o relembrado. O Hermógenes mesmo se melou na atrapalhação das ligeirezas, e aí tinha de condizer. Nada ele não disse: mas abriu quadrada a boca, em careta de quem provou pedra de sal. E Zé Bebelo mesmo aproveitou para mudar o aspecto – para uma certa circunspecção. Se via que ele pensava a curto ganho no estreito, por detrás daquele sonsar. Trabalho de idéia em aperto, pelo pão de salvar sua vida da estrosca.

Imediato, Joca Ramiro deu a vez a Só Candelário, não deixando frouxura de tempo para mais motim: – “Hê, e você, compadre? Qual é a acu. sação que se tem?”

Sobre o que, sobreveio Só Candelário, arre avante, aos priscos, a figura muita, o gibão desombrado. Sobrava fala: –

“Com efeito! Com efeito!...” – falou. Vai, vai, forteou mais a voz:

– “Só quero pergunta: se ele convérn em nós dois resolvermos isto à faca! Pergunto para briga de duelo... É o que acho! Carece mais de discussão não... Zé Bebelo e eu – nós dois, na faca!...”

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Só Candelário mais longe não conseguia de dizer, só repetia aquilo, desafio, e no mais se mexer, feito com são-guido ou escaravelho. Sem raiva quase nenhuma – notei; mas também sem nenhuma paciência. Só Candelário sendo assim. Mas aí Joca Ramiro remediou, dizendo, resistencioso, e escondeu o de que ria:

– “Resultado e condena, a gente deixa para o fim, compadre. Demore, que logo vai ver. Agora é a acusação das culpas. Que crimes o compadre indica neste homem?”

– “Crime?... Crime não vejo. É o que acho, por mim é o que declaró com a opinião dos outros não me assopro. Que crime? Veio guerrear, como nós também. Perdeu, pronto! A gente não é jagunços? A pois: jagunço com jagunço – aos peitos, papos. Isso é crime? Perdeu, rachou feito umbuzeiro que boi comeu por metade... Mas brigou valente, mereceu... Crime, que sei, é fazer traição, ser ladrão de cavalos ou de gado... não cumprir a palavra...”

– “Sempre eu cumpro a palavra dada!” – gritou de lá Zé Bebelo... Só Candelário olhou encarado para ele, rente repente, como se nos instantes antes não soubesse que ele estava ali a três passos. Só assim mesmo prosseguiu:

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– “... Pois, sendo assim, o que acho é que se deve de tornar a soltar este homem, com o compromisso de ir ajuntar outra vez seu pessoal dele e voltar aqui no Norte, para a guerra poder continuar mais, perfeita, diversificada...”

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