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ou, então, que se armasse ali mesmo rixa feia: metade do povo para lá, metade para cá, uns punindo pelo bem da justiça, os outros nas voltas da cauda do demo! Mas que faca.e fogo

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas houvesse, e braços de homens, até resultar em montes de mortos e pureza de paz... Sal que eu comi, só.

Abre que, ah, outra vez, Joca Ramiro reproduziu a pergunta: – “Que se tiver algum...” – e isto e aquilo, tudo o mais. Me armei dum repente. Me o meu? Eu agora ia falar – por que era que não falava? Aprumei corpo. Ah, mas não acertei em primeiro: um outro começou. Um Gu, certo papa-abóbora, beiradeiro, tarraco mas da cara comprida; esse discorreu:

– “Com vossas licenças, chefe, cedo minha rasa opinião.

Que é – se vossas ordens forem de se soltar esse Zé Bebelo, isso produz bem... Oséquio feito, que se faz, vem a servir à gente, mais tarde, em alguma necessidade, que o caso for... Não ajunto por mim, observo é pelos chefes, mesmo, com esta vênia. A gente é braço d’armas, para o risco de todo dia, para tudo o miúdo do que vem no ar. Mas, se alguma outra ocasião, depois, que Deus nem consinta, algum chefe nosso cair preso em mão de tenente de meganhas – então também hão de ser tratados com maior compostura, sem sofrer vergonhas e maldades... A guerra fica sendo de bem-criação, bom estatuto...”

Aquilo era razoável. A ver, tinha saído tão fácil, até Joca Ramiro, em passagens, animou o Gu, com acenos. Tomei

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas coragem mais comum. Abri a minha boca. AI, mas, um outro campou ligeiro, tomou a mão para falar: Era um denominado Dosno, ou Dosmo, groteiro de terras do Cateriangongo – entre o Ribeirão Formoso e a Serra Escura – e ele tinha olhos muito incertos e vesgava. Que era que podia guardar para dizer um homem desses, capiau medido por todos os capiaus do meu Norte?

Escutei.

– “Tomém pego licença, sós chefes. Em que pior não veja, destorcendo meu desatino. É-que, é-que... Que eu acho que seja melhor, em antes de se remitir ou de se cumprir esse homem, pois bem: indagar de fazer ele dizer ond’é que estão a fortuna dele, em cobre... A mó que se diz – que ele possederá o bom dinheiro, em quantia, amoitado por aí... É só, por mim, é só, com vosso perdão... Com vosso perdão...”

Riram, uns; por que é que riram? – rissem. Dei como um passo adiante, levantei mão e estalei dedo, feito menino em escola. Comecei a falar. Diadorim ainda experimentou de me reter, decerto assustado: – “Espera, Riobaldo...” – tive o siso da voz dele no ouvido. Aí eu já tinha principiado. O que eu acho, disse, supri neste mais menos fraseado:

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– “Dê licença, grande chefe nosso, Joca Ramiro, que licença eu peço! O que tenho é uma verdade forte para dizer, que calado não posso ficar...” Digo ao senhor: que eu mesmo notei que estava falando alto demais, mas de me abrandar não tinha prazo nem jeito – eu já tinha começado. Coração bruto batente, por debaixo de tudo. Senti outro fogo no meu rosto, o salteio de que todos a finque me olhavam. Então, eu não aceitei niw guém, o que eu não queria era ver o Hermógenes. Não pôr as capas dos olhos nem a idéia no Hermógenes – que Hermógenes nenhum neste mundo não tivesse, nenhum para mim, nenhum de si! Por isso, prendi minhas vistas só num homem, um que foi o qualquer, sem nem escolha minha, e porque estava bem por minha frente, um pardo. Pobre, esse, notando que recebia tanto olhar, abaixou a cara, amassado de não poder outra coisa. No eu falando:

–... Eu conheço este homem bem, Zé Bebelo. Estive do lado dele, nunca menti que não estive, todos aqui sabem. Saí de lá, meio fugido. Saí, porque quis, e vim guerrear aqui, com as ordens destes famosos chefes, vós... Da banda de cá, foi que briguei, e dei mão leal, com meu cano e meu gatilho... Mas, agora, eu afirmo: Zé Bebelo é homem valente de bem, e inteiro, que honra o raio da palavra que dá! Aí. E é chefe jagunço, de primei-

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas ra, sem ter ruindades em cabimento, nem matar os inimigos que prende, nem consentir de com eles se judiar... Isto, afirmo! Vi.

Testemunhei. Por tanto, que digo, ele merece um absolvido escorreito, mesmo não merece de morrer matado à-toa... E isto digo, porque de dizer eu tinha, como dever que sei, e cumprindo a licença dada por meu grande chefe nosso, Joca Ramiro, e por meu cabo-chefe Titão Passos!...”

Tirei fôlego de fôlego, latejei. Sei que me desconheci.

Suspendi do que estava:

–... A guerra foi grande, durou tempo que durou, encheu este sertão. Nela todo o mundo vai falar, pelo Norte dos Nortes, em Minas e na Bahia toda, constantes anos, até em outras partes... Vão fazer cantigas, relatando as tantas façanhas... Pois então, xente, hão de se dizer que aqui na SempreVerde vieram se reunir os chefes todos de bandos; com seu cabras valentes, montoeira completa, e com o sobregoverno de Joca Ramiro – só para, no fim, fim, se acabar com um homenzinho sozinho – se condenar de matar Zé Bebelo, o quanto fosse um boi de corte?

Um fato assim é honra? Ou é vergonha?...”

– “Para mim, é vergonha...” – o que em brilhos ouvi: e quem falou assim foi Titão Passos.

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– “Vergonha! Raios diabos que vergonha é! Estrumes! A vergonha danada, raios danados que seja!...” – assim; e quem gritou, isto a mais, foi Só Candelário.

Tudo tão aos traques de-repente, não sei, eu nem acabei o relance que me arrepiou minha idéia: que eu tinha feito grande toleima, que decerto ia ser para piorar – o que foi no eu dizer que Zé Bebelo não matava os presos; porque, se do nosso lado se matava, então não iam gostar de escutar aquilo de mim, que podia parecer forte reprovação. Aos brados bramados de Sô Candelário, temi perder a vez de tudo falar. Aí, nem olhei para Joca Ramiro – eu achasse, ligeiro demais, que Joca Ramiro não estava aprovando meu saimento. Aí, porque nem não tive tempo

– porque imediato senti que tinha de completar o meu, assim:

– `... A ver. Mas, se a gente der condena de absolvido: soltar este homem Zé Bebelo, a mãvazias, punido só pela derrota que levou – então, eu acho, é fama grande. Fama de glória: que primeiro vencemos, e depois soltamos...” ; em tanto terminei de pensar: que meu receio era tolo: que, jagunço, pelo que é, quase que nunca pensa em reto: eles podiam achar normal que da banda de cá os inimigos presos a gente matasse,

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas mas apreciavam também que Zé Bebelo, como contrário, tivesse deixado em vida os companheiros nossos presos. Gente airada...

– “... Seja fama de glória! Só o que sei... Chagas de Cristo!...” – eta Só Candelário tornou a atalhar. Desadorou-se!

Senhor de bofe bruto, sapateou, de arrompe: os de perto se afastando, depressa, por a ele darem espaço. Agora o Hermógenes havia de alguma coisa dizer? O Hermógenes experimentava os dentes nos beiços. Ricardão fazia que cochilava. Só Candelário era de se temer inteiro.

Somente que, em vez do trestampo, que a gente esperasse, e que ninguém bridava, ele Só Candelário espiou para cima, às pasmas, consoante sossegado estúrdio recitou, assim em tom – a bonita voz, de espírito:

– “... Seja a fama de glória... Todo o mundo vai falar nisso, por muitos anos, louvando a honra da gente, por muitas partes e lugares. Hão de botar verso em feira, assunto de sair até divulgado em jornal de cidade...” – Ele estava mandarino, mesmo.

Aí eu pensei, eu achei? Não. Eu disse. Disse o verdadeiro, o ligeiro, o de não se esperar para dizer: – “... E, que perigo que

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas tem? Se ele der a palavra de nunca mais tornar a vir guerrear com a gente, decerto cumpre. Ele mesmo não há de querer tornar a vir. É o justo. Melhor é se ele der a palavra de que vai-s’embora do Estado, para bem longe, em desde que não fique em terras daqui nem da Bahia...” – eu disse; disse mansinho mãe, mansice; caminhos de cobra.

– “Tenho uns parentes meus em Goiás...” – Zé Bebelo falou, avindado de repente. E falou quando não se aguardava, e também assim com tanta vontade de falar, que alguns muito se riram. Eu não ri. Tomei uma respiração, e aí vi que eu tinha terminado. Isto é, que comecei a temer. Num esfrio, num átimo, me vesti de pavor. O que olhei – Joca Ramiro teria estado a gestos? – Joca Ramiro fazendo um gesto, então queria que eu calasse absolutamente a boca; eu não possuía vênia para discorrer no que para mim não era de minha alta conta. Eu quis, de repentemente, tornar a ficar nenhum, ninguém, safado humildezinho...

Mas Titão Passos trucou, senhor-moço. Titão Passos levantava a testa. Ele, que no normal falava tão pouco, pudesse dar capacidade de tantas constâncias?

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Titão Passos disse: – “... Então, ele indo para bem longe, está punido, desterrado. É o que eu voto por justo. Crime maior ele teve? Pelos companheiros nossos, que morreram ou estão ofendidos passando mal, tenho muito dó...”

Só Candelário disse: – “... Mas morrer em combate é coisa trivial nossa; para que é que a gente é jagunço?! Quem vai em caça, perde o que não acha...”

Titão Passos disse: – “... E mortes tantas, isso não é culpa de chefe nenhum. Digo. E mais que esses grandes de nossa amizade: doutor Mirabô de Melo, coronel Caetano, e os outros –

hão de concordar com a resolução que a gente tome, em desde que seja boa e de bom proveito geral. É o que eu acho, Chefe. Às ordens...” – Titão Passos terminou.

O silêncio todo era de Joca Ramiro. Era de Zé Bebelo e de Joca Ramiro.

Ninguém não reparava mais em mim, não apontavam o eu ter falado o forte solene, o terrivelmente; e então, agora, para todos os de lá, eu não existisse mais existido? Só Diadorim, que quase me abraçava: – “Riobaldo, tu disse bem! Tu é homem de todas valentas_” Mas, os outros, perto de mim, por que era que

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas não me davam louvor, com as palavras: – Gostei de ver!

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