perguntei. Um Federico Xexéu, que vinha de recado, botava o fácil desânimo: – “Ih! Zé Bebel’? Evém ele, com gentes de nuvens gentes...” A desléguas, se guerreava. A gente recebia a noticia. Aí – cavalaria chusma, arruá que chegando, aos estropes, terras arribavam: – “Eta, é?!” Sendo que era não. Só era Só Candèlário, de repente. Apareceu, com aqueles muitos homens.
Sus, esbarrou o cavalo tão de repente, que o corpo dele se encurtou pela metade. Só Candelário. Esse era alto, trigueiro azul,
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas quase preto, com bigode amarelecido. Homem forçoso, homem de fúria. Mandou que mandava. Em hora de fogo, pulava à frente de todos, bramava o burro. Tomou a chefia geral, debaixo dele o Hermógenes parecia um diabo coitado. Só Candelário era o para enfrentar Zé Bebelo. Salvante que seria para tudo. Se apeou, ficou um demorado tempo de costas para a gente.
Saudei o Fafafa, que era homem também dele: com os de Só Candelário, o Alaripe e o Fafafa tinham outra vez aparecido.
O Fafafa, o que ele pois então me falou, numa ocasião terrível...
Ah, mas o que eu antes não contei: o do preso. Antes, como foi que se passou, como estávamos em bons escondidos, em volta da casa dum sitiante, no Timba-Tuvaca, casa caiada, casa-de-telhas. Uns em grota, uns em altos de árvores, tinha gente até dentro de chiqueiro, na lama dos porcos. Aí chegaram os bebelos
– uns trinta? Tiroteamos na suspensão deles, os quantos que matamos, matamos, os mais fugiram sem após. Um ficou preso.
Nem tinha nenhum ferimento. – “Que é que vão fazer com ele?”
– eu perguntei. Será que iam matar? – “É verdade, acho que sim.
Pois, amigo, a gente tem lá meios para guardar prisioneiro vivo?
Se degola é da banda da direita para a esquerda...” – o que o Fafafa me respondendo. No que dizia, ele tinha razão. Mas, quem seria que ia cumprir de dar o fim n’aquele pobre moço? O
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Hermógenes? Decerto era ele. Cocei os olhos, eu queria saber e não saber. Sabia nem o nome, como se chamava o rapaz, que ia morrer, assim no meio de toda boa ordem, por necessidade nossa
– porque, se solto, ele tornava a se juntar com os outros, dar relatórios. Vim para a beira do córrego. Vendo como levavam o rapaz, como ele caminhava normal, seguindo para aquilo com seus dois pés. Essa injustiça não podia ser! Assim, os que passavam, depois, que decerto iam para matar, eram outros, não vi o Hermógenes. Um, um Adílcio, com vaidade de ser capaz da maldade qualquer, pavão de penas. O outro, Luís Pajeú.
Imaginado, a que iam matar o homem, lá nas primeiras árvores da capoeira, assim. Ânsia de dó, apalpei o nó na goela, ardi.
Aquilo fosse sonho mero, então só sonho; ou, não fosse, então eu carecia de uma realidade no real, sem divago! Ajoelhei na beirada, debrucei, bebi água com encostando a boca, com a cara, feito um cachorro, um cavalo. A sede não passava, minha barriga devia de estar inchada, igual a de um sapo, igual um saco de todo tamanho. A umas cem braças para cima, onde o córrego atravessava a capoeira, estavam esfaqueando o rapaz, e eu espiava para a água, esperando ver vir misturado o sangue vermelho dele
– e que eu não era capaz de deixar de beber. Acho que eu estava com uma febre.
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Aquele grande gritar, de se estremecer. Diadorim me puxou. Só Candelário subido em sela, aforçurado regendo: a pronto ele queria o punhadão de homens, se ia para o É-Já, p’ra lá do Bró, em todo o seguir. – “Vamos, Riobaldo! É para se esperar Joca Ramiro...” Assim Diadorim me empurrou. Montei.
Sem tento, pisei um estribo, o outro o meu pé não achava. –
“Tocar ligeiro, Riobaldo!” – Diadorim me atanazando. Aquilo que lavorava em minha cabeça – ah, mas, aí, quem é que eu vi?
O rapaz, aquele, o preso, vivo e exato. Também montado num cavalo. Assim o que me contaram: que não ia morrer, não, iam matar não, Só Candelário tinha favorecido perdão a ele, por causa de sua mocidade. – “Ele é baiano, para a Bahia volta, vamos levar mais adiante, para se soltar, para lá...” Me alegrei de estrelas. Conforme mais me deram explicação, aquele não oferecia perigo mais de tornar a se juntar com os outros bebelos e vir outra vez de armas contra a gente: porque se tinha providenciado de rezar nele uma reza de tirar a coragem de guerra, feito ato, mandraca de se abobar! Tudo tinha graça. Mas, e o Luís Pajeú e o Adílcio, então, do modo que vi? Pois, esses passaram com as facas-de-arrasto, mas porque iam ajudar a retalhar o porco, porção que se levava, dali, em carne e toucinhos. Ah, eu tinha bebido àtoa gorgol d’água. Se deu
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas galope. Me pareceu que daí adiante, a partir disso, o tudo era para só ser a desatinada doidice. Só Candelário galopava em frente de todos. Se ia – feito o rei dos ventos.
O lugar onde esbarramos, no É-Já, era logo depois da ponte de pau, que estando esburacada: atravessamos mais embaixo, mau vau, por espirro de águas e escorrego em lisas pedras soltadas, no ribeirão lajeal. Ter, lá, ainda não tinha ninguém; até me deu desengano. Mas tudo, no redor, era verde capim em beira fresca, aguada e pastos bons. Atrevi que quis: –
“E Joca Ramiro?” Mas Diadorim se compôs: – “Agora, aqui, Riobaldo, é o ponto: inimigo vindo, morremos; mas nem um bebelo não tem licença quieta de passar!” Diadorim a tanto impante, eu debiquei: – “Ah, me importa! Não é o que é se ver Joca Ramiro? Pois eu estou vendo.” – “Rezinga não, Riobaldo. A horas destas, Joca Ramiro deve de estar investindo aqueles, e tudo destralhado vencendo...” – foi o que ele perfez. Atrás disso, eu em ojeriza: – “Você sabe, hem, sabe. Os grandes segredos...”
– fui falei. Mas, em passos desses, Diadorim sempre me apeava.
Como o que reprovou: – “Sei de nada. Sei o que você pode saber também, Riobaldo. Mas conheço Joca Ramiro, sozinho que pensa as partes. Conheço Só Candelário – que só comparece é em fecho de forte decisão...”
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Ao que era. Nos dias em que tivemos de montar guarda nos lajeiros e lajeados, aprendi os rasgos daquele homem. Só Candelário – como vou explicar ao senhor? Ele era um. Acho que nem dormia, comia o nada, nada, às pressas, pitava o tempo todo. E olhava para os horizontes, sem paciência neles, parecia querer mesmo: guerra, a guerra, muita guerra. Donde ele era, donde vindo? Me disseram: desses desertos da Bahia. Passava, não me olhava. Ocasião, então, Diadorim a ele me mostrou: –
“Este é o meu amigo Riobaldo, chefe...” Aí, Só Candelário me divisou, sempre me viu. Rir sorrir ele não sabia – mas sossegava um modo nos olhos, que tomavam um sério bom, por um seu instante, apagando de serem aqueles olhos encarniçados: e isso figurava de ser um riso. Que conhecia Diadorim, e prezando muito, desde vi. – “Riobaldo, Tatarana, eu sei...” – ele falou –
“Tu atira bem, tem o adestro d’armas...” E foi andando; acho que dele ainda ouvi: ...”amizade nas festas...”? Conseguia nem ficar parado. E, por um ponto ou outro, que eu não divulguei bem, ele tinha algum estilo de ar de parecença com o próprio Zé Bebelo.
Mas o Alaripe foi que me contou, uma coisa que todos sabiam e nela falavam. Que Só Candelário caçava era a morte. E
bebia, quase constantemente, sua forte cachaça. Por quê? Digo ao senhor: ele tinha medo de estar com o mal-de-lázaro. Pai dele
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas tinha adoecido disso, e os irmãos dele também, depois e depois, os que eram mais velhos. Lepra – mais não se diz: ai é que o homem lambe a maldição de castigo. Castigo, de quê? Disso é que decerto sucedia um ódio em Só Candelário. Vivia em fogo de idéia. Lepra demora tempos, retardada no corpo, de repente é que se brota; em qualquer hora, aquilo podia variar de aparecer.
Só Candelário tinha um sestro: não esbarrava de arregaçar a camisa, espiar seus braços, a ponta do cotovelo, coçava a pele, de em sangue se arranhar. E carregava espelhinho na algibeira, nele furtava sempre uma olhada. Danado de tudo. A gente sabia que ele tomava certos remédios – acordava com o propor da aurora, o primeiro, bebia a triaga e saía para lavar o corpo, em poço, para a beira do córrego ia indo, nu, nu, feito perna de jaburu. Aos dava. Hoje, que penso, de todas as pessoas Só Candelário é o que mais entendo. As favas fora, ele perseguia o morrer, por conta futura da lepra; e, no mesmo do tempo, do mesmo jeito, forcejava por se sarar. Sendo que queria morrer, só dava resultado que mandava mortes, e matava. Doido, era? Quem não é, mesmo eu ou o senhor? Mas, aquele homem, eu estimava.
Porque, ao menos, ele, possuía o sabido motivo.
Tanto que o inimigo não dava de vir, pois bem, a gente ficava em nervosias. Alguns, não. Feito aquele Luzié, que cantava