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“Não é que ele é mesmo o chefe de todos? Não é que é mandante?” – Diadorim me perguntava. Era. Mas eu não percebi o vivo do tempo que passava. Eles já estavam indo de saída. Montado no cavale branco, Joca Ramiro deu uma despedida. Vi que ele com os olhos caçou Diadorim. Só Candelário gritou: – “Viva Jesus, em rotas e vantagens!” E, num bufúrdio, todos esporaram, andaram, ao assaz. A alta poeira, que demorava. Aquilo parecia uma música tocando.

Desde ver, a figura dele tinha parado no meio da gente, noutra coisa não se falava. Aí em festa feita a gente tramava nas armas: Joca Ramiro entrava direto em combate, então ia ser o fim da guerra! – “Só Candelário queria ir também, mas teve de aceitar ordem de ficar...” – Diadorim me explicou. Segundo disse – que Só Candelário, por aquela ânsia e soência, de avançar, a avançar, agora podia desequilibrar a boa regra de tudo. Seria para ficar de espera, tapando o mundo aos que aqui o mundo quisessem. Assim, mais, Joca Ramiro tinha mandado: que nosso grupo se repartisse, em aos três ou quatro piquetes, para valer de vigiar bem os vaus e suas estradas. Diadorim e eu

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas fizemos parte duma turma dessas, duns quinze homens, chefia de João Curiol – fomos para a baixa dos Umbuzeiros, lugar feio, com os gravatás poeirentos e uns levantados de pedra. Partindo desse vau, a gente pega uma chapadinha – a Chapada-da-Seriema-Correndo. A que parecia mesmo de propósito. Porque foi lá, com todo o efeito, que a cara da caça se apareceu. Aquilo, terrível. Conto já ao senhor, duma vez.

Terrível, tido, por causa da ligeireza com que aquilo veio.

Surpresa a gente sempre tem, o senhor sabe, mesmo em espera: dá a vez, e não se vê, à parva. Não se crê que é. Tão de repente.

O vento vinha bom, da parte d’eles chegarem, de formas que o galope pronto se ouviu. Escoramos as armas. Assim que eles eram uns vinte. Passaram o ribeirão, com tanta pressa, que a água se esguichou farta, vero bonito aquilo no sol. Demos fogo.

Do que podia suceder. Vi homem despencado demais, os cavalos patatrás! Dada a desordem. Só cavalo sozinho podia fugir, mas os homens no chão, no cata, cata. Ao que, a gente atirava! Se morria, se matava, matava? Os cavalos, não. Mas teve um, veio, à de se doidar, se espinoteava, o cavaleiro não agüentava na rédea, chegaram até perto de nós, aí todos os dois morreram de repente. Meu senhor: tudo numa estraga

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas extraordinária. Mas aqueles eram homens! Trampe logo que puderam, os sobrantes deles se desapearam e rastejaram, respondendo ao fogo. Ah, puderam tomar oculto atrás de outras fragas de pedra, nisso a gente não conseguiu ter mão. Ainda deviam de ser uns dez, ou uns oito. Afa que gritavam, em febre de ódio, xingando todo nome. A gente, também. Anhãnhãe, berrávamos fogo, quando sinal de homem tremeluzia. As balas rachavam as pedras, só partiam escalhas. Um se mostrou, caiu logo. Munição deles era pouca. Fugir, mesmo, não podiam. A gente atirava. Aí deviam de ser uns seis – que é a meia-dúzia. –

“Aoê, sabe quem está lá, comandando?” – o rastejador Roque me disse. – “Sabe quem?” Ah, eu sabia. Eu tinha sabido, o em desde o primeiro momento. Era quem eu não queria para ser.

Era Zé Bebelo!

Assim eu condenado para matar.

Aqui eu não sei o que o senhor não sabe. – “A fogo! A crevo!” – isto João Curiol gritava. Antes do depois, neles a gente ia ir a pano de facão. – “Tralha! Lá vai obra, cão, carujo!

Roncolho!” – isto era a voz de Zé Bebelo, gritava. Eu não gritei.

Diadorim também atirava calado. Munição deles – quase nenhuma. Eles deviam de ser uns quatro, ou três. O cano do

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas meu rifle esquentava demais. – “Roncolho! Toma...” Um Freitas, nosso, gritou, caiu muito ferido. A bala era de Zé Bebelo. Atiramos, grosso. Eles respondendo. Respondiam pouco. Deviam de ser... os quantos? Digo ao senhor: eu gostava de Zé Bebelo. Redigo – que. eu menos atirava do que pensava.

Como era possível, assim, com minha ajuda, a morte dele? Um homem daquela qualidade, o corpo dele, a idéia dele, tudo que eu sabia e conhecia. Nessas coisas eu pensei. Sempre – Zé Bebelo – a gente tinha que pensar. Um homem, coisa fraca em si, macia mesmo, aos pulos de vida e morte, no meio das duras pedras. Senti, em minha goela. Aquela culpa eu carregava?

Arresto gritei: – “Joca Ramiro quer esse homem vivo! loca Ramiro quer este homem vivo! Joca Ramiro faz questão!...” A que nem não sei como tive o repente de isso dizer – falso, verdadeiro, inventado...

Gritei firme, repeti.

Os outros companheiros aceitavam aquilo, diziam também, até João Curiol: – loca Ramiro quer este homem vivo!”

– “É ordem de Joca Ramiro!” De lá não atiravam mais. Só bala ou outra, só. – “Arre, à unha, chefe?” – o Sangue-de-Outro perguntou. João Curiol respondeu que não. Eles deviam de estar

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas reservando balas para um final. – “Ordem de loca Ramiro: é pegar o homem vivo...” – ainda eu disse. Ali Zé Bebelo eu sal-vasse. Todos aprovaram. Eu sei, eu sei? O senhor agora vai não me entendes, O como são as coisas. Todos me aprovaram – e, aí, extraordinariamente, eu dei um salto de espírito. O que? Mas, então, eu não tinha pensado tudo, o real?! O que era que eu estava fazendo, que era que eu estava querendo – que pegassem vivo Zé Bebelo, em carnes e ossos, para depois judiarem com ele, matarem de outro pior jeito, a fácil?! Minha raiva deu em mim. Me mordi, me abri, me-amargo. Tanto tudo ia sendo sempre’ por minha culpa! E daí pedi tudo ao rifle é às cartucheiras. Eu atirava, atirava: queria, por toda a lei, alcançar um tiro em Zé Bebelo, para acabar com ele de uma vez, sem martírio de sofrimentos. – “Tu está louco, Riobaldo?” –

Diadorim gritou, rastejando para perto de mim, travando em meu braço. – “Joca Ramiroquer o homem vivo! Joca Ramiro quer, deu ordem!” – todos agora me gritavam. Assim contra mim, assim todos. O que eu havia de desmentir? E não vi direito, o fato. O que vi foi Zé Bebelo aparecendo, de repente, garnisé. O que ele tinha numa mão, era o punhal; na outra uma garrucha grande, fogo-central. Mas descarregou a garrucha, atirando no chão, perto dos pés dele, mesmo. Arrancou poeira.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Por trás daquela poeira ele reapareceu, dava pensamento assim –

aprumado, teso; de briga. Lampejou com o punhal, e esperou.

Ele mesmo estava querendo morrer à brava, depressamente.

Olhei, olhei. De atirar nele, de todo jeito não tive coragem. Ah, não tinha! E um dos nossos, não sei quem, jogou o laço. Zé Bebelo mal ainda bateu com um pé, por se firmar, e caiu, arrastado, voz que gritou: – “Canalha! Canalha!” Mas todos foram nele, desarmaram do punhal. Eu parei quieto, vago, se me estranho. Não queria, ah não queria que ele me reconhecesse.

Sobrevinha o tropel grande de cavaleiros. Aos quais: era Joca Ramiro; com sua gente total. Subiu pó e pó, por ouros, poeira de entupir o narii e os olhos. Agarrei de mim, sentado lá, no mesmo meu lugar, atrás do pedação de pedra. O que eu estava era envergonhado. O fuzuê se fez um enorme. Sendo que chegavam também os outros grupos nossos, escutei os brados de Só Candelário. A roda de cavaleiros tantos, no raso, sempre maior. Algum soprou o buzo do corno de boi. Tocavam para o acampamento. Mas Diadorim estava me caçando, e mais João Curiol, pelos mortos e feridos que também tínhamos, e também ali ele devia de ter perdido algum trem seu, objeto. –

“Homem danado...” – ouvi o que um dizia. Meus olhos firmavam no chão, agora eu via que tremia. – “Ipa! Zé Bebelo,

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas oxém, ganhou patente. É estragador!” Eu falei: – “É?” – e neste entretanto. Ao menos Diadorim raiava, o todo alegre, às quase danças: – “Vencemos, Riobaldo! Acabou-se a guerra. A mais, Joca Ramiro apreciou bem que a gente tivesse pegado o homem vivo...” Aquilo me rendia pouco sossego. E depois? – “Para que, Diadorim? Agora matam? Vão matar?” Mal perguntei. Mas o João Curiol virou e disse: – “Matar não. Vão dar julga; mento...”

– “Julgamento?” – não ri, não entendi.

– “Aposto que sei. Aí foi ele mesmo quem quis. O

homem estúrdio! Foi defrontar com Joca Ramiro, e, assim agarrado preso, do jeito como desgraçado estava, brabo gritou:

– Assaca! Ou me matam logo, aqui, ou então eu exijo julgamento correto legal!... e foi. Aí Joca Ramiroconsentiu, apraz-me, prometeu julgamento já...” – isto o que falou João Curiol, para me dar a explicação.

Agradeci mesmo isso, a cisma não era para pôr peso em meus peitos. Saímos ainda com João Concliz, a ir em longe arredor, prevenir os que faltavam. A vinda geral. A gente de Titão Passos e do Hermógenes mandava aviso de estarem em caminho. Os do Ricardão já aos tantos chegavam. Saí, com esses de João Concliz. Fui. Fiz questão. Eu não queria retornar logo,

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