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Proposta de atividades ii: Este livro e as outras áreas do conhecimento, 25

Pré-leitura, 25

Leitura, 27

Pós-leitura, 31

Aprofundamento: Análise estética e crítica da obra, 37

Sugestões de referências complementares, 41

Bibliografia comentada, 42

Obras citadas, 44

Apresentação

Cara professora, caro professor,

Neste manual, você vai encontrar material de apoio para o trabalho com o livro Ensaio sobre a cegueira. Desde já, enfatizamos que as propostas de atividades feitas aqui são sobretudo sugestões e não pretendem esgotar as possibilidades de leitura da obra.

Ele é composto dos seguintes itens:

1. Carta: conversa coloquial que contextualiza a obra e dados biográfi-cos do autor, além de apresentar sua importância para a vivência literária no Novo Ensino Médio.

2. Propostas de atividades i: Este livro e as aulas de Língua Portuguesa: sugestões para o encaminhamento do trabalho antes, durante e após a leitura.

3. Propostas de atividades ii: Este livro e as outras áreas do conhecimento: sugestões voltadas a professores de outros campos do saber para trabalhar a obra literária em atividades de pré-leitura, leitura e pós-leitura.

4. Aprofundamento: Análise estética e crítica da obra: subsídios e orienta-ções que auxiliem o professor a exercitar sua leitura crítica, criativa e propo-sitiva, articulando a expressão literária com outras produções e também com a experiência individual e social.

5. Sugestões de referências complementares: indicação de fontes diversas que podem enriquecer a experiência de leitura desta obra.

6. Bibliografia comentada: apresentação das obras usadas para elaborar este manual, com um breve comentário.

7. Obras citadas: lista com as referências citadas no texto.

Este material foi produzido com a supervisão da Comunidade Educativa cedac, instituição que atua na formação de educadores das redes públi-cas desde 1997, com ampla experiência em projetos que visam à formação de leitores, por meio da qualificação e institucionalização das práticas de leitura nas escolas. A coordenação pedagógica da ce cedac acompanhou a produção e a edição do material escrito por especialistas em literatura e didática da leitura. Houve cuidado não só em favorecer a análise dos aspectos literários 5

da obra, mas também em propor situações com o livro no contexto escolar, situações que favorecessem o diálogo com os estudantes e suas reflexões acerca da obra e de seu contexto sócio-histórico. O material também contou com a leitura crítica de toda a equipe envolvida na produção editorial.

A intenção foi indicar caminhos para que você, professor, possa me-diar uma experiência literária que seja significativa aos estudantes, amplian-do as condições para apreciarem esta e outras obras.

Esperamos que receba este material como um convite ao diálogo entre você e o livro, entre você e os estudantes.

Bom trabalho!

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Carta

Cara professora, caro professor,

Quem nunca leu um livro escrito décadas, às vezes séculos atrás e pen-sou: “Isso aqui é muito atual”? Não é raro termos o sentimento de que determinado autor está falando diretamente conosco e com a nossa realidade, apesar de já ter morrido, apesar de muitas vezes ter escrito sua obra antes de termos nascido. No caso do livro Ensaio sobre a cegueira, do escritor português José Saramago, é como se ele tivesse previsto a pandemia da covid-19

— e, não por acaso, este foi um dos livros mais vendidos em 2020, quando o coronavírus se espalhou pelo mundo. É como se essas grandes obras da literatura e da arte previssem o futuro.

Claro que não se trata disso, pois ainda não inventamos uma máquina do tempo. Mas os grandes pensadores têm uma percepção muito aguçada dos tempos, uma sensibilidade e um olhar para o mundo que lhes permitem enxergar os rumos da humanidade, o horizonte em direção ao qual estamos caminhando. Não à toa estamos falando de um autor que ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1998.

Sem dúvida, o caso de Saramago é um desses pensadores que anteveem o que viveremos: além de saber olhar para o futuro e compreender para onde caminhávamos, ele fez um apanhado belo e certeiro do passado. Ensaio sobre a cegueira é um romance no qual se pode observar, sob uma lente altamente crítica e nem um pouco otimista, o ser humano em sua essência, no que temos de pior, mas também de melhor. Tudo isso através das relações sociais que estabelecemos, através de nosso comportamento em grupo e da maneira como nos protegemos da morte, como nos relacionamos com ela. Ao mesmo tempo que o romance nos dá a ver nossas características mais animalescas e brutais, também deixa evidente que, diante da nossa fragilidade individual, a única resposta possível reside em nos unirmos, nem que seja para lutar contra o irreversível peso da morte. Talvez esse olho português tão crítico tenha escrito esse livro como um chamado à consciência. Será que soubemos ou saberemos escutá-lo?

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Amplitude da cegueira: relação entre o romancee outras áreas do conhecimento

Diante da amplitude temática desse romance, abordá-lo em sala de aula permite o diálogo com diversas outras áreas do conhecimento, como a antropologia e a sociologia, o que fica evidente pela complexidade da narrativa e por suas articulações com a história da humanidade. Além disso, a obra também aponta para caminhos que nos permitem repensar a cidadania como um tema contemporâneo urgente, pois deixa evidente os contratos sociais presentes na formação das relações entre os homens e seus grupos, e revela a que servem e quais são suas origens.

A atualidade de Ensaio sobre a cegueira deve-se, claro, ao trabalho do autor que o escreveu, mas não devemos nos esquecer que o livro é recente: sua primeira publicação data de 1995, de forma que não está tão distante de nós. Assim como muitos países do mundo, incluindo o Brasil, Portugal pas-sou, no século xx — mais especificamente de 1933 a 1974 —, por um período de ditadura militar, chamado de Estado Novo. Sem dúvida alguma, essa vivência o influenciou muito, na medida em que ocupou metade da vida de José Saramago, que viveu entre 1922 e 2010. No caso do romance em questão, percebemos como o autoritarismo e a crueldade imperam nas dinâmicas relacionais que se desenvolvem ali. Como veremos adiante, a violência, que tem um peso muito grande nesse livro e é descrita de maneira bastante explícita, está presente como uma forma de dominação de alguns grupos. É impossível não relacionar essas estratégias de violência como dominação com o período salazarista em Portugal, assim chamado em referência a António de Oliveira Salazar (1889-1970), ditador e líder do regime.

Em relação às opressões de seu país, não foi apenas como escritor que José Saramago se manifestou, mas também de maneira mais incisiva e ativa, no jornalismo. Após a Revolução dos Cravos, que depôs em 1974 o regime salazarista, Saramago ingressou na direção do Diário de Notícias, um dos principais jornais de Lisboa na época, e declarou que pretendia usar seu posto como ferramenta política para a construção do socialismo.

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Sobre a atuação de Saramago como “jornalista revolucionário”, ver o texto “Quando Saramago exigia ‘violência revolucionária’”: https://

www.dn.pt/arquivo/2005/quando-saramago-exigia-violencia-

revolucionaria-620488.html. Acesso em: 28 out. 2020.

Estamos falando de um homem multifacetado, que exerceu, durante seus 87 anos de vida, diversas funções e profissões. Tendo nascido em 1922, numa família de camponeses do Ribantejo, foi também serralheiro, desenhis-ta, funcionário público e editor. Talvez seu profundo conhecimento do mundo e da alma humana possam ter vindo daí, de suas múltiplas relações e de sua experiência em diversas áreas do conhecimento.

Relevância literária do autor e da obra

No romance sobre o qual falaremos neste material, as personagens, depois de serem acometidas por uma cegueira branca, descrita como um “mar de leite”, são forçosamente isoladas em um manicômio desativado, pois esse mal teria características endêmicas e atingiria rapidamente quem se aproxi-masse de alguém contaminado. A princípio, vemos só alguns poucos cegos presos numa quarentena extremamente rigorosa e relegados a condições animalescas. Porém, há nesse local uma variada seleção de seres humanos, advin-dos das mais diferentes profissões e realidades, todos completamente cegos.

Apesar da diversidade de personagens, acompanhamos uma delas de maneira mais próxima, por meio da narração — a única que, surpreendente-mente, não se contamina e consegue ver. Não sabemos como se chama, pois Saramago não dá nomes próprios a nenhuma das personagens nesse romance, mas ela é chamada “a mulher do médico”. Seu marido, oftalmologista, foi um dos primeiros a perder a visão, ao tentar tratar do primeiro homem que havia cegado; desse modo, o casal é colocado em quarentena logo no início da epidemia. A mulher do médico é a protagonista dessa história, junto de seu marido, e também uma das personagens mais interessantes e complexas da história da literatura. Dotada de um senso ético e uma moral impressionantes, acompanha seu marido de forma voluntária e atua de maneira ir-9

repreensível nessa jornada na qual ela mesma é o único norte na brancura luminosa à qual estão relegados os pobres homens.

Em termos formais, a construção das personagens é uma característica impressionante do escritor português. Ele traça perfis humanos altamente complexos sem precisar de muitas adjetivações e através das ações — e mesmo essas ações, que servem como traço para compreender as personagens, não são óbvias nem previsíveis, mas surpreendentes. Como leitores, ficamos a todo momento tentando entender o que leva uma ou outra personagem a agir daquela maneira.

Saramago nos chama à reflexão, cutuca nossa ética pessoal e nossos valores, nos interroga e nos faz pensar: o que faríamos no lugar daquelas pessoas? Ele faz isso não apenas pela complexidade das figuras, mas também por meio de seu narrador, outra instância muito interessante do romance e que pode ser tematizada em sala de aula, por ser surpreendente.

A relevância literária do narrador desse romance se mescla à manipulação altamente ardilosa que o escritor faz da pontuação. Sem indicar com travessões ou aspas as falas das personagens, e sem esclarecer sempre de quem é a fala que estamos lendo, Saramago mistura a voz do narrador com a das personagens, de uma maneira impressionante e fluida. Há vezes em que de fato não sabemos até que ponto o narrador interfere e opina na história e até que ponto está apenas repercutindo o pensamento de alguma personagem. Veremos com mais detalhamento essas estratégias durante a apresentação das atividades e também na análise estética aprofundada.

Essas características formais tão complexas localizam Saramago ao lado de grandes escritores mundiais contemporâneos a ele, como o israelense Amós Oz (1939-2018), e também deixam evidente sua influência em escritores da geração seguinte, como o também português Valter Hugo Mãe (1971).

A manipulação maestral da pontuação, por exemplo, é uma característica da produção de Saramago conhecida por todos os amantes da literatura, de modo que estamos falando de alguém que deixou sua marca no mundo, im-primiu um estilo próprio em sua obra e fez-se notar não só pela autenticidade formal, mas também pela enorme relevância dos temas tratados. Assim, não podemos deixá-lo de fora dos currículos do Novo Ensino Médio brasileiro, ainda mais tendo a chance de lê-lo no original.

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