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DI Á RIO DE LE IT U R A

Ensaio sobre a cegueira é uma leitura longa e bastante densa, que deve mobilizar os estudantes não só pela inteligência de um enredo alegórico que expõe de maneira impressionante as entranhas da humanidade, mas também pela terrível violência que aparece em muitas das partes do livro. Assim, será preciso tematizar em sala as escolhas do autor, os efeitos de uma violência tão explícita na sua recepção e as estratégias de descrição; mas, para que isso ocorra, primeiro é necessário acolher e problematizar os sentimentos dos estudantes diante da obra, bem como suas reflexões. E isso deve ser feito não apenas para ajudá-los a encarar esse clássico da literatura, mas também porque os sentimentos e as sensações dos leitores não são elementos que devem ser ignorados na análise de um livro, pelo contrário, podem ajudar-nos em sala de aula a construir interpretações com base nas estratégias de recepção do autor.

Tendo em vista a necessidade de acompanhamento que esse livro im-põe, propõe-se durante a leitura uma forma de escrita que ajude os estu-18

dantes a relacionarem-se com o material: um diário de leitura. Para isso, o ideal é que eles tenham algum caderninho que possam usar apenas para essa finalidade, mas, se isso não for possível, podem separar uma parte do caderno de Língua Portuguesa, por exemplo.

A ideia de um diário de leitura gira em torno da liberdade de não precisar escrever o que se espera escolarmente de uma leitura. Os estudantes poderão escrever absolutamente tudo o que lhes ocorrer enquanto leem —

sejam desconfortos, análises interpretativas, relações com a própria vida, elementos que os desagradaram. É muito importante, então, que o professor se comprometa a não ler o que os estudantes estão escrevendo, justamente para que eles se sintam à vontade para expressar verdadeiramente o que pensam e sentem. Isso não significa, no entanto, que esse diário não será usado em sala de aula; pelo contrário, a ideia é que ele seja intensamente usado, mas que possa configurar um espaço privado de investimento subjetivo.

Trata-se de uma proposta livre, que não deve ser tão direcionada. A única obrigatoriedade é que, todos os dias em que lerem alguma parte do livro, os estudantes escrevam algo sobre o livro. É claro que, quanto mais organizados forem para gerenciar o próprio tempo, melhor será o resultado; então vale a pena dizer isso para as turmas como forma de ajudá-las. Eventualmente pode haver certa resistência por parte de alguns em relação à proposta, mas, nesse caso, pode ser interessante dizer que eles podem escrever inclusive sobre a própria resistência, sobre o que sentem e percebem em relação a isso.

A ideia é compartilhar em sala de aula o diário, voluntariamente.

Quanto mais momentos em sala de aula houver para esse compartilhamento, melhor. Claro que eles devem falar para a turma apenas o que se sentirem à vontade para dizer, e podem inclusive falar o que pensam sobre a escrita do diário, sem expor o conteúdo dele. Sugere-se, inclusive, pedir que se prepa-rem para compartilhar suas leituras, selecionando anteriormente trechos a serem apresentados, ou mesmo que reescrevam algumas partes das anotações para dividi-las com os outros.

Como sugestão, seguem algumas partes do livro selecionadas como momentos importantes para discussão coletiva. Estão separadas pelo núme-ro aproximado de páginas, pois os capítulos no livro não são numerados: 19

Próximo à página 48: Vemos como o Governo rapidamente toma medidas muito autoritárias para contenção da epidemia, os leitores são levados a conviver junto do médico e de sua mulher no manicômio desativado. Sobre isso, sem dúvida os estudantes terão algo a dizer. Vale a pena perguntar como se sentiram em relação a medidas tão restritivas. Como todos terão também vivido a pandemia de covid-19, pode-se perguntar se sentem que no caso do coronavírus as medidas foram restritivas demais no mundo.

Qual seria o sentido de medidas como essa? Seria possível conter uma epidemia de maneira mais humana? Como? Nesse contexto, qual seria o papel da tecnologia que temos hoje, mas que é ausente no livro? esse também pode ser um bom momento para começar a traçar o perfil da protagonista, isto é, a mulher do médico. Desde o começo ela age de maneira interessante e seu papel vai se delineando de maneira muito complexa.

Próximo à página 98: Aqui a situação já está configurada de maneira bastante clara como uma alegoria do processo civilizatório. A mulher do médico chega a dizer: “O mundo está todo aqui dentro” (p. 100). máximas como essa vão sendo emitidas durante a leitura mais de uma vez, o que nos leva a crer na intencionalidade de Saramago ao compor essa atmosfera quase como um microcosmo que reflete o mundo, um experimento social que escancara o homem em sua essência. Adiante o médico reafirma essa ideia:

“Provavelmente, só num mundo de cegos as coisas serão o que verdadeiramente são” (p. 126). essa pode ser uma ideia incômoda para os estudantes, pois é difícil admitir a própria fraqueza e maldade. Cabe estimulá-los a refletir se isso é ser um ser humano. É provável que nesse momento eles comecem a pensar sobre a importância da sociedade e da formação de comunidades e grupos.

Próximo à página 163: A maldade e o sadismo alcançam seu ápice na situação em que os malvados pedem, em troca de comida, as mulheres das camaratas e as estupram de maneira muito violenta. Também aí vemos configurada uma situação de animalização do homem e em diversos trechos as descrições escancaram isso: “uma fila grotesca de fêmeas malcheirosas,

[...] parece impossível que a força animal do sexo seja assim tão poderosa,”

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(p. 172). Vale tentar abordar com os estudantes as concepções que o autor e o narrador apresentam ao leitor acerca da essência humana. em alguns momentos do livro, a ideia de que talvez a natureza humana resida na sua animalidade fica em destaque, como se, ao fim e ao cabo, tudo o que quere-mos se resumisse a comer e ter prazer, e que, com a evolução da civilização, tivéssemos nos afastado dessa essência degradante.

Próximo à página 209: Nesse momento, após uma rebelião contra os cegos malvados, os cegos presos no antigo manicômio percebem que ninguém mais os vigia e então podem sair. Numa excursão para encontrar comida, dão-se conta do fato de que todos já estão cegos e não há mais quem controle a situação, a não ser, claro, a mulher do médico, que guia seu grupo de pessoas pela cidade, em busca de sobrevivência. Trata-se de um novo momento no livro, menos violento, mas não menos impressionante. Sem dúvida ainda há muito o que discutir sobre todas as ações que a mulher do médico vem tomando e sobre seu papel importantíssimo na história. Além de ser responsável por aquele grupo de pessoas, ela também tem a firmeza de suas decisões construídas numa personalidade notável.

Próximo à página 291: Um pouco antes do último capítulo, pode ser interessante fazer uma parada na leitura para perguntar como os estudantes acham que a história vai acabar, quais são as suposições deles sobre o desfecho. inclusive é uma oportunidade para lerem o último capítulos juntos, em sala.

Essas são algumas sugestões, o docente pode achar outras partes do enredo que considere importante compartilhar com os estudantes e que não foram listadas aqui.

Esse compartilhamento das impressões em diferentes momentos do livro pode se dar tanto com toda a sala como em grupos. A vantagem dos grupos é a maior intimidade, o que pode permitir que os estudantes se ex-ponham de maneira mais livre e também que mais estudantes possam falar.

A vantagem de trabalhar com a sala inteira é chegar a determinadas análises com todos, permitindo que os estudantes organizem seus estudos a partir dessas construções coletivas.

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A PR ECI AÇ Ã O DOS A S PECTOS FOR M A IS : P ON T UAÇ Ã O E

N A R R AÇ Ã O

Ainda durante a leitura, antes que o livro acabe, é importante problematizar dois aspectos formais que estão muito imbricados na escrita de Ensaio sobre a cegueira: a pontuação e a narração. Tanto uma como a outra se complementam com algumas finalidades em comum. Como Saramago opta por não usar sinais de pontuação para indicar o discurso direto e compõe períodos muito longos sem ponto final, o que se obtém, em termos de efeito estético, é uma fluidez tremenda. Muitas vezes nos sentimos sugados pela imbricação de uma fala na outra. Além disso, essas estratégias deixam os diálogos muito próximos do que ocorre na realidade, por conta de sua característica dinâmica — e obtém-se disso um grande efeito de dramaticidade. Essa escolha estética se amalgama ao fato de que o narrador intruso se coloca a todo tempo na narrativa: nunca sabemos bem ao certo se ele fala pelas personagens ou pelo leitor; há momentos em que não compreendemos qual voz está em jogo.

Para que os estudantes percebam esse efeito, sugere-se que o professor peça que pontuem um diálogo do livro como acreditam que deveria ser feito na norma culta. Em seguida, os estudantes leem em voz alta esse diálogo pontuado, com as indicações de quem fala, para em seguida comparar com o original. Essa dissecação do recurso estilístico de Saramago evidenciará a potência de seu uso.

Pós-leitura

DIS CUS S Ã O F IN A L

Ao fim da leitura da obra cabe uma discussão de retomada. O fim das obras é pensado como forma de impactar os leitores de diferentes maneiras, e por isso, como sugerimos antes, é interessante pensar em deixar o último capítulo para ler com os estudantes em sala, de modo a captar as suas reações mais autênticas.

Além disso, ao terminar um livro, temos então a percepção do todo que lemos e podemos, assim, confirmar hipóteses que sustentávamos duran-22

te o processo e refutar outras. Cabe nesse momento retomar as discussões iniciais sobre a leitura, bem como todas as que ficaram em aberto no processo. É papel do professor monitorar essas discussões e sustentar as dúvidas até o momento certo de concluí-las — mas não só o professor, os estudantes também podem ser atuantes nesse registro da memória e das dúvidas do grupo.

PRODU Ç Ã O LIT E R Á RI A INS PIR A DA N A LE IT U R A Uma forma bem interessante de estimular os estudantes a perceberem as estratégias de escrita é colocá-los para escrever. Isso os ensinará também a ler de maneira mais crítica, percebendo melhor o trabalho dos escritores.

Sobre isso, a professora Emilia Ferreiro comenta a quantidade de atividades que podem contribuir para estimular e educar para o mundo letrado e não envolvem apenas o ato de ler.

Se pensarmos em todos os tipos de atividades que podemos desenvolver com os textos, em torno dos textos, considerando os textos e a respeito deles, veremos que passamos do falar ao ler, do ler ao escrever, do escrever ao falar e voltar a ler, de maneira natural, dando voltas pela língua escrita, sem a necessidade de enfatizar quando “é preciso ler”. (ferreirO, 2010, p. 146) Tendo em vista as potencialidades do trabalho de escrita, o professor pode pensar em diferentes propostas criativas, conforme a realidade de seus estudantes e as discussões desenvolvidas em cada sala. Neste material, sugerimos que se peça para descreverem um novo tipo de cegueira, diferente daquela que Saramago constrói, em um texto literário, que pode ser um conto ou um poema. Será uma excelente oportunidade de discutir com os adolescentes sobre os motivos que levam essa cegueira a ser branca. Uma vez na posição de escritores, tendo de construir sua cegueira com características próprias, de maneira criativa, precisarão pensar nos motivos que levaram Saramago a compor sua cegueira daquela forma.

No fim da atividade, é sempre interessante dedicar algum tempo para que os estudantes compartilhem entre si os resultados das produções ou até 23

mesmo com toda a comunidade escolar, em alguma plataforma virtual, por exemplo, ou fazendo uma exposição pelo espaço. A presença de interlocuto-res pode direcionar o trabalho para uma seriedade estimulante e faz com que os incríveis produtos elaborados possam ser lidos por outras pessoas além dos docentes, acrescentando uma camada real de sentido.

LI V RO DE LE ITOR

Depois de tanto trabalho com o diário de leitura, parece fundamental não deixá-lo de lado, no fim do processo. A depender do tempo didático dis-ponível, é possível propor atividades mais ou menos complexas. Se for possível, sugere-se que os estudantes façam um livro de leitor, isto é, uma produção narrativa que conte a história de sua leitura. Essa proposta pode ser mais ou menos ficcional, conforme a escolha do docente, ou pode inclusive ser auto-biográfica. A ideia é que cada estudante escreva uma narrativa que conte a história de sua relação com o livro, evidenciando a característica interpretativa da literatura, ou seja, o fato de que uma obra só se completa na leitura.

Se não for possível investir numa proposta tão extensa, é importante de alguma maneira discutir como foi a realização do diário, contemplando pelo menos uma escrita final, após o desfecho do enredo. Uma vez que falar sobre o que se aprende também é uma forma de saber mais, a metacognição adiciona uma complexidade no processo de ensino-aprendizagem.

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Proposta de atividades II:

Este livro e as outras áreas do conhecimento

Ensaio sobre a cegueira é um livro que permite intertextualidades com áreas do conhecimento diversas, como Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e Linguagens e suas Tecnologias. Porém, por se tratar de uma obra que não se localiza geográfica ou historicamente, não há conteúdos que dependam de outros componentes curriculares. Então, o trabalho intertextual promoverá uma abordagem mais profunda da obra e também de temas relacionados a ela.

A seguir serão indicadas algumas possibilidades de trabalho intertextual, incluindo outros componentes curriculares além de Língua Portuguesa.

Os professores podem adaptar as propostas e pensar em outras a partir dessas. Esta parte do material também foi subdividida em pré-leitura, leitura e pós-leitura, a fim de ajudar na organização e no planejamento das aulas.

Pré-leitura

CON T E X T UA LIZ AÇ Ã O DA OBR A : DIS TOPI A S

Assim como já foi sugerido neste material, é possível explorar a distopia como gênero, tendo em vista o contexto social dos séculos xx e xxi e ana-lisando as razões sociais, antropológicas e históricas que levariam os autores a procurar essa forma da narrativa. Pode ser interessante propor uma aula reflexiva sobre o tema, antes da leitura do romance de Saramago, contando com os professores ou professoras dos componentes curriculares de Sociologia e/ou História.

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