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Se você estivesse doente, também ninguém lhe ia à mão — acudiu Luísa; aflita, quando percebia estas revoltas. E presenteava-a. Dava-lhe mesmo vinho e sobremesa.

Havia agora um desperdício na casa. Os róis cresciam. Luísa andava sucumbida. — Como acabaria tudo aquilo?

Os desleixos de Juliana iam-se tornando graves.

Para sair mais cedo fazia apenas o essencial. Era Luísa que acabava de encher os jarros, que levantava muitas vezes a mesa do almoço, que levava para o sótão roupa suja que ficava pelos cantos. .

Um dia Jorge que entrara às quatro horas, viu por acaso a cama por fazer.

Luísa apressou-se a dizer que Juliana saíra, mandara-a ela à modista.

Daí a dias, eram seis horas, ainda não tinha voltado para servir ao jantar.

Tinha ido à modista. ., explicou Luísa.

Mas se a Juliana é unicamente para ir à modista, então toma-se outra criada para fazer o serviço da casa — disse ele. Àquelas palavras secas Luísa fez-se pálida; duas lágrimas rolaram-lhe pela face Jorge ficou pasmado. Que era? Que tinha? Luísa não se dominou, rompeu choro nervoso, histérico.

Mas que é, minha filha, que tens? Zangaste-te?. .

Ela não podia responder, sufocada. Jorge fez-lhe respirar vinagre de toilete, beijou-a muito.

Só quando o choro acalmou é que ela pôde dizer, com voz soluçada:

Falaste-me tão secamente, e eu estou tão nervosa. .

Ele riu, chamou-lhe tontinha, limpou-lhe as lágrimas — mas ficou inquieto.

Já então lhe notara certas tristezas, abatimentos inexplicáveis, uma irritabilidade nervosa. . Que seria?

Para que Jorge não tornasse a surpreender os desleixos, Luísa começou a completar todas as manhãs os arranjos. Juliana percebeu logo; e muito tranquilamente decidiu-se a deixar-lhe de cada vez mais com que se entreter.

Ora não varria, depois não fazia a cama; enfim uma manhã não vazou as águas sujas. Luísa foi espreitar no corredor que Joana não descesse, não a visse, e fez ela mesma os despejos! Quando veio ensaboar as mãos, as lágrimas corriam-lhe pelo rosto. Desejava morrer!. . A que tinha chegado!...

D. Felicidade, um dia, tendo entrado de repente, surpreendera-a a varrer a sala.

Que eu o faça — exclamou — que tenho só uma criada, mas tu!. .

A Juliana tinha tanto que engomar..

Ai! Não lhe tires serviço do corpo, que não to agradece. E ainda se ri por cima! Se a pões em maus costumes!... Que aguente, que aguente!

Luísa sorriu, disse:

Ora, por uma vez na vida!

A sua tristeza aumentava cada dia.

Refugiava-se então no amor de Jorge como na sua única consolação. A noite trazia-lhe a sua desforra; Juliana a essa hora dormia; não via a sua cara medonha; não a receava; não tinha de a elogiar; não trabalhava por ela! Era ela mesma, era Luísa, como dantes! Estava na sua alcova, com o seu marido, fechada por dentro, livre! Podia viver, rir, conversar, ter até apetite! E trazia com efeito às vezes marmelada e pão para o quarto — para fazer uma ceiazinha!

Jorge estranhava-a. "Tu de noite és outra", dizia. Chamava-lhe "ave noturna".

Ela ria em saia branca pelo quarto, com os braços nus, o colo nu, o cabelo num rolo; e passarinhava, cantarolava, chalrava — até que Jorge lhe dizia:

Passa da uma hora, filha!

Despia-se então rapidamente, caía-lhe nos braços.

Mas que acordar! Por mais clara que estivesse a manhã, tudo lhe parecia vagamente pardo. A vida sabia-lhe má. Vestia-se devagar, com repugnância —

entrando no seu dia como numa prisão.

Perdera agora toda a esperança de se libertar! Às vezes ainda lhe vinha, como um relâmpago, a vontade de contar tudo a Sebastião, tudo. Mas quando o via, com o seu olhar honesto, abraçar Jorge, rirem ambos, e irem fumar o seu cachimbo, e ele tão cheio sempre de admiração por ela, parecia-lhe mais fácil

sair para a rua, pedir dinheiro ao primeiro homem que encontrasse — que ir a Sebastião, ao íntimo de Jorge, ao melhor amigo da casa, dizer-lhe: "Escrevi uma carta a um homem, a criada roubou-ma!" Não, antes morrer naquela agonia de todos os dias, e ter ela mesma, de rastos, de lavar as escadas! As vezes refletia, pensava: — "Mas com que conto eu? —" Não sabia. Com o acaso, com a morte de Juliana... E deixava-se viver, gozando como um favor cada dia que vinha sentindo vagamente, à distância, alguma coisa de indefinido e de tenebroso onde se afundaria!

Por esse tempo Jorge começou a queixar-se que as suas camisas andavam mal gomadas. A Juliana positivamente "perdia a mão". Um dia mesmo zangou-se; chamou-a, e atirando-lhe uma camisa toda amarrotada:

Isto não se pode vestir, está indecente!

Juliana fez-se amarela; cravou em Luísa um olhar chamejante; mas, com os beiços trémulos, desculpou-se: a goma era má, fora já trocá-la, etc.

Apenas, porém, Jorge saiu, veio como uma rajada ao quarto, fechou a porta e pôs-se a gritar — que a senhora sujava um ror de roupa, o senhor um ror de camisas, que se não tivesse alguém que a ajudasse não podia dar aviamento!. .

Quem queria negras trazia-as do Brasil!

E não estou para aturar o génio do seu marido, percebe a senhora? Se quer é arranjar quem me ajude.

Are sens