—
Eu cá mando. As oito, hem?
E desceu, todo feliz de a servir. Ela seguiu-o com o olhar que se humedecia.
Foi à janela do quarto vê-lo sair. — Que homem!" — pensava. E cheirava as
violetas, voltava o ramo na mão, sentia também um prazer doce na proteção dele, nos seus cuidados.
Nós de dedos bateram à porta do quarto:
—
Então a senhora não quer jantar? — disse a voz impaciente de Juliana, de fora.
—
Não.
—
Mais fica!
D. Felicidade veio um pouco antes das oito. Luísa ficou tranquila, vendo-a com vestido preto afogado, e o seu adereço de esmeraldas.
—
Então que é isto? Que estroinice é esta, vamos a saber? — disse logo, muito alegre, a excelente senhora.
Um capricho! — O Jorge tinha jantado fora, ela sentira-se tão só!. . Dera-lhe o apetite de ir ao teatro. Não pudera resistir. . Tinham de o ir buscar pelo Hotel Gibraltar.
—
Eu tinha acabado de jantar quando recebi o teu bilhete. Fiquei!. . E
estive para não vir — disse, sentando-se, com pancadinhas muito satisfeitas nas pregas do vestido. — Apertar-me depois de jantar! Felizmente não tinha comido quase nada!
Quis então saber o que ia. O Fausto? Ainda bem! De que lado era a frisa?
Dezoito. Perdiam a vista da família real, era pena!. . Pois estava mais longe daquela noitada de teatro!. . — E erguendo-se passeava diante do toucador com olhares de lado, alisando os bandós, ajeitando as pulseiras, entalada nos espartilhos, a pupila luzidia.
Uma carruagem parou à porta.
—
O trem! — disse, toda risonha.
Luísa calçando as luvas, já com a capa, olhava em redor: o coração batia-lhe alto; nos seus olhos havia uma febre. Não lhe faltava nada? — perguntou D.
Felicidade. A chave da frisa? O lenço?
— Ai! O meu ramo!
Juliana ficou espantada quando a viu vestida para teatro. Foi iluminar, calada; e atirando a cancela com uma pancada insolente:
—
Não tem mesmo vergonha naquela cara! — rosnou.
O trem já rodava quando D. Felicidade rompeu a gritar, batendo nos vidros:
—
Ai? — Espere, pare! Que ferro, esqueceu-me o leque! Não posso ir sem leque!
—
Pare, cocheiro!
—
Faz-se tarde, filha, dou-te o meu. Toma! — fez Luísa impaciente.
Aquelas agitações abalavam a digestão comprimida de D. Felicidade; felizmente, como ela dizia, arrotava! Graças a Deus, louvada seja Nossa Senhora, que podia arrotar!
Mas a descida do Chiado alegrou-a muito. Grupos escuros, onde se gesticulava, destacavam às portas vivamente alumiadas da Casa Havanesa; os trens passavam para o lado do Picadeiro, com um rápido reluzir de lanternas ricas, que iluminavam as bandas brancas dos capotes dos criados. D.
Felicidade, com a sua face jubilosa à portinhola, gozava a claridade do gás nas vitrinas, o ar de inverno; e foi com uma satisfação que viu o guarda-portão do Gibraltar, de calções vermelhos, vir com o boné na mão, à portinhola.
Perguntaram por Jorge.
E caladas, olhavam a escada de lance decorativo onde globos foscos derramavam uma luz doce. D. Felicidade, muito curiosa da "vida de hotel", reparou na engomadeira que entrou com um cesto de roupa; depois numa senhora que lhe pareceu estabanada, e que descia, vestida de soirée, mostrando o pé calçado num sapato redondo de cetim branco; e sorria de ver sujeitos roçarem-se pelo trem, lançando para dentro olhares gulosos.
—
Estão a arder por saber quem somos.
Luísa calada apertava nas mãos o seu ramo. Enfim Jorge apareceu no alto da escada, conversando muito interessadamente com um sujeito magríssimo, de
chapéu ao lado, as mãos nos bolsos de umas calças muito estreitas, e um enorme charuto enristado ao canto da boca. Paravam, gesticulavam, cochichavam. Por fim o sujeito apertou a mão de Jorge, falou-lhe ao ouvido, riu baixo, torcendo-se, bateu-lhe no ombro, obrigou-o muito seriamente a aceitar outro charuto — e pondo o chapéu mais ao lado foi conversar com o guarda-portão.
Jorge correu à portinhola do trem, rindo:
— exclamou Luísa.
—
Então que extravagância é esta? Teatro, tipoias!. . Eu reclamo o divórcio! Parecia muito jovial. Somente tinha pena de não estar vestido..