Estivera contando a Luísa a sua viagem. Tinha trabalhado como um mouro, e tinha ganho dinheiro! Trazia os elementos de um belo relatório; criara amigos naquela boa gente do Alentejo; estavam acabadas as soalherias, as cavalgadas pelos montados, os quartos de hospedaria; e ali estava enfim na sua casinha. E
como na véspera da sua partida, soprava o fumo do cigarro, cofiando com delícias o bigode — porque tinha cortado a barba! Fora a grande admiração de Luísa, quando o viu. Ele explicara, com humilhação e melancolia, que tivera um furúnculo no queixo, com o calor...
—
Mas que bem te fica! — tinha ela dito — que bem que te fica!
Jorge trouxera-lhe como presente seis pratos de louça da China, muito antigos, com mandarins bojudos, de túnicas esmaltadas, suspensos
majestosamente no ar azulado; uma preciosidade que descobrira em casa de umas velhas miguelistas, em Mértola. Luísa dispunha-os muito decorativamente nas prateleiras guarda-louça; e em bicos de pés, com a larga cauda do seu roupão estendida por trás, a massa loura do cabelo pesado, um pouco desmanchado sobre as costas — parecia a Jorge mais esbelta, mais irresistível, e nunca a sua cinta fina lhe atraíra tanto os braços.
—
A última vez que aqui almocei, antes de partir, foi um domingo, lembras-te?
—
Lembro — disse Luísa sem se voltar, colocando muito delicadamente um prato.
—
E é verdade — perguntou Jorge de repente — teu primo? Viste-lo?
Veio ver-te?
O prato escorregou, houve um tlintlim de copos.
—
Sim, veio — disse Luísa, depois de um silêncio — esteve aí umas vezes.
Demorou-se pouco. .
Abaixou-se, abriu o gavetão do guarda-louça, esteve a remexer nas colheres de prata; ergueu-se enfim, voltou-se com um sorriso, vermelha, sacudindo as mãos:
—
Pronto!
E foi sentar-se nos joelhos de Jorge.
—
Como te fica bem! — dizia, torcendo-lhe o bigode. Admirava-o, de um modo ardente. Quando se atirara aos seus braços naquela madrugada, sentira como abrir-se-lhe o coração, e um amor repentino revolver-lho deliciosamente; viera-lhe um desejo de o adorar perpetuamente, de o servir, de o apertar nos braços até lhe fazer mal, de lhe obedecer com humildade; era uma sensação múltipla, de uma doçura infinita, que a traspassara até às profundidades do seu ser. E passando-lhe um braço pelo pescoço, murmurava com um movimento de uma adulação quase lasciva:
—
Estás contente? Sentes-te bom? Diz!
Nunca lhe parecera tão bonito, tão bom; a sua pessoa depois daquela separação dava-lhe as admirações, os enlevos de uma paixão nova.
—
É o Sr. Sebastião — veio dizer Juliana toda risonha para Jorge.
Jorge deu um pulo, afastou Luísa bruscamente, atirou-se pelo corredor gritando:
—
Aos meus braços! Aos meus braços, celerado!
Daí a dias, uma manhã que Jorge saíra para o ministério, Juliana entrou no quarto de Luísa, e fechando a porta devagarinho, com uma voz muito amável:
—
Eu desejava falar à senhora numa coisa.
E começou a dizer — que o seu quarto em cima no sótão era pior que uma enxovia; que não podia lá continuar; o calor, o mau cheiro, os percevejos, a
falta de ar, e no inverno a humidade, matavam-na! Enfim, desejava mudar para baixo, quarto dos baús.
O quarto dos baús tinha uma janela nas traseiras; era alto e espaçoso; guardavam-se ali os oleados de Jorge, as suas malas, os paletós velhos, e veneráveis baús do tempo da avó, de couro vermelho com pregos amarelos.
—
Ficava ali como no céu, minha senhora!
—