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convencê-lo-ia!

Juliana não estava no quarto. Subiu à cozinha; estava lá, sentada, com os olhos chamejantes, os braços nervosamente cruzados, numa raiva muda. Apenas viu Luísa, deu um salto sobre os calhares, e mostrando-lhe o punho, berrou:

Olhe que a primeira vez que você me torne a falar como hoje, vai aqui tudo raso nesta casa!

Cale-se, sua infame! — gritou Luísa.

Você manda-me calar, sua p. .! — E Juliana disse a palavra.

Mas a Joana correu, atirou-lhe pelo queixo uma bofetada que a fez cair, com um gemido, sobre os joelhos.

Mulher! — bradou Luísa arremessando-se sobre a Joana, agarrando-a pelos braços.

Juliana, assombrada, fugiu.

Ó Joana! Ó mulher! Que desgraça, que escândalo! — exclamava Luísa as mãos apertadas na cabeça.

Racho-a! — dizia a rapariga com os dentes cerrados, os olhos como brasas — Racho-a!

Luísa andava em volta da mesa da cozinha, automaticamente, pálida como repetindo, toda a tremer:

O que você foi fazer, mulher! O que você foi fazer!

A Joana, ainda toda revolvida da sua cólera, com o rosto manchado de vermelho, remexia furiosamente as panelas.

E se ela me diz uma palavra, acabo-a, aquela bêbeda! Acabo-a!

Luísa desceu ao quarto. No corredor saiu-lhe Juliana, com a cuia à banda, as dedadas escarlates na face, medonha.

Ou aquela desavergonhada vai já para a rua — gritou ela — ou eu vou-me pôr lá embaixo na escada, e quando o seu homem vier, mostro-lhe tudo!. .

Pois mostre, faça o que quiser! — disse Luísa, passando, sem a olhar.

Fora uma desesperação, um ódio que a tinham decidido. Mais valia acabar por uma vez!. .

Sentia então como um alívio doloroso, em ver o fim do seu longo martírio!

Havia meses que ele durava. E pensando em tudo o que tinha feito e que tinha sofrido, as infâmias em que chafurdara e as humilhações a que descera, vinha-lhe um tédio de si mesma, um nojo imenso da vida. Parecia-lhe que a tinham sujado e espezinhado; que nela nem havia orgulho intacto, nem sentimento limpo; que tudo em si, no seu corpo e na sua alma, estava enxovalhado, como um trapo que foi pisado por uma multidão, sobre a lama.

Não valia a pena lutar por uma vida tão vil. O convento seria já uma purificação, a morte uma purificação maior. . — E onde estava ele, o homem que a desgraçara? Em Paris, retorcendo a guia dos bigodes, chalaceando, governando os seus cavalos, dormindo com outras! E ela morreria ali, estupidamente! E quando lhe escrevera a pedir-lhe que a salvasse, nem uma palavra de resposta; nem a julgara digna do meio tostão da estampilha! O que ele lhe dizia pelas terras da Pólvora acima, naquela cupê: — Dar-lhe-ia toda a sua vida, viveria à sombra das suas saias! O infame! Já tinha talvez no bolso o bilhete da passagem! Enquanto ela fora a mulher alegre, que vem, despe o

corpete, mostra um lindo colo — então bem, pronto! Mas teve uma dificuldade, chorou, sofreu — ah! não, isso não! "És um belo animal que me dás um grande prazer — perfeitamente, tudo o que quiseres; mas tornas-te uma criatura dolorida que precisa consolações, talvez uns poucos de centos de mil réis — então boas noites, cá vou ao paquete!" Oh, que estúpida que é a vida! Ainda bem que a deixava!

Foi-se encostar à janela. Estava um dia muito azul, muito doce. O sol punha grandes claridades de um dourado ligeiro sobre as paredes brancas, sobre a calçada. E havia no ar uma suavidade aveludada. O Paula, em chinelas de tapete, aquecia-se à porta do estanque. Então, diante do lindo ar de inverno, enterneceu-se. Todos eram felizes naquela manhã de rosas, só ela sofria, pobre dela! E ficou a olhar, como esquecida numa vaga saudade, com uma lágrima na pálpebra. . De repente viu Juliana atravessar a rua, dobrar a esquina

— e daí a pouco voltar com um galego, velho e pesado, que trazia o seu saco ao ombro.

Ia-se embora! — pensou Luísa. — Mandava por fora os baús! E depois?

Remetia as cartas a Jorge, ou entregava-lhas ela mesma, no portal! Santo Deus!

— E parecia-lhe ver Jorge aparecer no quarto, lívido, com as cartas na mão!. .

Veio-lhe um terror alucinado: não queria perder o seu marido, o seu Jorge, o seu amor, a sua casa, o seu homem! Apossou-se dela a revolta da fêmea contra

a viuvez; aos vinte e cinco anos ir murchar para um convento! Não, com os diabos!

Foi direita ao quarto de Juliana.

Vem ver se lhe levo alguma coisa? — gritou logo a outra, furiosa.

Sobre a cama estava roupa branca espalhada, pelo chão botinas embrulhadas em jornais velhos.

E ainda cá me ficam quatro camisas, dois pares de calcinhas, três pares de meias, seis punhos na lavadeira. Fica aí o rol. E quero as minhas contas!. .

Escute, Juliana, não se vá. — Mas a voz desapareceu-lhe, as lágrimas saltaram-lhe dos olhos.

Juliana pôs-se a olhar para ela do alto, triunfando, com uma botina de duraque em cada mão.

É mandar aquela desavergonhada embora, e está tudo acabado! — E

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