—
Sim, D. Felicidade, repetem-se lá fora com frequência essas tragédias domésticas. O desenfreamento das paixões é maior. Mas entre nós, digamo-lo com orgulho, o lar é muito respeitado. Assim eu, por exemplo, em todas as minhas relações em Lisboa, que são numerosas, graças a Deus, não conheço senão esposas modelos. — E com um sorriso cortesão: — De que é decerto a flor a dona da casa.
D. Felicidade revirou os olhos para Luísa que estava encostada à cadeira dela, e batendo-lhe no braço:
—
Isto é uma joia! — disse com amor.
—
E de resto — acudiu o Conselheiro — o nosso Jorge merece-o. Porque, como diz o poeta:
Seu coração é nobre, e a cara altiva Revela-lhe da alma a pura essência.
Aquela conversa impacientava Luísa. Ia sentar-se ao piano, quando D.
Felicidade exclamou: — Diz cá, então não se toma hoje chá nesta casa?
Luísa foi outra vez à cozinha. Disse a Joana que viesse ela mesma com o chá.
— E daí a pouco Joana, de avental branco, vermelha, muito atarantada, entrou com o tabuleiro.
—
E a Juliana? — perguntou logo D. Felicidade.
—
Saiu, coitada — explicou, Luísa —, tem andado doente. .
—
E anda-te então por fora até estas horas?... Boa! Até desacredita uma casa. .
O Conselheiro também achava imprudente:
—
Porque enfim as tentações são grandes numa capital, minha senhora!
Julião exclamou, rindo:
—
Não, se aquela é tentada, descreio para sempre e totalmente, dos meus contemporâneos.
—
Oh, Sr. Zuzarte! — acudiu o Conselheiro, quase severamente —
referia-me a outras tentações: entrar, por exemplo, numa loja de bebidas, apetecer-lhe ir ao circo e desleixar os seus deveres. .
Mas D. Felicidade não podia sofrer a Juliana: achava-lhe cara de Judas, tinha ar de ser capaz de tudo..
Luísa defendeu-a; era muito serviçal, muito boa engomadeira, muito honesta. .
—
E anda-te pela rua até às onze da noite!. . Credo! Fosse comigo!
—
E creio — observou o Conselheiro — que tem uma doença mortal.
Não é verdade, Sr. Zuzarte?
—
Mortal. Um aneurisma — respondeu Julião, sem levantar os olhos.
—
Ainda para mais! — exclamou D. Felicidade. E abaixando a voz: — Tu o que deves fazer é descartar-te dela! Uma criada com uma doença dessas!
Que até lhe pode arrebentar a vir dar um copo de água à gente. Cruzes!
O Conselheiro apoiava: