—
Neste mundo morre-se por qualquer coisa — disse ele enterrado numa poltrona, fumando voluptuosamente. Ele mesmo estivera naquela tarde para ser atropelado por um trem; destinara o domingo para se dar um feriado, e fizera um grande passeio pela circunvalação... — Há mais de um mês vivo no meu cubículo, como um frade beneditino na livraria do seu convento! —
acrescentou, rindo, quebrando complacentemente a cinza do cigarro sobre o tapete.
O Conselheiro quis saber então o assunto da tese: decerto muito momentoso!... E apenas Julião lhe disse: Sobre Fisiologia, Sr. Conselheiro", Acácio observou logo, com uma voz profunda:
—
Ah! Fisiologia! Deve ser então de grande magnitude! E presta-se mais ao estilo ameno.
Queixou-se, também, de vergar ao peso dos seus trabalhos literários..
—
Esperemos todavia, Sr. Zuzarte, que não sejam infrutíferas as nossas vigílias!
—
As suas, Sr. Conselheiro, as suas! — E com interesse: — Quando nos dá o seu novo trabalho? Há sofreguidão no ver!
—
Há alguma sofreguidão — concordou o Conselheiro com seriedade. Há dias me dizia o senhor ministro da Justiça (esse robustíssimo talento), há dias me dizia, me fazia a honra de me dizer: Dê-nos depressa o seu livro, Acácio, estamos precisados de luz, de muita luz!" Foi assim que ele disse. Eu inclinei-me, naturalmente, e respondi: "senhor ministro, não serei eu que a negue ao meu pais, quando o meu país a necessitar!"
—
Muito bem, muito bem, Conselheiro!
—
E — acrescentou — dir-lhes-ei aqui em família, que o nosso ministro do reino me deixou entrever num futuro não remoto, a comenda de São Tiago!
—
Já lha deviam ter dado, Conselheiro! — exclamou Julião, divertindo-se.
—
Mas neste desgraçado país... Já a devia ter ao peito, Conselheiro!
—
Há que tempos! — exclamou com força D. Felicidade.
—
Obrigado, obrigado! — balbuciou o Conselheiro, rubro. E na expansão do seu júbilo ofereceu com uma familiaridade agradecida, a sua caixa de rapé a Julião.
—
Tomarei para espirrar — disse ele.
Sentia-se naquela tarde numa disposição benévola; o trabalho e as altas esperanças que ele lhe dava tinham decerto dissipado o seu azedume; parecia até ter esquecido a sua humilhação, quando encontrara ali, naquela sala, o primo Basílio, porque apenas Luísa entrou, perguntou-lhe por ele.
—
Partiu para Paris, não sabiam? Há que tempos!
D. Felicidade e o Conselheiro fizeram logo o elogio de Basílio. Tinha ido deixar bilhetes de visita a ambos — o que encantara D. Felicidade e ensoberbecera o Conselheiro. Era um verdadeiro fidalgo! — exclamava ela. E
Acácio afirmou com autoridade:
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É uma voz de barítono, digna de São Carlos.
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E muito elegante! — disse D. Felicidade.
—
Um gentleman! — resumiu o Conselheiro.
Julião, calado, bamboleava a perna. Agora, àqueles elogios, o seu despeito renascia; lembrava a secura cortante de Luísa, naquela manhã, as poses do outro. Não resistiu a dizer:
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