Peço desculpa, tinha-me dado uma palpitação tão forte. .
—
Que se pós a ler o jornal, hem?. . — disse Jorge, apertando instintivamente o castão da bengala. — Onde está a senhora?
—
Deve estar para a sala de jantar — disse Juliana, que se pós logo a varrer, muito apressada.
Jorge não encontrou Luísa na sala de jantar; foi dar com ela no quarto dos engomados, despenteada, em roupão de manhã, passando roupa, muito aplicada e muito desconsolada.
—
Tu estás a engomar? — exclamou.
Luísa corou um pouco, pousou o ferro. — A Juliana estava adoentada, juntara-se uma carga de roupa. .
—
Diz-me cá, quem é aqui a criada e quem é aqui a senhora?
A sua voz era tão áspera, que Luísa fez-se pálida, murmurou:
—
Que queres tu dizer?
—
Quero dizer que te venho encontrar a ti a engomar, e que a encontrei a ela lá embaixo muito repimpada na tua cadeira, a ler o jornal!
Luísa, atarantada, abaixou-se sobre o cesto da roupa lavada, começou a remexer, a desdobrar, a sacudir com a mão trémula. .
—
Tu não podes fazer ideia do que aqui vai por fazer — ia dizendo. — É
a limpeza, são os engomados, é um servição. A pobre de Cristo tem estado doente. .
—
Pois se está doente que vá para o hospital!
—
Não, também não tens razão!
Aquela insistência em defender a outra, que se repoltreava embaixo na sua chaise longue, exasperou-o:
—
Diz cá, tu dependes dela? Havia de dizer que tens medo dela!
—
Ah! Se estás com esse génio! — fez Luísa com os beiços trémulos, uma lágrima já nas pálpebras.
Mas Jorge continuava muito zangado:
—
Não, essas condescendências hão de acabar por uma vez! Ver aquele estafermo, com os pés para a cova, a prosperar na minha casa, a deitar-se nas minhas cadeiras, a passear, e tu a defendê-la, a fazer-lhe o serviço, ah! Não! É
necessário acabar com isso. Sempre desculpas! Sempre desculpas! Se não pode que arreie. Que vá para o hospital, que vá para o inferno.
Luísa lavada em lágrimas assoava-se, soluçando.
—
Bem! Agora choras. Que tens tu? porque choras? Ela não respondia, num grande pranto.
—
Por que choras, filha? — perguntou ele com uma impaciência comovida, chegando-se a ela.
—
Para que me falas tu assim? — dizia, toda soluçante, limpando os olhos.
Sabes que estou doente, nervosa, e tens mau génio para mim! O que me sabes dizer são coisas desagradáveis.
—
Coisas desagradáveis! Minha filha, eu disse-te lá nada desagradável! —
E abraçou-a, ternamente.
Mas ela desprendeu-se, e com a voz cortada de soluços:
—
Então é algum crime estar a engomar? Porque trabalho, porque trato das minhas coisas, zangas-te? Querias que eu fosse uma desarranjada? A mulher tem estado doente! Enquanto se não arranja outra é necessário fazer as coisas.. Mas tu falas, falas! Para me afligir!. .
—
Estás a dizer tolices, filha. Não estás em ti. Eu o que não quero é que te canses!
—