com uma voz aguda, batendo as solas das botinas: — Fica tudo como dantes, na paz do Senhor!
Uma alegria extraordinária acendia-lhe o olhar. Vingava-se!
Fazia-a chorar! Expulsava a outra! E não perdia os seus cómodos!
—
É pôr a bêbeda na rua! É pô-la na rua!
Luísa curvou os ombros, foi à cozinha devagar; os degraus da escada pareciam-lhe imensos, infindáveis. Deixou-se cair num banco, e limpando os olhos:
—
Joana, venha cá, escute, você não pode continuar na casa. .
A rapariga ficou a olhar para ela, espantada.
—
O que a Juliana disse foi num repente. . Tem estado a chorar, a arrepender-se. É a criada mais antiga. O senhor estima-a muito...
—
Então a senhora manda-me embora? Então a senhora manda-me embora?
Luísa insistiu, baixo, envergonhada:
—
Foi um repente, tem estado a pedir perdão...
—
Eu foi para defender a senhora! — exclamou a rapariga abrindo os braços aflita.
Luísa sentiu-se indignada; e impaciente, para acabar:
—
Bem, Joana, não estejamos com mais. Eu é que sou a dona da casa. .
—
Vou-lhe fazer as contas.
—
Olha que pago este! — gritou Joana, então, desesperada. E com uma solução, batendo o pé: — Pois o senhor é que há de dizer! Eu vou dizer tudo
ao senhor! Hei de lhe contar tudo o que se passou! A senhora não tem razão!...
Luísa olhava-a, estúpida. Agora era aquela! Era daquela rapariga, teimosa na sua justiça, que vinha o desastre! Era demais! Veio-lhe um terror, sobrenatural, como um espanto da consciência, e apertando as fontes nas mãos abertas:
—
Que expiação! Que expiação, Santo Deus!
De repente, como desvairada, agarrou Joana pelos braços, e falando-lhe junto do rosto:
Joana, vá-se pelo amor de Deus, vá-se! Não diga nada! Despeça-se você! — E
perdendo inteiramente todo o respeito próprio, caiu de joelhos, diante da cozinheira, soluçando: — Pelas cinco chagas de Cristo, vá, Joana, minha rica vá! Peço-lhe eu, Joana! Pelo amor de Deus!
A rapariga, assombrada, rompeu num choro estridente:
—
Vou, sim, minha senhora!. .Vou, sim, minha rica senhora!. .
—
Sim, Joana, sim. Eu dou-lhe alguma coisa. Você bem vê. . Não chore. .
Espere. .
Desceu ao quarto correndo, tirou da gaveta duas libras das suas economias, voltou, galgando os degraus, meteu-lhas na mão, dizendo-lhe baixo:
—
Faça uma trouxa, eu amanhã lhe mandarei o baú.
—
Sim, minha senhora, — soluçava a rapariga, babada de dor — sim, minha rica senhora!
Luísa veio deixar-se cair de bruços sobre a sua chaise longue, num choro convulsivo também, desejando a morte, pedindo, num terror, piedade a Deus!
Mas a voz áspera de Juliana disse bruscamente à porta:
—
Então em que ficamos?
A Joana vai-se. Que quer mais?
—
Que saia já! disse a outra imperiosamente. — Que o jantar o faço eu.