E.. aonde se tinham de pôr os baús?
—
No meu quarto, em cima. E com um risinho: — Os baús não são gente, não sofrem. .
Luísa disse um pouco embaraçada:
—
Bem, eu verei; eu falarei ao Sr. Jorge.
—
Conto com a senhora.
Mas apenas nessa tarde Luísa explicou a Jorge "a ambição da pobre de Cristo", ele deu um salto:
—
O quê? Mudar os baús? Está doida!
Luísa então insistiu: era o sonho da pobre criatura desde que viera para casa!
Enterneceu-o. Não, ele não imaginava; ninguém imaginava o que era o quarto da pobre mulher! O cheiro empestava; os ratos passeavam-lhe pelo corpo, o forro estava roto, chovia dentro; fora lá há dias, e ia tombando para o lado...
—
Santo Deus! Mas isso é o que a minha avó contava das enxovias de Almeida! Muda-a, muda-a depressa, filha!. . Porei os meus ricos baús no sótão.
Quando Juliana soube o favor:
—
Ai, minha senhora, é a vida que me dá! Deus lho pague! Que eu não tinha saúde para viver num cacifo daqueles.
Ultimamente queixava-se mais; andava amarela, trazia os beiços um pouco arroxeados; tinha dias de uma tristeza negra, ou de uma irritabilidade mórbida; os pés nunca lhe aqueciam. Ah! Precisava muitos cuidados, muitos cuidados!. .
Foi por isso que daí a dois dias veio pedir a Luísa, se fazia o favor de ir ao quarto dos baús. E lá, mostrando-lhe o soalho velho e carunchoso:
—
Isto não pode ficar assim, minha senhora, isto precisa uma esteira senão, não vale a pena mudar. Eu se tivesse dinheiro não importunava a senhora, mas. .
—
Bem, bem, eu arranjarei — disse Luísa com uma voz paciente.
E pagou a esteira, sem dizer nada a Jorge. Mas na manhã em que os esteireiros a pregavam, Jorge veio perguntar atónito a Luísa o que era aquilo, rolos de esteira no corredor?"
Ela pôs-se a rir; pousou-lhe as mãos sobre os ombros:
—
Foi a pobre Juliana que pediu como uma esmola a esteira, que o soalho estava podre. Até a queria pagar, e que eu lha descontasse nas soldadas. Ora por uma ridicularia. . — E com um gesto compassivo: — Também são criaturas de Deus; não são escravas, filho!
—
Magnífico! E que não tardem os espelhos e os bronzes! Mas que mudança foi essa, tu que a não podias ver?
—
Coitada! — fez Luísa — reconheci que era boa mulher. E como estive tão só, dei-me mais com ela. Não tinha com quem falar; fez-me muita companhia. Até quando estive doente. .
—
Estiveste doente? — exclamou Jorge espantado.
—
Oh! Três dias, só — acudiu ela — uma constipação. Pois olha que dia e noite não se tirou de ao pé de mim.
Luísa ficou com receio que Jorge falasse na doença, e Juliana desprevenida negasse, por isso, nessa tarde, ao escurecer chamou-a ao quarto:
—
Eu disse ao Sr. Jorge que você me tinha feito muito boa companhia na doença. . — E o seu rosto abrasava-se de vergonha.
Juliana logo, risonha, contente da cumplicidade: