O Saavedra, porém, interpôs-se, com autoridade:
—
Eu no fundo sou republicano...
—
E eu — disse Jorge.
—
E eu — fez o Alves Coutinho, já inquieto. — Contem-me a mim também!
—
Mas — continuou o Saavedra — sou-o em princípio. Porque o princípio é belo, o princípio é ideal! Mas a prática? Sim, a prática? — E
voltava para todos os lados a sua face balofa.
—
Sim, na prática! — exclamava o Alves Coutinho, em eco admirativo.
—
A prática é impossível! — declarou o Saavedra. E encheu a boca de vitela.
O Conselheiro então resumiu:
—
A verdade é esta: o pais está sinceramente abraçado à família real. . Não acha, meu bom Sebastião? — Dirigia-se a ele como proprietário e possuidor de inscrições.
Sebastião, interpelado, corou, declarou que não entendia nada de política; havia todavia factos que o afligiam; parecia-lhe que os operários eram mal pagos; a miséria crescia; os cigarreiros, por exemplo, tinham apenas de nove a onze vinténs por dia, e, com família, era triste..
—
É uma infâmia! — disse Julião encolhendo os ombros.
—
E há poucas escolas. . — observou timidamente Sebastião.
—
É uma torpeza! — insistiu Julião.
O Saavedra calava-se, ocupado com o alimento; tinha desabotoado a fivela do colete; espalhava-se-lhe no rosto gordo uma cor de enfartação, e sorria vagamente, inchado.
—
E os idiotas de São Bento?. . — exclamou Julião.
Mas o Conselheiro interrompeu-o:
—
Meus bons amigos, falemos de outra coisa. É mais digno de portugueses e de súbditos fiéis.
E voltando-se logo para Jorge, quis saber como ficara a interessante D. Luísa.
Estava um pouco adoentada havia dias — disse Jorge. — Mas não era nada, mudança de estação, um bocadito de anemia..
O Saavedra, pousando o copo, e cumprimentando:
—
Tive o prazer de a ver passar este verão quase todas as manhãs pela minha casa — disse. — Ia para os lados de Arroios. Às vezes de trem, às vezes a pé..
Jorge pareceu um pouco surpreendido; mas o Conselheiro ia dizendo quanto lhe pesava não ter o prazer de a ver partilhar daquele modesto repasto; como celibatário porém. . não tendo uma esposa para fazer as honras...
—
E é o que eu admiro, Conselheiro — observou Julião —, é que tendo uma casa tão confortável, não se tenha casado, não se tenha dado o conchego de uma senhora. .
Todos apoiaram. Era verdade! O Conselheiro devia-se ter casado.
—