Mais tarde, D. Luísa, mais tarde — acudiu com prudência o Conselheiro. — por agora é conveniente evitar toda a comoção forte. As lágrimas que não deixaria de derramar, conheço o seu bom coração, podiam produzir uma recaída. Não é verdade, amigo Julião?
—
Decerto, Conselheiro, decerto. Eu também quero ir. Quero convencer-me pelos meus olhos..
Mas o ruído de uma carruagem, lançada a trote largo, que parou à porta, interrompeu-o. A campainha retiniu fortemente.
—
Aposto que é o autor! — exclamou ele.
E quase imediatamente a figura radiante de Ernestinho, de casaca, precipitou-se na sala; ergueram-se com ruído, abraçaram-no: mil parabéns! Mil parabéns!
E a voz do Conselheiro, dominando as outras:
—
Bem-vindo o festejado autor! Bem-vindo!
Ernesto sufocava de júbilo. Tinha um sorriso imobilizado; as asas do nariz dilatavam-se-lhe, como para respirar os incensos; trazia o peito alto, enfunado de orgulho; e movia a cabeça, sem cessar, como num agradecimento instintivo a multidões aplaudidoras.
—
Aqui estou! Aqui estou! — disse.
Sentou-se ofegante; e, com um modo amável de Deus, bom rapaz, declarou que os últimos ensaios de apuro não lhe tinham deixado um momento para vir ver a prima Luísa. Tinha tido naquela noite um instante do seu, mas devia voltar às dez horas para o teatro: até nem mandara a tipoia embora. .
Contou então largamente o triunfo. Ao princípio tivera "grandes cólicas".
Todos as tinham, os mais acostumados, os mais ilustres! Mas apenas o
Campos disse o monólogo do primeiro acto — "e como o disse!" tinham de ver, uma coisa sublime — os aplausos romperam. Tinha agradado tudo. No fim era um barulho, gritos pelo autor, salvas de palmas... Ele viera ao palco, arrastado; não queria, mas obrigaram-no, a Jesuína por um lado, a Maria Adelaide por outro! Um delírio! O Saavedra do Século tinha-lhe dito: "o amigo é o nosso Shakespeare!" O Bastos da Verdade tinha afirmado: "és o nosso Scribe!" Houve uma ceia. E tinham-lhe dado uma coroa.
—
E serve-lhe? — acudiu Julião.
—
Perfeitamente; um bocadinho larga. .
O Conselheiro disse com autoridade:
—
Os grandes autores, o famigerado Tasso, o nosso Camões são sempre representados com as suas respetivas coroas.
—
É o que eu lhe aconselho, Sr. Ledesma — acudiu Julião, erguendo-se e batendo-lhe no ombro —, é que se faça retratar de coroa!..
Riram.
E Ernestinho, um pouco despeitado, desdobrando o seu lenço perfumado:
—
O Sr. Zuzarte não dispensa o seu epigramazinho...
—
É a prova da glória, meu amigo. Nos triunfos dos generais vitoriosos, em Roma, havia um bobo no préstito!
—
Eu não sei! — disse Luísa muito risonha. — É uma honra para a família!. .
Jorge concordou. Passeava pela sala fumando; e disse que gozava tanto a coroa, como se tivesse direito a usá-la. .
E Ernestinho voltando-se logo para ele:
—
Sabes que lhe perdoei, primo Jorge? Perdoei à esposa. .
—
Como Cristo...
—
Como Cristo — confirmou o Ernestinho, com satisfação.
D. Felicidade aprovou logo:
—
Fez muito bem! Até é mais moral!
—
O Jorge é que queria que eu desse cabo dela — disse Ernestinho, rindo tolamente. — Não se lembra, naquela noite. .
—
Sim, sim — fez Jorge, rindo também, nervosamente.
—