O nosso Jorge — disse com solenidade o Conselheiro — não podia conservar ideias tão extremas. E decerto a reflexão, a experiência da vida. .
—
Mudei, Conselheiro, mudei — interrompeu Jorge. E entrou bruscamente no escritório.
Sebastião, inquieto, foi devagar ter com ele. Estava às escuras.
—
Aqueles idiotas não se calarão? Não se irão? — disse ele abafadamente, agarrando o braço de Sebastião.
—
Sossega!
—
Oh, Sebastião! Sebastião! — E a sua voz tremia, com lágrimas. Mas Luísa, da sala, gritou:
—
Que conspiração é essa aí dentro às escuras? Sebastião apareceu logo, dizendo:
—
Nada, nada. Estávamos lá dentro. . — E acrescentou baixo: — O Jorge está fatigado. Está adoentado, coitado!
Notaram, quando ele voltou — que tinha com efeito o ar esquisito.
—
Não, realmente não me sinto bom, estou incomodado!
—
E a débil D. Luísa precisa o repouso do seu leito — disse o Conselheiro erguendo-se.
Ernestinho que não se podia demorar, ofereceu logo ao Conselheiro e a Julião
— a sua carruagem, que era uma caleche, se iam para a Baixa. .
—
Que honra — exclamou Julião olhando Acácio — irmos na tipoia do grande homem! E enquanto D. Felicidade se agasalhava, os três desceram.
No meio da escada Julião parou, e cruzando os braços:
—
Ora aqui vou eu entre os representantes dos dois grandes movimentos de Portugal desde 1820. A Literatura — e cumprimentou Ernestinho — e o Constitucionalismo! — e curvou-se para o Conselheiro.
Os dois riram, lisonjeados.
—
E o amigo Zuzarte?
—
Eu? — E baixando a voz: — Até há dias um revolucionário terrível.
Mas agora. .
—
O quê?
—
Um amigo da Ordem! — gritou com júbilo.
E desceram, contentes de si e do seu país, para se meterem na tipoia do grande homem!
CAPÍTULO XV
Ao outro dia Jorge foi ao ministério, onde não tinha aparecido nos últimos tempos. Mas demorou-se pouco. A rua, a presença dos desconhecidos ou dos estranhos torturava-o; parecia-lhe que todo o mundo sabia; nos olhares mais naturais via uma intenção maligna, e nos apertos de mão mais sinceros uma irónica pressão de pêsames; as carruagens mesmo que passavam davam-lhe a suspeita de a terem conduzido ao rendez-vous, e todas as casas lhe pareciam a fachada infame do Paraíso. Voltou mais sombrio, infeliz, sentindo a vida estragada. E logo no corredor ao entrar ouviu Luísa cantarolando, como outrora, a Mandolinata!
Estava-se a vestir.
—
Como estás tu? — perguntou, pondo a um canto a sua bengala.
—
Estou boa. Hoje estou muito melhor. Um bocado fraca ainda...
Jorge deu alguns passos pelo quarto, taciturno.
—
E tu? — perguntou-lhe ela.
—
Para aqui ando — disse tão desconsoladamente que Luísa pousou o pente, e com os cabelos soltos veio pôr-lhe as mãos nos ombros, muito carinhosa:
—