—
Não tenho dúvida em lhe dar dez ou doze libras, e que se vá, que se arranje!
"Dez ou doze libras!" — pensou Luísa com um sorriso infeliz. — E à beira do toucador olhava para o seu rosto, ao espelho, com uma indefinida saudade, como se as suas faces devessem dentro em pouco estar cavadas pela aflição, e os seus olhos fatigados pelas lágrimas. .
Porque, enfim, a crise tinha chegado. Se Jorge insistisse em despedir a criatura, ela não podia, sem provocar um espanto e uma explicação, dizer a Jorge: "não quero que ela saia, quero que ela aqui morra!" E Juliana vendo-se expulsa, desesperada, doente, percebendo que Luísa não a defendia, não a reclamava
— vingar-se-ia! Que havia de fazer?
Ergueu-se ao outro dia numa grande agitação. Juliana, muito fatigada, ainda estava na cama. E enquanto Joana punha a mesa, Luísa sentada na poltrona. à janela da sala de jantar, lia maquinalmente o Diário de Notícias, quase sem compreender, quando uma notícia, no alto da página, lhe deu um sobressalto:
"Parte além de amanhã para França o nosso amigo e conhecido banqueiro Castro, da firma Castro Miranda & Cia. A sua Excelência retira-se dos negócios da praça, e vai estabelecer-se definitivamente em França, perto de Bordéus, onde comprou ultimamente uma valiosa propriedade."
O Castro! O homem que lhe dava dinheiro, o que ela quisesse!, dizia Leopoldina. Partia!. . E apesar de ter achado, desde o primeiro momento, aquele recurso infame, vinha-lhe ao seu pesar como uma desconsolação de o ver desaparecer! Porque nunca mais voltaria a Portugal, o Castro!. . E de repente uma ideia atravessou-a, que a fez vibrar toda, erguer-se direita, muito pálida. — Se na véspera da partida dele, Santo Deus! se na véspera ela consentisse!. . Oh! Era horrível! Nem pensar em tal!. .
Mas pensou — e sentia-se toda fraca contra uma tentação crescente, que se lhe enroscava na alma com caricias persuasivas. É que então estava salva!
Dava seiscentos mil réis a Juliana! E o demónio iria morrer para longe!
E ele, o homem, tomaria o paquete! Não teria de corar diante dele e o seu segredo ia para o estrangeiro, tão perdido como se fosse para o túmulo! — E, além disso, se o Castro tinha uma paixão por ela, era bem possível que lhe emprestasse, sem condições!...
Bom Deus! No dia seguinte podia ter ali na algibeira do seu roupão as notas, o ouro. . porque não? — porque não? E vinha-lhe um desejo ansioso de se libertar, de viver feliz, sem agonias, sem martírios...
Voltou ao quarto. Pôs-se a remexer no toucador, olhando de lado Jorge que se vestia. . A presença dele deu-lhe logo um remorso; ir pedir a um homem dinheiro, consentir nos seus olhares lascivos, nas suas palavras intencionais!...
Que horror! — Mas já subtilizava. Era por Jorge, era por ele! Era para lhe poupar o desgosto de saber! Era para o poder amar livremente, toda a vida, sem receios, sem reservas. .
Durante todo o almoço esteve calada. O rosto simpático de Jorge enternetecia-a: o outro parecia-lhe medonho, odiava-o já!..
Quando Jorge saiu ficou muito nervosa. Ia à janela; o sol parecia-lhe adorável, a rua atraía-a. — porque não? porque não?
A voz de Juliana, muito áspera, falou então nas escadas da cozinha; e aquele cantado odioso decidiu-a bruscamente.
Vestiu-se com cuidado: era mulher, quis parecer bonita. — E chegou toda esbaforida à casa de Leopoldina, quando dava meio-dia a São Roque.
Encontrou-a vestida, esperando o almoço. E tirando imediatamente o chapéu, instalando-se no sofá, explicou muito claramente a Leopoldina a sua resolução. Queria o dinheiro do Castro. Emprestado ou dado, queria o dinheiro!. . Estava numa aflição, devia valer-se de tudo!... Jorge queria despedir a mulher.. Tinha medo de uma vingança dela. . Queria dinheiro, ali estava!
—
Mas assim de repente, filha! — disse Leopoldina, pasmada do seu olhar decidido.
—
O Castro vai-se amanhã. Vai para Bordéus, para o inferno! É necessário fazer alguma coisa, já!
Leopoldina lembrou escrever-lhe.
—
O que quiseres. . Eu aqui estou!
A outra sentou-se devagar à mesa, escolheu uma folha de papel e, com o dedinho no ar, a cabeça de lado, começou a escrivinhar.
Luísa passeava pelo quarto, nervosa. Tinha agora uma resolução teimosa, que a presença de Leopoldina fortificava! Divertia-se aquela, dançava, ia ao campo, gozava, vivia, sem ter como ela uma tortura a minar-lhe, a estragar-lhe a vida!
Ah! Não voltaria para casa sem levar na algibeira em boas libras o resgate, a salvação! Ainda que tivesse de ser vil como as do Bairro Alto! Estava farta das humilhações, dos sustos, das noites cortadas de pesadelos!. . Queria saborear a vida, que diabo! O seu amor, o seu jantar, sem cuidados, com o coração contente!
—
Vê lá — disse Leopoldina, lendo:
Meu Caro Amigo.
Desejo absolutamente falar-lhe. É um negócio grave. Venha logo que possa. Talvez meagradeça. Espero até às três horas, o mais tardar.
Com toda a estima,
Sua amiga
Leopoldina.
—
Que te parece?
—
Horrível! Mas está bem.. Está muito bem! Risca-lhe o "talvez me agradeça". É melhor.