Doutor! Está morta! Veja. Não fala, está fria. .
—
Então! Então! — disse ele. — Nada de barulho, nada de barulho!
Tomou o pulso de Luísa, sentiu-o fugir sob os dedos, como a vibração expirante de uma corda.
Julião veio logo. E concordou com o Dr. Caminha que as ventosas eram inúteis.
—
Já as não sente — disse o doutor sacudindo o tabaco dos dedos.
—
Se se lhe desse um copo de conhaque?... — lembrou de repente Julião.
E vendo o olhar espantado do doutor: — Às vezes estes sintomas de coma não querem dizer que o cérebro esteja desorganizado; podem ser apenas a inação da força nervosa exausta. Se a morte é irremediável não se perde nada; se é apenas uma depressão do sistema nervoso, pode-se salvar..
O Dr. Caminha, com o beiço descaído, oscilava incredulamente a cabeça:
—
Teorias! — murmurou.
—
Nos hospitais ingleses... — começou Julião.
O Dr. Caminha encolheu os ombros com desprezo.
—
Mas se o doutor lesse. . — insistiu Julião.
—
Não leio nada! — disse o Dr. Caminha com força — tenho lido demais!
Os livros são os doentes. . — E curvando-se, com ironia: — Mas se o meu talentoso colega quer fazer a experiência. .
—
Um copo de conhaque ou de águardente! — pediu Julião à porta.
E o Dr. Caminha sentou-se comodamente "para gozar o fracasso do talentoso colega".
Levantaram Luísa; Julião fez-lhe engolir o conhaque; quando a deitaram ficou na mesma imobilidade comatosa; o Dr. Caminha tirou o relógio, viu as horas, esperou; havia um silêncio ansioso; enfim o doutor ergueu-se, tomou-lhe o pulso, apalpou a frialdade crescente das extremidades; e indo buscar silenciosamente o chapéu começou a calçar as luvas.
Jorge foi com ele até à porta:
—
Então, doutor? — disse, agarrando-lhe com uma força desvairada o braço.
—
Fez-se o que se pôde — disse o velho, encolhendo os ombros.
Jorge ficou estúpido no patamar, vendo-o descer. As suas passadas vagarosas nos degraus caíam-lhe com uma percussão medonha no coração. Debruçou-se no corrimão, chamou-o baixo. O doutor parou, levantou os olhos; Jorge pôs as mãos para ele, com uma ansiedade humilde:
—
Então não é possível mais nada?
O doutor fez um gesto vago, indicou o céu.
Jorge voltou para o quarto, encostando-se às paredes. Entrou na alcova, atirou-se de joelhos aos pés da cama, e ali ficou com a cabeça entre as mãos num soluçar baixo e continuo.
Luísa morria: os seus braços tão bonitos, que ela costumava acariciar diante do espelho, estavam já paralisados; os seus olhos, a que a paixão dera chamas e a voluptuosidade lágrimas, embaciavam-se como sob a camada ligeira de uma pulverização muito fina.
D. Felicidade e Mariana tinham acendido uma lamparina a uma gravura da nossa Senhora das Dores, e de joelhos rezavam.
O crepúsculo triste descia; parecia trazer um silêncio funerário.
A campainha, então, tocou discretamente; e daí a momentos apareceu a figura do Conselheiro Acácio.
D. Felicidade ergueu-se logo; e vendo as suas lágrimas, o Conselheiro disse lugubremente:
—
Venho cumprir o meu dever, ajudar-lhes a passar este transe!
Explicou que encontrara por acaso o bom Dr. Caminha, que lhe contara a fatal ocorrência! Mas muito discretamente não quis entrar na alcova. Sentou-
se numa cadeira, colocou melancolicamente o cotovelo sobre o joelho, a testa sobre a mão, dizendo baixo a D. Felicidade:
—
Continue as suas orações. Deus é imperscrutável nos seus decretos.
Na alcova, Julião estivera tomando o pulso de Luísa; olhou então Sebastião, fez-lhe o gesto de alguma coisa que voa e desaparece. . Aproximaram-se de Jorge, que não se movia, de joelhos, com a face enterrada no leito:
—
Jorge — disse baixinho Sebastião.
Ele levantou o rosto desfigurado, envelhecido, os cabelos nos olhos, as olheiras escuras.