Leopoldina copiou o bilhete, mandou-o pela Justina, num trem.
—
E agora vou almoçar, que me não tenho nas pernas.
A sala de jantar dava para um saguão estreito. As paredes estavam cobertas de uma pintura medonha, em que grandes manchas verdes semelhavam colinas, e linhas azul-ferretes representavam lagos. Um armário, no ângulo da parede, servia de guarda-louça. As cadeiras de palhinha tinham almofadinhas de paninho vermelho; e na toalha havia nódoas do café da véspera.
—
De uma coisa podes tu ter a certeza — dizia Leopoldina, bebendo grandes goles de chá —, é que o Castro é um homem para um segredo!. . Se te emprestar o dinheiro, que empresta, daquela boca não sai uma palavra. Lá nisso é perfeito. . Olha que foi o amante da Videira anos! E nem ao
Mendonça, que é o seu íntimo, disse uma palavra. Nem uma alusão! E um poço.
—
Que Videira? — perguntou Luísa.
—
Uma alta, de nariz grande, que tem um landó.
—
Mas passa por uma mulher tão séria. .
—
Já tu vês! — E com um risinho: — Ai elas passam, passam. Lá passar.
passam. A questão é conhecer-lhes os podres, minha fidalga!
E barrando de manteiga grandes fatias de pão, pôs-se a falar complacentemente dos escândalos de Lisboa, a desdobrar o sudário: citava nomes, especialidades, as que depois de terem feito o diabo gastam, numa devoção tardia, o resto de uma velha sensibilidade; que é por onde elas acabam, algumas é pelas sacristias! As que, cansadas decerto de uma virtude monótona, preparam habilmente o seu "fracasso" numa estação em Sintra ou em Cascais. E as meninas solteiras! Muito pequerrucho, por essas amas dos arredores, tem o direito de lhes chamar "mamã"! Outras mais prudentes, receando os resultados do amor, refugiam-se nas precauções da libertinagem. .
Sem contar as senhoras que, em vista dos pequenos ordenados, completam o marido com um sujeito suplementar! — Exagerava muito; mas odiava-as tanto! Porque todas tinham, mais ou menos, sabido conservar a exterioridade decente que ela perdera, e manobravam com habilidade onde ela, a tola, tivera
só a sinceridade! E enquanto elas conservavam as suas relações, convites para soirées, a estima da corte — ela perdera tudo, era apenas a Quebrais!. .
Aquela conversa enervava Luísa; numa tal generalidade do vício parecia-lhe que o seu caso, como um edifício num nevoeiro, perdia o seu relevo cruel, se esbatia; e sentindo-o tão pouco visível quase o julgava já justificado.
Ficaram caladas, vagamente entorpecidas por aquele sentimento de uma forte imoralidade geral, onde as resistências, os orgulhos se amolecem, se elanguescem — como os músculos numa estufa fortemente saturada de exalações mornas.
—
Este mundo é uma história — disse Leopoldina erguendo-se e espreguiçando-se.
—
E teu marido onde está? — perguntou Luísa no corredor.
—
Fora para o Porto. Estavam à vontade, podiam cometer crimes!
E Leopoldina, no quarto, estirando-se no canapé, com o cigarrinho La Ferme na boca, começou também a queixar-se.
Andava aborrecida há tempos; enfastiava-se, achava tudo secante; queria alguma coisa de novo, de desusado! Sentia-se bocejar por todos os poros do seu corpo...
—
E o Fernando, então? — disse distraidamente Luísa, que a cada momento se aproximava da janela.
—
Um idiota! — respondeu Leopoldina com um movimento de ombros, cheio de saciedade e de desprezo.
Não, realmente tinha vontade de outra coisa, não sabia bem de quê! As vezes lembrava-se fazer-se freira! (E estirava os braços com um tédio mole.) Eram tão sensaborões todos os homens que conhecia! Tão corriqueiros todos os prazeres que encontrara! Queria uma outra vida, forte, aventurosa, perigosa, que a fizesse palpitar — ser mulher de um salteador, andar no mar; num navio pirata. . Enquanto ao Fernando, o amado Fernando dava-lhe náuseas! E outro que viesse seria o mesmo. Sentia-se farta dos homens! Estava capaz de tentar Deus!
E, depois de escancarar a boca, num bocejo de fera engaiolada:
—
Aborreço-me! Aborreço-me!. . Oh, céus! Ficaram um momento caladas.
—
Mas, que se lhe há de dizer, a esse homem? — perguntou de repente Luísa.
Leopoldina, soprando o fumo do cigarro, com a voz muito preguiçosa: