". . E de resto, o que é a vida? Uma rápida passagem sobre o orbe, e vão sonho de que acordamos no seio do Deus dos Exércitos, de que todos nos indignos vassalos."
E com esta frase monárquica o Conselheiro terminou.
—
Que lhe parece, com franqueza?
Julião sorveu o fundo da chávena, e colocando-a devagar no pires, lambendo os beiços:
—
É para imprimir?
—
Na Voz Popular com tarjeta preta.
Julião coçou convulsivamente a caspa, e erguendo-se:
—
Está muito bom. Muito bom, Conselheiro!
E Acácio procurando o troco para o moço:
—
Creio que está digno dela, e de mim!
E saíram calados.
A noite estava muito escura; erguera-se um nordeste frio; gotas de chuva tinham caído. Ao Loreto, Julião parou subitamente; e exclamou:
—
Ai, esquecia-me! Sabe a novidade, Conselheiro? A D. Felicidade recolhe-se à Encarnação.
—
Ah!
—
Disse-mo agora. Eu fui justamente vê-la antes de ir ver um doente à Rua da Rosa. Estava com uma febrezita. Coisa de nada. . A comoção, o susto!
E deu-me parte: recolhe-se amanhã à Encarnação.
O Conselheiro disse:
—
Sempre conheci naquela senhora ideias retrógradas. É o resultado das manobras jesuíticas, meu amigo! — E juntou com a melancolia do liberal descontente: — A reação levanta a cabeça!
Julião tomou familiarmente o braço do Conselheiro, e sorrindo:
—
Qual reação! É pela sua causa, ingrato. .
O Conselheiro estacou:
—
Que quer o meu nobre amigo insinuar?
—
Sim, homem! Não sei como diabo descobriu uma coisa grave. .
—
O quê? Acredite. .
—
O que eu também descobri, seu maganão! Que o Conselheiro tem duas travesseirinhas na cama, tendo só uma cabeça. . Disse-mo ela! — E rindo muito, dizendo-lhe "adeus! adeus!" desceu rapidamente a Rua do Alecrim. O
Conselheiro ficou imóvel, no largo, de braços cruzados, como petrificado. —
Que infeliz senhora! Que funesta paixão! — murmurou enfim. E acariciou o bigode, com satisfação.
Como tinha de passar a limpo o necrológio apressou-se a entrar em casa.
Abancou com uma manta sobre os joelhos; bem depressa as responsabilidades de prosador distraíram-no das preocupações de homem; e até às onze horas a
sua bela letra cursiva e burocrática desenrolou-se nobremente sobre uma larga folha de papel inglês, no silêncio do seu Sanctum Sanctotum. Terminava quando a porta rangeu, e a Adelaide, com um xale forte pelos ombros, veio dizer, numa voz constipada:
—
Então hoje não se faz nenê?
—
Não tardo, minha Adelaide, não tardo!
E releu baixo, enlevado. Pareceu-lhe então que o final não era comovente: queria terminar por uma exclamação dolorosa, prolongada como um "ai"!
Meditou, com os cotovelos sobre a mesa, a cabeça entre os dedos muito abertos; Adelaide então, chegando-se devagar, passou-lhe a mão pela calva; aquele doce amoroso fez decerto saltar a ideia como uma faísca, porque tomou rapidamente a pena, e acrescentou: