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E você não tem medo de ficar aqui só?

Eu não, meu senhor. Quem vai não volta!

Tinha medo, com efeito; mas preparava-se a passar a noite com o Pedro, e batia-lhe o coração de alegria de "terem a casa por sua" até de manhã, e de se poderem rolar amorosamente, como fidalgos, por cima do divã da sala.

Jorge voltou com Sebastião para casa, e apenas entrou no quarto, onde Luísa estava deitada:

Tudo pronto — disse, esfregando as mãos. — Lã vai para o Alto de São João, devidamente acondicionada. Per omnia saecula soeculorum!

A tia Joana, que estava à cabeceira de Luísa, acudiu:

Ai, quem lá vai, lá vai.. Mas boa mulher não era ela!

Era um bom estafermo — disse Jorge. — Esperemos que a esta hora esteja a ferver na caldeira de Pero Botelho. Não é verdade, tia Joana?

Jorge! — fez Luísa repreensivamente. E julgou dever rezar-lhe baixo dois padre-nossos por alma.

Foi tudo o que a terra deu na sua morte àquela que ia rolando a essa hora, ao trote de duas velhas éguas, para a vala dos pobres, e que fora na vida Juliana coiceiro Tavira!

No dia seguinte Luísa estava melhor; falaram mesmo, com grande desconsolação da tia Joana, em voltar para casa. Sebastião não dizia nada, mas quase desejava secretamente que uma convalescença a retivesse ali semanas indefinidas. Ela parecia tão agradecida! Tinha olhares tão reconhecidos, que só ele compreendia! E era tão feliz tendo-a ali e a Jorge na sua casa!

Conferenciava com a tia Vicência sobre o jantar; andava pelos corredores e pela sala com respeito, quase em bicos de pés, como se a presença dela santificasse a casa; enchia os vasos de camélias e violetas; sorria beatamente ao ver Jorge, à sobremesa, saborear e gabar o seu velho conhaque; sentia alguma coisa de bom acalentá-lo como um manto acolchoado e macio; e já pensava que, quando ela partisse, tudo lhe pareceria mais frio, e com uma tristeza de ruína!

Mas daí a dois dias voltaram para casa.

Luísa ficou muito agradada com a criada nova. Fora Sebastião que a arranjara.

Era uma rapariguita asseadinha e branca, com grandes olhos bonitos e

pasmados, um ar amorável; chamava-se Mariana; e foi logo correndo dizer a Joana que morria pela senhora! Tinha uma carinha de anjo! Que linda que era!

Jorge logo nessa manhã mandou os dois baús de Juliana à tia Vitória.

Luísa, quando ele saiu à tardinha, fechou-se no quarto, com a carteirinha de Juliana, correu os transparentes por precaução, acendeu uma vela, e queimou as cartas. As mãos tremiam-lhe; e via, com os olhos marejados de lágrimas, a sua vergonha, a sua escravidão irem-se, dissiparem-se num fumo alvadio!

Respirou completamente! Enfim! E fora Sebastião, aquele querido Sebastião!

Foi então à sala, à cozinha, ver a casa: tudo lhe pareceu novo, a sua vida cheia de doçura; abriu todas as janelas; experimentou o piano; rasgou mesmo em pedaços, por superstição, a música da Medjê, que lhe dera Basílio; conversou muito com a Mariana; e saboreando o seu caldo de galinha de convalescente, com a face alumiada de felicidade:

"Que bem que vou passar agora!" — pensava.

Quando sentiu no corredor os passos de Jorge que entrava, correu, deitou-lhe os braços ao pescoço, e com a cabeça no ombro dele:

Estou tão contente hoje! E se tu soubesses, é tão boa rapariga a Mariana!

Mas nessa noite a febre voltou. Julião, de manhã achou-a pior. Crescimentos...

— disse descontente.

Estava receitando, quando D. Felicidade entrou, muito excitada. Ficou toda surpreendida de ver Luísa doente; e debruçando-se sobre ela, disse-lhe logo ao ouvido:

Tenho que te contar!

Apenas Jorge e Julião saíram, desabafou, sentada aos pés da cama — com uma voz ora baixa pela gravidade da confidência, ora aguda pelo ímpeto da indignação:

Tinha sido roubada! Indignamente roubada! O homem que mandara a Tui, o grande ladrão, tinha escrito à Gertrudes, à criada, que não estava resolvido a voltar a Lisboa; que a mulher de virtude mudara de povoação; que ele não queria saber mais desse negócio e que até o achava esquisito; que oferecia o seu préstimo em Tui — tudo isto numa boa letra de escrevente público, num português horrível — e do dinheiro nem palavra!

Que te parece o mariola? Oito moedas! Eu, se não fosse pela vergonha, ia direita à policia. . Ai! Os galegos pra mim acabaram! Por isso o Conselheiro não se chegava ao rego! Pudera! A mulher nunca lançou a sorte!. . — Porque se já não acreditava na honestidade dos galegos, não perdera a fé no poder das bruxas.

Que ela não era pelas oito moedas! Era pelo ferro! E depois, quem sabe onde estaria agora a mulher! Ai, era de endoidecer!. . Que te parece, hem?

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