Talvez em breve volte a Lisboa. Espero ver-te, porque sem ti Lisboa é para mim um desterro.
Um longo beijo do
Teu do C.
Basílio.
Jorge dobrou o papel, lentamente, em duas, em quatro dobras, atirou-o para cima da mesa, disse alto:
— Sim, senhor! Bonito!
Encheu o cachimbo de tabaco maquinalmente, com os olhos vagos, os beiços a tremer: deu alguns passos incertos pelo escritório: — de repente arremessou o cachimbo que despedaçou um vidro da janela, bateu com as mãos desvairado, e atirando-se de bruços para cima da mesa, rompeu a chorar, rolando a cabeça entre os braços, mordendo as mangas, batendo com os pês, louco!
Ergueu-se subitamente, agarrou a carta, ia com ela à alcova de Luísa. Mas a lembrança das palavras de Julião imobilizou-o: "Que esteja sossegada, nada de frases, nenhuma excitação!" Fechou a carta numa gaveta, meteu a chave na algibeira. E de pé, a tremer, com os olhos raiados de sangue, sentia ideias insensatas iluminarem-lhe bruscamente o cérebro, como relâmpagos numa tormenta — matá-la, sair de casa, abandoná-la, fazer saltar os miolos..
Mariana bateu ligeiramente à porta, disse-lhe que a senhora o chamava. Uma onda de sangue subiu-lhe à cabeça; fitava a Mariana, estúpido, batendo as pálpebras:
—
Já vou — disse com a voz rouca.
Ao passar na sala, diante do espelho oval, ficou pasmado do seu rosto manchado, envelhecido. Foi correr uma toalha molhada pela face, alisou o cabelo; e ao entrar na alcova, ao vê-la, com os seus grandes olhos dilatados onde a febre reluzia, teve de se agarrar à barra do leito, porque sentiu, em redor, as paredes oscilarem como lonas do vento.
Mas sorriu-lhe:
—
Como estás?
—
Mal — murmurou ela debilmente.
Chamou-o para o pé de si com um gesto muito fatigado.
Ele veio, sentou-se sem a olhar.
—
Que tens? — disse ela chegando o rosto para ele. — Não te aflijas. —
E tomou a mão que ele pousara à beira do leito.
Jorge, com um repelão seco, sacudiu a mão dela, ergueu-se bruscamente com os dentes cerrados; sentia uma cólera brutal; ia-se, com medo de si, de um crime, quando ouviu a voz de Luísa, arrastando-se, numa lamentação:
—
Por que, Jorge? Que tens?...
Voltou-se; viu-a meio erguida com os olhos abertos para ele, uma angústia no rosto; e duas lágrimas caíam-lhe, silenciosamente.
Atirou-se de joelhos, agarrou-lhe as mãos, aos soluços.
—
Que é isto? — exclamou a voz de Julião à porta da alcova.
Jorge, muito pálido, ergueu-se devagar.
Julião levou-o para a sala, e cruzando terrivelmente os braços diante dele:
—
Tu estás doido? Pois tu sabes que ela está num estado daqueles, e vais-te pôr a fazer-lhe cenas de lágrimas?
—
Não me pude conter. .
—
Estoura. Eu estou a cortar-lhe a febre por um lado, e tu a dar-lha por outro? Estás doido!
Estava realmente indignado. Interessava-se por Luísa como doente. Desejava muito curá-la; e sentia uma satisfação em exercer o domínio de pessoa necessária naquela casa, onde as suas visitas tinham tido sempre uma atitude dependente; mesmo agora, ao sair, não se esquecia de oferecer negligentemente um charuto a Jorge.
Jorge foi heroico durante toda essa tarde. Não podia estar muito tempo na alcova de Luísa, a desesperação trazia-o num movimento contraditório; mas ia lá a cada momento, sorria-lhe, conchegava-lhe a roupa com as mãos trémulas; e ela dormitava, ficava imóvel a olhá-la feição por feição, com uma curiosidade dolorosa e imoral, como para lhe surpreender no rosto vestígios de beijos alheios, esperando ouvir-lhe nalgum sonho da febre murmurar um nome ou uma data; e amava-a mais desde que a supunha infiel, mas de um
outro amor, carnal e perverso. Depois ia-se fechar no escritório, e movia-se ali entre as paredes estreitas, como um animal numa jaula. Releu a carta infinitas vezes, e a mesma curiosidade roedora, baixa, vil, torturava-o sem cessar: Como tinha sido? Onde era o Paraíso? Havia uma cama? Que vestido levava ela? O que lhe dizia? Que beijos dava?