Pelo que Deus faz por mim... — exclamou Jorge, saindo do seu torpor.
E batendo as mãos, como revoltado por uma injustiça: — porque realmente, que fiz eu para isto? Que fiz eu?. .
Julião ordenara outro cáustico. Havia agora na casa um movimento alucinado.
Joana entrava de repente com um caldo inútil que ninguém pedira, os olhos muito vermelhos de chorar. Mariana soluçava pelos cantos. D. Felicidade ia, vinha pelo quarto, refugiando-se na sala para rezar, fazendo promessas, lembrando que se chamasse o Dr. Barbosa, o Dr. Barral.
E Luísa no entanto estava imóvel; uma cor macilenta ia-lhe dando às faces tons cavados e rígidos.
Julião extenuado pediu um cálice de vinho, uma fatia de pão. Lembraram-se então que desde a véspera não tinham comido, e foram à sala de jantar onde
Joana, sempre lavada em lágrimas, serviu uma sopa, e ovos. Mas não achava as colheres, nem os guardanapos; murmurava rezas, pedia desculpa; enquanto Jorge, com os olhos inchados, fitos na borda da mesa, a face contraída, fazia dobras na toalha.
Depois de um momento pousou devagarinho a colher, desceu ao quarto.
Mariana estava sentada aos pés do leito; Jorge disse-lhe que fosse servir os senhores; e apenas ela saiu, deixou-se cair de joelhos, tomou uma das mãos de Luísa, chamou-a baixo; depois mais forte:
—
Escuta-me. Ouve, pelo amor de Deus. Não estejas assim, faz por melhorar. Não me deixes neste mundo, não tenho mais ninguém! Perdoa-me.
Diz que sim. Faz sinal que sim ao menos. Não me ouve, meu Deus!
E olhava-a ansiosamente. Ela não se movia.
Ergueu então os braços ao ar numa desesperação alucinada.
—
Sabes que creio em ti, meu Deus. Salva-a! Salva-a! — E arremessava a sua alma para as alturas: — Ouve, meu Deus! Escuta-me! Sê bom!
Olhava em roda, esperando um movimento, uma voz, um acaso, um milagre!
Mas tudo lhe pareceu mais imóvel. A face lívida cavava-se; o lenço que lhe envolvia a cabeça desarranjara-se, via-se o crânio rapado, de uma cor ligeiramente amarelada. Pôs-lhe então a mão na testa, hesitando, com medo;
pareceu-lhe que estava fria! Abafou um grito, correu para fora do quarto, e deu com o Dr. Caminha que entrava, tirando pausadamente as luvas.
—
Doutor! Está morta! Veja. Não fala, está fria. .
—
Então! Então! — disse ele. — Nada de barulho, nada de barulho!
Tomou o pulso de Luísa, sentiu-o fugir sob os dedos, como a vibração expirante de uma corda.
Julião veio logo. E concordou com o Dr. Caminha que as ventosas eram inúteis.
—
Já as não sente — disse o doutor sacudindo o tabaco dos dedos.
—
Se se lhe desse um copo de conhaque?... — lembrou de repente Julião.
E vendo o olhar espantado do doutor: — Às vezes estes sintomas de coma não querem dizer que o cérebro esteja desorganizado; podem ser apenas a inação da força nervosa exausta. Se a morte é irremediável não se perde nada; se é apenas uma depressão do sistema nervoso, pode-se salvar..
O Dr. Caminha, com o beiço descaído, oscilava incredulamente a cabeça:
—
Teorias! — murmurou.
—
Nos hospitais ingleses... — começou Julião.
O Dr. Caminha encolheu os ombros com desprezo.
—
Mas se o doutor lesse. . — insistiu Julião.
—
Não leio nada! — disse o Dr. Caminha com força — tenho lido demais!