O Conselheiro estacou:
—
Que quer o meu nobre amigo insinuar?
—
Sim, homem! Não sei como diabo descobriu uma coisa grave. .
—
O quê? Acredite. .
—
O que eu também descobri, seu maganão! Que o Conselheiro tem duas travesseirinhas na cama, tendo só uma cabeça. . Disse-mo ela! — E rindo muito, dizendo-lhe "adeus! adeus!" desceu rapidamente a Rua do Alecrim. O
Conselheiro ficou imóvel, no largo, de braços cruzados, como petrificado. —
Que infeliz senhora! Que funesta paixão! — murmurou enfim. E acariciou o bigode, com satisfação.
Como tinha de passar a limpo o necrológio apressou-se a entrar em casa.
Abancou com uma manta sobre os joelhos; bem depressa as responsabilidades de prosador distraíram-no das preocupações de homem; e até às onze horas a
sua bela letra cursiva e burocrática desenrolou-se nobremente sobre uma larga folha de papel inglês, no silêncio do seu Sanctum Sanctotum. Terminava quando a porta rangeu, e a Adelaide, com um xale forte pelos ombros, veio dizer, numa voz constipada:
—
Então hoje não se faz nenê?
—
Não tardo, minha Adelaide, não tardo!
E releu baixo, enlevado. Pareceu-lhe então que o final não era comovente: queria terminar por uma exclamação dolorosa, prolongada como um "ai"!
Meditou, com os cotovelos sobre a mesa, a cabeça entre os dedos muito abertos; Adelaide então, chegando-se devagar, passou-lhe a mão pela calva; aquele doce amoroso fez decerto saltar a ideia como uma faísca, porque tomou rapidamente a pena, e acrescentou:
—
"Chorai! Chorai! Enquanto a mim, a dor sufoca-me!"
Esfregou as mãos com orgulho. Repetiu alto num tom plangente:
—
"Chorai, chorai; enquanto a mim, a dor sufoca-me!" — E passando o braço concupiscente pela cinta da Adelaide, exclamou:
—
Está de fazer sensação, minha Adelaide!
Ergueu-se. Tinha terminado o seu dia. Fora bem preenchido e digno; de manhã certificara-se com regozijo no Diário do Governo, que a família real
"passava sem novidade"; cumprira o dever de amigo, acompanhando Luísa
aos Prazeres numa carruagem da Companhia; a alta das inscrições assegurava-lhe a paz da sua pátria; compusera uma prosa notável; a sua Adelaide amava-o!
E decerto se deliciou na certeza destas felicidades, que contrastavam tanto com as imagens sepulcrais que a sua pena revolvera, porque Adelaide ouviu-o murmurar:
—
A vida é um bem inestimável! — E acrescentar como bom cidadão: Sobretudo nesta era de grande prosperidade pública!
E entrou no quarto com a cabeça ereta, o peito cheio, os passos firmes, erguendo alto o castiçal.
A sua Adelaide seguia-o bocejando; estava cansada da constipação e — de uma hora de ternuras, que tivera à tardinha, com o louro e meigo Arnaldo, caixeiro da Loja da América.
Àquela hora dois homens desciam de uma carruagem à porta do Hotel Central; um trazia uma ulster de xadrez, o outro uma longa peliça. Um ónibus quase ao mesmo tempo parou, carregado de bagagens.
Um criado alemão, que conversava embaixo com o porteiro, reconheceu-os logo, e tirando o coco:
—
Oh, senhor D. Basílio! Oh, senhor visconde!
O Visconde Reinaldo, que batia os pés nas lajes, rosnou de dentro da sua peliça: