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Não, não conheço.

Uma pérola!

Basílio tinha-se aproximado do piano devagar, frisando o bigode.

Tu ainda cantas? — perguntou-lhe Luísa, sorrindo.

Quando estou só.

Mas o Conselheiro pediu-lhe logo "um trecho". Basílio ria. Tinha medo de escandalizar um velho assinante de São Carlos. .

O Conselheiro animou-o; disse mesmo paternalmente:

Coragem Sr. Brito, coragem! Luísa então preludiou.

E Basílio soltou logo a voz, cheia, bem timbrada, de barítono; as suas notas altas faziam a sala sonora. O Conselheiro, direito na poltrona escutava concentrado; a sua testa, franzida num vinco, parecia curvar-se sob uma responsabilidade de juiz; e as lunetas defumadas destacavam, com reflexos escuros, naquela fisionomia de calvo, que o calor tornava mais pálida.

Basílio dizia com uma melancolia grave a primeira frase, tão larga, da canção: Igual ao mar sombrio

Meu coração profundo. .

Um poeta, com uma dedicação obscura, traduzira a letra no Almanaque das Senhoras; Luísa pela sua própria mão a tinha copiado nas entrelinhas da música. E Basílio debruçado sobre o papel sempre torcendo as pontas do bigode:

Tem tempestades, cóleras, Mas pérolas no fundo!

Os olhos largos de Luísa afirmavam-se para a música — ou a espaços, com um movimento rápido, erguiam-se para Basílio. Quando, na nota final, prolongada como a reclamação de um amor suplicante, Basílio soltou a voz de um modo apelativo:

Vem! Vem Pousar, ó doce amada, Teu peito contra o meu..

os seus olhos fixaram-se nela com uma significação de tanto desejo que o peito de Luísa arfou, os seus dedos embrulharam-se no teclado.

O Conselheiro bateu as palmas.

Uma voz admirável! — exclamava. — Uma voz admirável!

Basílio dizia-se envergonhado.

Não, senhor, não, senhor! — protestou Acácio, levantando-se. — Um excelente órgão! Direi, o melhor órgão da nossa sociedade!

Basílio riu. Uma vez que tinha sucesso, então ia dizer-lhes uma modinha brasileira da Bahia. Sentou-se ao piano, e depois de ter preludiado uma melodia muito balançada, de um embalado tropical cantou: Sou negrinha, mas meu peito

Sente mais que um peito branco.

E interrompendo-se:

Isto fazia furor nas reuniões da Bahia quando eu parti.

Era a história de uma "negrinha" nascida na roça, e que contava, com lirismos de almanaque, a sua paixão por um feitor branco.

Basílio parodiava o tom sentimental de alguma menina baiana; e a sua voz tinha uma preciosidade cómica, quando dizia o ritornelo choroso:

— E a negra pra os mares Seus olhos alonga; No alto coqueiro Cantava a araponga.

O Conselheiro achou "delicioso"; e, de pé na sala, lamentou a propósito da cantiga a condição dos escravos. Que lhe afirmavam amigos do Brasil que os negros eram muito bem tratados. Mas enfim a civilização era a civilização! E a escravatura era um estigma! Tinha todavia muita confiança no imperador. .

Monarca de rara ilustração. . — acrescentou respeitosamente.

Foi buscar o seu chapéu, e colando-lhe as abas ao peito, curvando-se, jurou que — havia muito tempo não tinha passado uma manhã tão completa. De resto nada havia como a boa conversa e a boa música. .

Onde está Vossa Excelência alojado, Sr. Brito?

Pelo amor de Deus! Que não se incomodasse! Estava no Hotel Central.

Não havia considerações que o impedissem de cumprir o seu dever —

Cumpri-lo-ia! Ele era uma pessoa inútil, a senhora D. Luísa bem o sabia —

Mas se necessitar alguma coisa, uma informação, uma apresentação nas regiões oficiais, licenças para visitar algum estabelecimento público, creia que me tem às suas ordens!

E conservando na sua mão a mão de Basílio:

Rua do Ferregial de Cima, número três, terceiro. O modesto tugúrio de um eremita.

Tomou a curvar-se diante de Luísa:

Are sens