Mas aqui representam tão mal! — replicou Basílio com uma voz desolada. — Tão mal, minha rica senhora!
D. Felicidade não respondeu; meio erguida na cadeira, o olhar avivado de um brilho húmido, saudava desesperadamente com a mão:
—
Não me viu — disse desconsolada.
—
Era o Conselheiro? — perguntou Luísa.
—
Não. Era a Condessa de Alviela. Não me viu! Vai muito à Encarnação, sou muito dela. É um anjo! Não me viu. Ia com o sogro.
Basílio não tirava os olhos de Luísa. Sob o véu branco, à luz falsa do gás, no ar enevoado da poeira, o seu rosto tinha uma forma alva e suave, onde os olhos que a noite escurecia punham uma expressão apaixonada; os cabelinhos louros, frisados tornando a testa mais pequena, davam-lhe uma graça ameninada e amorosa; e as luvas gris perle faziam destacar sobre o vestido negro o desenho elegante das mãos, que ela pousara no regaço, sustentando o leque, com uma fofa renda branca em torno dos seus pulsos finos.
—
E tu, que fizeste hoje? — perguntou-lhe Basílio.
Tinha-se aborrecido muito. Estivera todo o santo dia a ler.
Também ele passara a manhã deitado no sofá a ler a Mulher de Fogo de Belot.
Tinha lido, ela?
—
Não, que é?
—
É um romance, uma novidade.
E acrescentou sorrindo:
—
Talvez um pouco picante; não to aconselho!
D. Felicidade andava a ler o Rocambole. Tanto lho tinham apregoado! Mas era uma tal trapalhada! Embrulhava-se, esquecia-se. . E ia deixar, porque tinha percebido que a leitura lhe aumentava a indigestão.
—
Sofre? — perguntou Basílio, com um interesse bem-educado.
D. Felicidade contou logo a sua dispepsia. Basílio aconselhou-lhe o uso do gelo. — De resto felicitava-a, porque as doenças de estômago, ultimamente, tinham muito chique. Interessou-se pela dela, pediu pormenores.
D. Felicidade prodigalizou-os; e falando, via-se-lhe crescer no olhar, na voz a sua simpatia por Basílio. Havia de usar o gelo!
—
Com o vinho, já se sabe?
—
Com o vinho, minha senhora!
—
E olha que talvez! — exclamou D. Felicidade, batendo com o leque no braço de Luísa, já esperançada.
Luísa sorriu, ia responder — mas viu o sujeito pálido de pêra longa que fitava nela os seus olhos langorosos, com obstinação. Voltou o rosto importunada.
O sujeito afastou-se, retorcendo a ponta da pêra.
Luísa sentia-se mole; o movimento rumoroso e monótono, a noite cálida, a acumulação da gente, a sensação de verdura em redor davam ao seu corpo de mulher caseira um torpor agradável, um bem-estar de inércia, envolviam-na numa doçura emoliente de banho morno. Olhava com um vago sorriso, o olhar frouxo; quase tinha preguiça de mexer as mãos, de abrir o leque.
Basílio notou o silêncio. — Tinha sono?
D. Felicidade sorriu com finura.
—
Ora, vê-se sem o seu maridinho! Desde que o não tem está esta mona que se vê.
Luísa respondeu, olhando Basílio instintivamente: