Não, não, obrigado, adeus.
Desceu discretamente. Juliana voltou logo a encostar-se à porta, a orelha contra a madeira, as mãos atrás das costas; mas a conversa, sem saliência de vozes; tinha um rumor tranquilo e indistinto. Subiu à cozinha.
—
Tratam-se por tu! — exclamou. — Tratam-se por tu, Sra. Joana! E
muito excitada:
—
Isto vai à vela! Cáspite! Assim é que eu gosto delas!
O sujeito saiu às cinco horas. Juliana, apenas sentiu abrir-se a porta, veio a correr; viu Luísa no patamar, debruçada no corrimão, dizendo para baixo, com muita intimidade:
—
Bem, não falto. Adeus.
Ficou então tomada de uma curiosidade que a alterava como uma febre. Toda a tarde, na sala de jantar, no quarto, esquadrinhou Luísa com olhares de lado.
Mas Luísa, com um roupão de linho mais velho, parecia serena, muito indiferente.
—
"Que sonsa!"
Aquela naturalidade despertava a sua bisbilhotice.
—
"Eu hei de te apanhar, desavergonhada!" — calculava.
Afigurou-se-lhe que Luísa tinha os olhos um pouco pisados. Estudava-lhe as posições, os tons de voz. Viu-a repetir o assado — pensou logo:
—
"Abriu-lhe o apetite"!
E quando Luísa ao fim do jantar se estendeu na poltrona com um ar quebrado.
—
"Ficou derreada".
Luísa que nunca tomava café, quis nessa tarde "meia chávena, mas forte, muito forte".
—
Quer café! — veio ela dizer à cozinheira, toda excitada. — Tudo à grande. E do forte. Quer do forte! Ora o diabo!
Estava furiosa.
—
Todas o mesmo! Uma récua de cabras!
Ao outro dia era domingo. Logo pela manhã cedo, quando Juliana ia para a missa, Luísa chamou-a da porta do quarto, deu-lhe uma carta para levar a D.
Felicidade. Ordinariamente mandava um recado; — e a curiosidade de Juliana acendeu-se logo diante daquele sobrescrito fechado e lacrado com o sinete de Luísa, um L gótico dentro de uma coroa de rosas.
—
Tem resposta?
—
Tem.
Quando voltou às dez horas, com um bilhete de D. Felicidade, Luísa quis saber se havia muito calor, se fazia poeira. Sobre a mesa estava um chapéu de palha escuro, que ela estivera a enfeitar com duas rosas de musgo.
Fazia um bocadinho de vento, mas para a tarde abrandava, decerto. E pensou logo: — "Temos passeata, vai ter com o gajo!"
Mas durante todo o dia, Luísa em roupão não saiu do seu quarto ou da sala, ora estendida na poltrona lendo aos bocados, ora batendo distraidamente no piano pedaços de valsas. Jantou às quatro horas. A cozinheira saiu, e Juliana pôs-se a passar a sua tarde à janela da sala de jantar. Tinha o vestido novo, as saias muito rijas de goma, a cuia dos dias santos — e pousava solenemente os cotovelos num lenço, estendido sobre o peitoril da varanda. em frente os pássaros chilreavam na figueira brava. Dos dois lados do tabique que cercava o terreno vago, agachavam-se os tetos escuros das duas ruazitas paralelas; eram casas pobres onde viviam mulheres, que pela tarde, em chambre ou de garibaldi, os cabelos muito oleosos, faziam meia à janela, falando aos homens, cantarolando com um tédio triste. Do outro lado do terreno, verduras de quintais, muros brancos davam àquele sítio um ar adormecido de vila pacata.
Quase ninguém passava. Havia um silêncio fatigado; e só às vezes o som distante de um realejo, que tocava a Norma ou a Lúcia, punha uma melancolia
na tarde. — E Juliana ali estava imóvel até que os tons quentes da tarde empalideciam, e os morcegos começavam a voar.