"Unleash your creativity and unlock your potential with MsgBrains.Com - the innovative platform for nurturing your intellect." » » ,,O Primo Basílio'' - de Eça de Queirós

Add to favorite ,,O Primo Basílio'' - de Eça de Queirós

Select the language in which you want the text you are reading to be translated, then select the words you don't know with the cursor to get the translation above the selected word!




Go to page:
Text Size:

Sebastião entrou preocupado. Todo o mundo começava a reparar, hem!

Pudera! Um rapaz novo, janota, vir todos os dias de trem, estar duas, três horas! Uma vizinhança tão chegada, tão maligna!. .

Ao começo da tarde saiu. Teve vontade de procurar Luísa; mas sem saber porquê, sentia um grande acanhamento; como que receava encontrá-la diferente ou com outra expressão.. E subia a rua devagar, sob o seu guarda-sol, hesitando, quando um cupê que descia a trote largo veio parar à porta de Luísa.

Um sujeito saltou rapidamente, atirou o charuto, entrou. Era alto, com um bigode levantado, trazia uma flor, no peito; devia ser o primo Basílio, pensou.

O cocheiro limpou o suor da testa, e, cruzando as pernas, pôs-se a enrolar o cigarro.

Ao ruído do trem o Paula postou-se logo à porta, de boné carregado, as mãos enterradas no bolso, com olhares de revés; a carvoeira em frente, imunda, disforme de obesidade e de prenhez, veio embasbacar com um pasmo lorpa na face oleosa; a criada do doutor abriu precipitadamente a vidraça. Então o Paula atravessou rapidamente a rua faiscante de sol, entrou no estanque; daí a um momento apareceu à porta, com a estanqueira, de carão viúvo; e cochichavam, cravavam olhares pérfidos nas varandas de Luísa, no cupê! O

Paula, dali, arrastando as chinelas de tapete, foi segredar com a carvoeira; provocou-lhe uma risada que lhe sacudia a massa do seio; e foi enfim estacar à

sua porta entre um retrato de D. João VI e duas velhas cadeiras de couro, assobiando com júbilo. No silêncio da rua ouvia-se num piano, a compasso de estudo, a Oração de uma virgem.

Sebastião ao passar olhou maquinalmente para as janelas de Luísa.

Rico calor, Sr. Sebastião! — observou o Paula curvando-se. — E um regalo estar à fresca!

Luísa e Basílio estavam muito tranquilos, muito felizes na sala, com as portadas meio cerradas, numa penumbra doce. Luísa tinha aparecido de roupão branco, muito fresca, com um bom cheiro de água de alfazema.

Eu venho assim mesmo — disse ela. — Não faço cerimónias.

Mas assim é que ela estava linda! Assim é que a queria sempre! — exclamou Basílio muito contente, como se aquele roupão de manhã fosse já uma promessa da sua nudez.

Vinha muito tranquilo, afetava um tom de parente. Não a inquietou com palavras veementes, nem com gestos desejosos; falou-lhe do calor, de uma zarzuela que vira na véspera, de velhos amigos que encontrara, e disse-lhe apenas que tinha sonhado com ela.

O quê? Que estavam longe, numa terra distante, que devia ser a Itália, tantas as estátuas que havia nas praças, tantas as fontes sonoras que cantavam nas bacias de mármore; era num jardim antigo, sobre um terraço clássico; flores

raras transbordavam de vasos florentinos; pousando sobre as balaustradas esculpidas, pavões abriam as caudas; e ela arrastava devagar sobre as lajes quadradas a cauda longa do seu vestido de veludo azul. De resto, dizia, era um terraço como de São Donato, a vila do Príncipe Demidoff — porque lembrava sempre as suas intimidades ilustres, e não se descuidava de fazer reluzir a glória das suas viagens.

E ela, tinha sonhado?

Luísa corou. — Não, tinha tido muito medo da trovoada. Tinha ouvido a trovoada, ele?

Estava a cear no Grémio, quando trovejou.

Costumas cear?

Ele teve um sorriso infeliz. — Cear! Se se podia chamar cear ir ao Grémio rilhar um bife córneo e tragar um Colares peçonhento!

E fitando-a:

Por tua causa, ingrata!

Por sua causa?

Por quem, então? porque vim eu a Lisboa? porque deixei Paris?

Por causa dos teus negócios...

Ele encarou-a severamente:

Obrigado — disse, curvando-se até ao chão.

E a grandes passadas pela sala soprava violentamente o fumo do seu charuto.

Veio sentar-se bruscamente ao pé dela. — Não, realmente era injusta. Se em Lisboa, era por ela. Só por ela!

Fez uma voz meiga; perguntou-lhe se lhe tinha realmente um bocadinho de amor muito pequenino, assim.. — Mostrava o comprimento da unha.

Riram.

Assim, talvez.

E o peito de Luísa arfava.

Ele então examinou-lhe as unhas; admirou-lhas e aconselhou-lhe o verniz que usam as cocotes, que lhes dá um lustre polido; ia-se apossando da sua mão, pôs-lhe um beijo na ponta dos dedos; chupou o dedo mínimo, jurou que era muito doce; arranjou-lhe com um contato muito tímido uns fios de cabelos que se tinham soltado — e, disse, tinha um pedido a fazer-lhe!

Olhava-a com uma suplicação.

Que é?

É que venhas comigo ao campo. Deve estar lindo no campo!

Are sens