A lembrança repentina da sua humilhação na sala de Luísa trouxe um rubor de Julião. Mas muito orgulhoso, disse secamente:
—
Vi
—
E então?
—
Pareceu-me um asno! — exclamou, não se contendo.
—
É um extravagante — disse com terror Sebastião. — Não te pareceu, hem?
—
Pareceu-me um asno — repetiu. — Umas maneiras, uma afetação, um alambicado, a olhar muito para as meias, umas meias ridículas de mulher. .
E com um certo sorriso azedado:
—
Eu mostrei-lhe francamente as minhas botas. Estas — disse, apontando para os botins mal — engraxados —, tenho muita honra nelas; são de quem trabalha. .
Porque publicamente costumava gloriar-se de uma pobreza, que intimamente não o cessava de o humilhar.
E remexendo devagar a sua carapinhada:
—
Uma besta! — resumiu.
—
Ti sabes que ele foi namoro da Luísa? — disse Sebastião, baixo, como assustado da gravidade da confidência.
E respondendo logo ao olhar surpreendido de Julião:
—
Sim. Ninguém o sabe. Nem Jorge. Eu soube-o há pouco, há meses. Foi.
Estiveram a casar. Depois o pai faliu, ele foi para o Brasil, e de lá escreveu a romper o casamento.
Julião sorriu, e encostando a cabeça à parede:
—
Mas isso é o enredo da Eugénia Grandet, Sebastião! Estás-me a contar o romance de Balzac! Isso é a Eugénia Grandet!
Sebastião fitou-o espantado.
—
Ora! Não se pode falar sério contigo. Dou-te a minha palavra de honra!
— acrescentou vivamente.
—
Vá, Sebastião, vá, diz.
Houve um silêncio. O sujeito calvo, agora, contemplava o estuque do teto sujo de fumo dos cigarros e do pousar das moscas; e, com a mão sapuda, de tom pegajoso, cofiava amorosamente as repas. No bilhar vozes altercavam.
Sebastião então, como tomado de uma resolução, disse bruscamente:
—
E agora vai lá todos os dias, não sai de lá!
Julião afastou-se na banqueta e encarou-o:
—
Tu queres-me dar a entender alguma coisa, Sebastião?
E com uma vivacidade quase jovial:
—
O primo atira-se?
Aquela palavra escandalizou Sebastião.
—
Ó Julião! — E severamente: — Com essas coisas não se brinca!
Julião encolheu os ombros.
—
Mas está claro que se atira! — exclamou. — És de bom tempo ainda!
Está claro que sim! Namorou-a solteira, agora quere-a casada!