—
Fala baixo — acudiu Sebastião.
Mas o criado dormitava, e o sujeito calvo tinha recaído na sua leitura fúnebre.
Julião baixou a voz:
—
Mas é sempre assim, Sebastião. O primo Basílio tem razão; quer o prazer sem a responsabilidade!
E quase ao ouvido dele:
—
É de graça, amigo Sebastião! É de graça! Tu não imaginas que influência isto tem no sentimento!
Riu-se. Estava radioso; as palavras, as pilhérias vinham-lhe com abundância:
—
Há um marido que a veste, que a calça, que a alimenta, que a engoma, que a vela se está doente; que a atura se ela está nervosa; que tem todos os encargos, todos os tédios, todos os filhos, todos, todos os que vierem, sabes a lei.. Por consequência o primo não tem mais que chegar, bater ao ferrolho, encontra-a asseada, fresca, apetitosa à custa do marido, e. .
Teve um risinho, recostou-se com uma grande satisfação, enrolando deliciosamente o cigarro, regozijando-se no escândalo.
—
É ótimo! — acrescentou. — Todos os primos raciocinam assim. Basílio é primo, logo. . Sabes o silogismo, Sebastião! Sabes o silogismo, menino! —
gritou, dando-lhe uma palmada na perna.
—
É o diabo — murmurou Sebastião cabisbaixo.
Mas revoltando-se contra a suspeita que o ia dominando:
—
Mas tu supões que uma rapariga de bem..
—
Eu não suponho nada! — acudiu Julião.
—
Fala baixo, homem!
—
Eu não suponho nada — repetiu Julião baixinho. — Eu afirmo o que ele faz. Agora ela...
E acrescentou com secura:
—
Como é uma rapariga honesta. .
—
Se é! — exclamou Sebastião, batendo uma punhada na pedra da mesa.
—
Pronto! — cantou arrastadamente o moço.
O velho calvo ergueu-se logo; mas vendo que o criado se recolhia ao balcão bocejando, e que os dois continuavam a remexer a sua carapinhada, encostou os cotovelos à mesa, salivou para longe, e puxando o jornal deixou-lhe cair em cima um olhar desolado.
Sebastião disse, então, com tristeza:
—
A questão não é por ela. A questão é pela vizinhança.
Ficaram um momento calados. A altercação de vozes no bilhar crescia.
—
Mas — disse Julião, como saindo de uma reflexão — a vizinhança?
—
Sim, homem! Veem entrar para lá o rapaz. Vem de tipoia; faz um escândalo na rua. Já se fala. Já vieram com mexericos à tia Joana. Há dias encontrei o Neto que reparou. O Cunha também. O homem dos trastes, embaixo, não se faz nada que ele não dê fé; são umas línguas de tremer. Há dias ia eu a passar quando o primo se apeou da carruagem para entrar, e foram logo conciliábulos na rua, olhadelas para a janela, o diabo! Vai lá todos os dias.
Sabem que o Jorge está no Alentejo... Está duas e três horas. É muito sério, é muito sério!
—
Mas ela então é tola!
—
Não vê o mal..
Julião encolheu os ombros, duvidando.
Mas a porta de baeta do bilhar abriu-se; um homem hercúleo, de bigode negro, muito escarlate, saiu bruscamente, e parando, segurando a porta aberta, gritou para dentro: